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Arquitetura

Há 20 anos, casa de madeira virou combustível para Antônio continuar pintando

Entre as paredes de madeira o artista consegue forças para continuar carreira, mesmo após a perda irreparável de um filho

Thailla Torres | 16/04/2019 09:04
Casa de madeira é alugada por Antônio há 20 anos. (Foto: Henrique Kawaminami)
Casa de madeira é alugada por Antônio há 20 anos. (Foto: Henrique Kawaminami)

Em uma rua do Santa Fé, uma placa desbotada anuncia “atelier” seguido da oferta de aulas de pintura em tela. Quem passa os olhos depressa fica em dúvida se o local é mesmo uma casinha de madeira entre as mansões de alvenaria na parte mais sofisticada do bairro. Ao dar a volta no quarteirão, a certeza: o lugar não está à venda e nem há indícios de que o dono queira sair dali.

“Eu sonhei com essa casa desde o primeiro dia que a vi. Antes, tinha o meu ateliê ali na esquina, numa casa de alvenaria, mas quando o antigo inquilino saiu daqui, fiz questão de alugar”, diz o simpático e bem-humorado homem que abre o portão, o pintor Antônio Lima, de 61 anos.

Os dois quartos, uma sala, cozinha e um banheiro são alugados por Antônio há 20 anos. Construída há décadas pelo vizinho que mora nos fundos, a construção virou “resistência” no bairro e ponto de parada de curiosos que questionam o que leva alguém manter a estrutura de madeira entre “as casas chiques”, segundo o pintor.

Antônio Lima não abre mão da casinha de madeira que virou combustível para seguir pintando. (Foto: Henrique Kawaminami)
Antônio Lima não abre mão da casinha de madeira que virou combustível para seguir pintando. (Foto: Henrique Kawaminami)

“Todo mundo pergunta. Às vezes, estou pintando e vejo as pessoas tirando foto. É diferente ver a casa simples onde só tem mansão”.

Mas quando se trata das paredes de tábua, o piso avermelhado e a varanda debaixo de um pé gigante de abacate, não há mansão em Campo Grande que faça o pintor mudar de ideia. Aliás, ele não suporta a possibilidade de um ter de sair dali. “Eu brinco que só saio daqui se o dono me expulsar. Essa casa é muito linda, ela também tem uma energia que renova para a pintura, ajuda no processo criativo, acalma”.

Talvez a vida simples da infância e os ensinamentos deixados pelo pai tenham feito Antônio dar tanto valor à casa “humilde” para os padrões do bairro. “Ficar em um ateliê gigantesco? Não. Nunca foi meu interesse. Meu pai me ensinou mesmo é gostar de arte, independente do lugar, aliás, é o ser humano que faz cada ambiente”.

É assim há 40 anos, tempo de carreira do pintor que se dedica às telas com paisagens e natureza de morta que, ainda hoje, colorem muitas cozinha e sala de jantar da cidade. “Minha pintura sempre foi nesse estilo, gosto também de pintar a natureza e um pouco da história da cidade”, diz orgulhoso mostrando um quadro na entrada com o antigo relógio da Rua 14 de Julho.No meio da entrevista, com a voz embargada pela emoção, Antônio revela outro motivo que o faz ficar na casa de madeira pintando todos os dias. “Foi nessa casa que eu encontrei forças quando perdi o meu filho”.

A simpatia de Antônio é convite para voltar quantas vezes quiser à casa. (Foto: Henrique Kawaminami)
A simpatia de Antônio é convite para voltar quantas vezes quiser à casa. (Foto: Henrique Kawaminami)
Obras de Antônio falam muito de MS. (Foto: Henrique Kawaminami)
Obras de Antônio falam muito de MS. (Foto: Henrique Kawaminami)
Pintura é feita todos os dias na casa. (Foto: Henrique Kawaminami)
Pintura é feita todos os dias na casa. (Foto: Henrique Kawaminami)

O menino faleceu após um acidente de moto, no Bairro Iracy Coelho, durante uma madrugada. Chegou a ficar 20 dias internado na Santa Casa de Campo Grande, teve alta, mas passou mal e precisou ser hospitalizado novamente, mas não resistiu. “Sem a arte, não sei como eu estaria hoje. Porque não há um dia que eu deixe de lembrar do meu filho. A saudade não acaba”.

O conforto vem das telas, dos alunos que não desistem de aprender com Antônio e da casa que virou combustível para continuar ensinando. “O clima daqui é diferente que tem vizinho que aparece de tarde só para aproveitar um pouquinho dessa sombra”.

E não é que nesse momento uma amiga aparece de surpresa? Antônio recepciona com a mesma simpatia e ela diz que prefere não atrapalhar. “Só vim tomar um café, apareço com mais calma outra hora”, diz deixando a casa sorridente, como quem está acostumada com a calmaria do lugar.

“É assim, desse jeito que você está vendo. O ateliê está sempre aberto para os amigos, para os artistas ou para quem só quer um dedo de prosa”.

Até quando vai continuar ensinando? Antônio não sabe, mas deixa claro que há inúmeras telas à venda e, por enquanto, a agenda de aulas de pintura está aberta, basta ligar no (67) 99128-1280.

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Placa com telefones desbotados exibem o desejo de continuar ensinando. (Foto: Henrique Kawaminami)
Placa com telefones desbotados exibem o desejo de continuar ensinando. (Foto: Henrique Kawaminami)
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