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Economia

Sobrevivendo da rua: crise "empurra" desempregados ao trabalho informal

Em MS, são 288 mil pessoas na informalidade, o maior número já registrado pelo IBGE

Osvaldo Júnior | 27/02/2018 17:15
Sobrevivendo da rua: crise "empurra" desempregados ao trabalho informal
Em cenário "sem sonhos" no mercado de trabalho, milhares pessoas migram para a formalidade em MS (Foto: Schramm)

Batoré leva a vida com muito bom humor, apesar de pertencer a uma estatística nada engraçada: a de trabalhadores informais, parcela que chegou ao número recorde de 288 mil pessoas em Mato Grosso do Sul. A migração de trabalhadores do mercado formal para a informalidade é perceptível no avanço de vendedores de produtos diversos a margens de avenidas e ruas de Campo Grande.

Carlos Aguirre, 42 anos, que tem o apelido de Batoré, famoso comediante na década de 1990, está entre esses trabalhadores. Ele vende garapa e pastel na avenida Lúdio Martins Coelho. “Eu era instalador de telefone. Aí teve um 'facão' e eu saí”, conta. O “facão”, mencionado pelo ambulante, foi um PDV (programa de demissão voluntária). Ele aderiu ao programa e deixou a empresa.

“O emprego hoje está muito instável. Tem muita gente caçando emprego e não acha”, opina Batoré. Assim como ele, parcela relativamente acentuada de sul-mato-grossenses migraram do emprego formal para a informalidade. São 288 mil pessoas pelos dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O número é referente ao quarto trimestre de 2017.

Em relação a igual período do ano anterior, o crescimento é de 15% ou de 38 mil – no mesmo período de 2016 eram 250 mil trabalhadores. Pelo histórico da PNAD, iniciado em 2012, esse é o maior número de trabalhadores informais já registrados em Mato Grosso do Sul.

Sobrevivendo da rua: crise "empurra" desempregados ao trabalho informal
Batoré, encarando as dificuldades com bom humor, consegue clientela crescente (Foto: Saul Schramm)

Sem trabalho em um cenário de enxugamento de vagas no mercado formal, os novos desempregados precisaram encontrar meios alternativos para assegurar renda. “Tive muita dificuldade no começo”, admite Batoré. Ele se referia não ao uso do engenho para a produção da garapa, mas ao número tímido de consumidores. “No primeiro dia, fiz 36 reais. Achei bom para o primeiro dia. Mas às vezes, não vendia quase nada. Aconteceu de fazer só 8 reais”, lembra-se.

Mas Batoré insistiu e, com muito trabalho, foi aumentando a clientela. Todo dia, ele acorda cedo para buscar a cana-de-açúcar, organiza o necessário para as vendas e segue para a avenida, onde fica até anoitecer. Atualmente, em um bom dia de venda, ele tem faturamento de até R$ 300.

Sobrevivendo da rua: crise "empurra" desempregados ao trabalho informal
Alceu exibe suas pamonhas, uma das fontes de renda do homem que já foi chefe de 180 trabalhadores (Foto: Saul Schramm)

"Já fui gerente" – Na época em que a construção civil estava aquecida, Alceu Ribas, 60, chegou a construir cerca de 3 mil casas em dois anos. “Isso foi em 2014 e 2015. Era gerente em uma construtora”, lembra-se. Em 2016, a situação ficou mais crítica e Alceu, que já teve sob sua responsabilidade 180 trabalhadores da construção, foi demitido.

Depois de fazer curso em eletrotécnica e não conseguir emprego na área, Alceu fez das ruas sua fonte de renda. Inicialmente, vendia pão, mas com o negócio estava muito fraco. Passou, então, a trabalhar com venda de milho e pamonha, na avenida Ernesto Geisel, no bairro Guanandi.

Em planilhas feitas em um caderno, ele anota e as despesas – como água, energia, transporte, imposto, entre outras – e o faturamento. Com tudo na ponta da caneta, Alceu disse que tem receita média de R$ 2,8 mil, mas líquido de R$ 1,4 mil.

O valor está muito abaixo do que recebia na época em que gerenciava obras. Mas foi essa a via de renda que encontrou, em um momento de mercado com vagas reduzidas e, por decorrência, mais seletivo. “Pra mim, é muito difícil. Depois de certa idade, a gente não consegue mais emprego”, comentou.

Sobrevivendo da rua: crise "empurra" desempregados ao trabalho informal
Alexandre usou a experiência para produzir e vender pães (Foto: Saul Schramm)

O pão de cada dia – Quem também entrou para a estatística de desempregados e, depois, para a de trabalhador informal é Alexandre Sanches, 47 anos. “Eu era motorista de ônibus”, contou. Ele ficou desempregado e, após três meses, já tirava da rua o seu sustento. Alexandre vende pão em ponto ao lado ao de Alceu.

Antes de trabalhar em ônibus, Alexandre foi motorista em uma padaria. Vez em quando ajudava na produção de pão, quando a demanda aumentava. Foi nessa época que aprendeu a fazer o alimento. Essa experiência lhe garante hoje a a renda estimada de R$ 1,5 mil a R$ 2 mil.

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Elaine fabrica bolos e os vende em avenida. "Estou feliz", afirma (Foto: Saul Schramm)

Decisão acertada – Há os que saíram do mercado formal por já terem planos de ter o próprio negócio. Este é o caso de Elaine Costa, 42 anos. “Sempre tive vontade de trabalhar por conta com alguma coisa que gostasse. E eu gosto muito de cozinhar. Então, consegui esse carro e aí comecei a fazer bolo para vender”, resume Eliane sua história.

Ela começou a vender bolo na avenida Lúdio Martins Coelho no dia 28 de novembro do ano passado e afirma que já tem boa clientela. “A procura está aumentando”, garante. Antes de trabalhar por conta própria, Elaine era funcionária em uma loja de acessórios para vidros. “Pedi demissão e fiquei um tempo sem trabalho. Foi tudo na coragem, mas está dando certo. A decisão foi certeira. Estou feliz”, afirmou.

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"É o melhor pão de Campo Grande", afirma o aposentado Nelson (Foto: Saul Schramm)

O melhor – Nas imediações, também trabalha como autônomo no setor de alimentos o aposentado Nelson Silva, 66 anos. “A aposentadoria é pouca. Então aqui é uma ajuda muito boa”, contou.

Mas há outro motivo. “Não aguento ficar só em casa. Então, muita mulher faz o pão e eu vendo aqui. Tenho clientes que vêm de longe só para comprar de mim. E vou dizer uma coisa: Este é o melhor pão de Campo Grande”, assegurou. E um detalhe: ele aceita cartão. 

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Só 1 real – Por um motivo ou outro, com uma história ou outra, esses trabalhadores têm em comum a busca de alternativa para a retração econômica, que freou o ritmo do mercado.

Esse cenário não se manifesta apenas no crescimento do número de informais, mas também na variação da renda. Conforme a PNAD, o rendimento médio real do trabalhador por conta própria de Mato Grosso do Sul era, em 2017, de R$ 1.642.

Este é o segundo maior valor segundo a série histórica do IBGE. Só fica acima ao de 2015, que foi de R$ 1.641. Ou seja, em 12 meses, o rendimento médio do trabalhador informal de Mato Grosso do Sul teve aumento apenas de R$ 1.

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