"Fala irresponsável", diz liderança sobre sugestão de boi em terra indígena
“É lamentável, mais uma vez a gente está fechando o ano com uma fala agressiva do presidente”, diz advogado e antropólogo Terena

Alimentar uma Ásia faminta e com mercado de consumo crescente – com destaque para a China – e lucro certo com o dólar nas alturas é um dos motivos que fazem da carne bovina produto de luxo, neste final de ano, para o brasileiro. Em Mato Grosso do Sul, um dos maiores produtores do Brasil, a alta alcança os 30%. O presidente Jair Bolsonaro, em declaração ao jornal Folha de São Paulo nesta quinta-feira (19), apontou como solução “criar bois em terras indígenas”.
"O preço da carne subiu. Nós temos de criar mais bois aqui, para diminuir o preço da carne e eles podem criar boi. O índio vai poder fazer em sua terra o que o fazendeiro faz na dele", disse. "Se quer pegar a sua terra e arrendar para alguém plantar soja ou milho, faça isso, respeitando a legislação nossa", emendou.
Proibida por lei, esse tipo de produção avança em discussão no Congresso movida por projetos encabeçados pela equipe econômica de Bolsonaro, que enxerga nas terras indígenas locais aptos a receber não só agropecuária, mas também a mineração.
No Estado onde bois são maioria em relação à população humana, a fala não foi bem recebida por lideranças indígenas. “Cria” da aldeia Taunay Ipegue, em Aquidauana, a 135 km de Campo Grande, e hoje com projeção internacional, o advogado e doutor em antropologia da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) Luiz Henrique Eloy, da etnia Terena, classificou a declaração como “mais uma fala irresponsável do presidente da República”.

“Na verdade a gente vê como mais uma fala irresponsável do presidente da República no trato em relação à questão indígena no país. Isso demonstra totalmente o desconhecimento dele, mas também a forma como ele leva as demandas dos povos indígenas. Há muito tempo os povos indígenas vêm denunciando esse avanço do agronegócio sobre os territórios indígenas que tem causado tanto desmatamento, mas também muitos conflitos. Nesses conflitos, muitas mortes de indígenas. E não considera, também, na verdade, a cosmovisão dos povos indígenas”, comentou.
O ano de 2019 foi marcado por mortes violentas nas regiões norte e nordeste, em especial nos últimos meses que registraram, ao menos, 4 assassinatos de indígenas da etnia Guajajara, além de mortes de povos de pouco contato em conflito com o avanço de madeireiros em regiões com pouca ou quase nenhuma fiscalização.
Para Eloy, a atividade econômica nas terras indígenas representa opinião “totalmente etnocêntrica”. “Quando na verdade há muito tempo os povos indígenas têm falado que não. Ainda que possa ter algum grupo ou comunidade que tem interesse em criar gado ou plantar soja, isso não se estende, automaticamente, aos 305 povos que nós temos no país e mais 114 grupos isolados que nós temos registrados”, avaliou.
Para o Terena, ainda, a fala ignora o que chamou de “situação gravíssima dos territórios indígenas” e, em meio às dificuldades, a importância desses territórios para a preservação ambiental e futuro da biodiversidade no planeta. “É isso que os povos indígenas têm de melhor a oferecer para a sociedade brasileira”, pontuou.
“É lamentável, mais uma vez a gente está fechando o ano com uma fala agressiva do presidente em relação aos povos indígenas”, finalizou o advogado.