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Arquitetura

Com meio século de vida, hotel na Dom Aquino era sonho do engraxate sírio

Paula Maciulevicius | 28/03/2017 07:25
Hotel Palace, construído em 1960, na Dom Aquino. (Foto: Alcides Neto)
Hotel Palace, construído em 1960, na Dom Aquino. (Foto: Alcides Neto)

Em preto e branco, o porta-retrato tirado da parede da casa de Janete revela um antes de mais de 50 anos atrás, de quando o prédio, que se resumia a um salão de beleza e a um consultório médico, ainda não tinha ganhado altura. Na Rua Dom Aquino, a portinha que leva aos 40 apartamentos do Hotel Palace foi a realização do sonho de um engraxate sírio, que chegou ao Brasil sem falar uma palavra em português.

Uma antiga central telefônica e um relógio de ponto nos levam de 2017 até a década de 60, quando o hotel entrou em funcionamento. São eles que hoje carregam o passado como detalhe na decoração.

Os 40 quartos continuam, com algumas reformas, e dos cinco andares, mais um foi acrescentado como área gourmet. De reforma em reforma, o estabelecimento foi se adequando aos tempos que chegaram, mas ainda preserva a simplicidade de ser pequeno e de administração familiar.

Como era o trecho antes do hotel. (Fotos: Alcides Neto)
Como era o trecho antes do hotel. (Fotos: Alcides Neto)
Depois, imagens estamparam até postal da cidade.
Depois, imagens estamparam até postal da cidade.
Janete, filha do dono, quem esteve à frente do hotel durante cinco décadas. (Foto: Alcides Neto)
Janete, filha do dono, quem esteve à frente do hotel durante cinco décadas. (Foto: Alcides Neto)

"O prédio era assim, aqui do lado que ele construiu o hotel. Quando foi inaugurado, quem benzeu foi o bispo Dom Antônio Barbosa", fala a filha Janete Chacha Cese, de 73 anos, enquanto olha para o passado.

O pai era João Jorge Chacha. Sírio de Alepo, que veio junto dos tios, que viraram sogros, depois do casamento com a prima Maria Basmage. "Ele veio com 15 anos para cá com meu avô e avó maternos e minha mãe que tinha 3 anos. Eles eram primo-irmãos", narra Janete. O que a história da família conta é que em época de guerra na Síria, os pais dele pediram para que o filho fosse levado ao Brasil pelos familiares.

Na chegada ao novo País, atenderam a um convite. "Eles tinham aqui a irmã da minha avó, da família Catan. Eles vieram e diz que aqui não tinha nada. A única coisa era o trem, a Rua 7 de Setembro e a 14 de Julho", descreve a cena que o pai deve ter repassado na memória repetidas vezes.

Família Chacha. Seu Jorge João era o jovem na segunda fileira à direita. (Foto: Alcides Neto)
Família Chacha. Seu Jorge João era o jovem na segunda fileira à direita. (Foto: Alcides Neto)

À época, o menino virou engraxate. Comprou uma cadeira e passava dias em frente ao Hotel Colombo. Foi assim até os 20 anos de João. "O pessoal do hotel gostava muito dele. Pessoa honesta e trabalhadora e falaram para ele aprender a dirigir. Ele tirou carteira e trabalhava com o ônibus do hotel. Chegava na estação e gritava: 'Hotel Colombo, Hotel Colombo' e trazia os hóspedes. Ali ele começou a gostar e o sonho dele era fazer um hotel".

De engraxate para motorista de ônibus, com cerca de 30 anos de idade, Chacha comprou o primeiro caminhãozinho. "Ele pegava erva mate em Ponta Porã e trazia aqui para vender", relata a filha. No histórico de trabalho, seu João Chacha acumulou conquistas, de um mercado na Avenida Mato Grosso junto do irmão, uma auto-peças e também a concessionária Chacha.

Sobre o hotel, dona Janete reproduz o que ouviu criança. "Ele falava assim: 'vou investir em alguma coisa aqui. Aquela época só tinha o Hotel Colombo, o Americano e uns outros na rodoviária", recorda a filha.

A inauguração se deu em meados da década de 1960. O ano exato, dona Janete não se lembra e é a neta, Júlia, quem descobriu um documento datado de 2 de janeiro de 1967, que se contar a partir daí, se passou um cinquentenário.

Relógio de ponto do passado. (Foto: Alcides Neto)
Relógio de ponto do passado. (Foto: Alcides Neto)
Central telefônica da década de 60. (Foto: Alcides Neto)
Central telefônica da década de 60. (Foto: Alcides Neto)
Antigo armário que guarda retratos da história do hotel.
Antigo armário que guarda retratos da história do hotel.
Onde se toma o café da manhã. (Foto: Alcides Neto)
Onde se toma o café da manhã. (Foto: Alcides Neto)

De volta aos anos 60, a filha ri ao se lembrar das conversas que o pai tivera com o amigo Lúdio Coelho. Pecuarista, ele dizia que iria construir um hotel mais "chique" que o Palace. "E meu pai respondia: 'não faz mais que tua obrigação, porque você é campo-grandense e mato-grossense".

Como seu Chacha tinha a concessionária, o trabalho do hotel ficou para as filhas Janete e Isaura. "Ela tinha feito contador e eu o normal, mas meu pai dizia que a gente não ia estudar não, que ia trabalhar", brinca.

Corintiano roxo, João Jorge Chacha morreu em 1975, de embolia cerebral, antes mesmo de completar 60 anos, deixando quatro filhos. Além das meninas, Jorge e Luiz Chacha e pelo menos nove netos.

A esposa ainda é viva e o hotel já passou para a terceira geração dos Chacha. "O que representa para mim? Eu amo isso aqui, porque eu trabalhei a vida inteira e ajudei meu pai a construir", se despede dona Janete.

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A vista que se tem do alto para a cidade.  (Foto: Alcides Neto)
A vista que se tem do alto para a cidade. (Foto: Alcides Neto)
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