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Arquitetura

Passeio em cemitério revelou mais que o medo dos anjos e mausoléus

O Lado B mergulhou no simbolismo dos túmulos para mostrar que eles ainda têm história para contar

Por Natália Olliver | 01/09/2025 06:20
Passeio em cemitério revelou mais que o medo dos anjos e mausoléus
Em cemitério antigo, arquitetura fala "por" anjos, mausoléus e mármore (Foto: Henrique Kawaminami)

Quem detesta ou tem medo de ir a cemitérios tão antigos como o Santo Antônio dessa vez perdeu um passeio interessante e pra lá de imersivo. O Lado B  participou do tour realizado pelo projeto Jornada do Patrimônio e ouviu em detalhes como a arquitetura presente nos túmulos guarda memórias, muito mais que isso, carregam o tempo. Mergulhados no simbolismo dos anjos,  mausoléus e construções, a ideia é mostrar que, apesar do descaso, as lápides ainda têm histórias para contar.

RESUMO

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O cemitério Santo Antônio, em Campo Grande, guarda histórias que vão além dos anjos, mausoléus e mármore. Um tour promovido pelo projeto Jornada do Patrimônio revelou detalhes da arquitetura dos túmulos, mostrando como a arte funerária reflete a história e a memória da cidade. O mármore de Carrara, por exemplo, sinalizava o poder econômico das famílias, enquanto anjos esculpidos carregavam simbolismos como despedida, proteção e luto. A localização dos jazigos também denotava a hierarquia social, com as famílias mais ricas próximas ao centro. Com o tempo, o mármore foi substituído por pedra e argamassa, e os túmulos ganharam um estilo mais simples. Mausoléus imponentes, como os das famílias Sebastião de Lima Nogueira e Oliveira Lima, ainda testemunham o requinte de outra época. Lápides curiosas, como a "Gruta" e um túmulo sem identificação, com o corpo sepultado de frente para o nascer do sol, adicionam mistério ao local. O projeto busca aproximar a comunidade do patrimônio histórico, incentivando sua preservação.

Bastou uma visita atenta para perceber o universo que existe ali. O tour propõe exatamente um novo olhar sobre o cemitério. Quem anda por lá sem curiosidade perde a chance de conhecer um dos mármores mais caros das décadas passadas: Carrara, um tipo de pedra branca muito famosa, extraída na região de Carrara, na Toscana, Itália. No Santo Antônio, alguns túmulos são feitos dele.

Lilsson Souza, responsável pelo cemitério há 4 anos, conta que apenas os mais ricos tinham condições de usar esse tipo de material para homenagear os entes queridos mortos. As urnas eram enfeitadas com esculturas em mármore, muitas delas com anjos. Usar o material era sinal de que ali se deixava uma pessoa realmente importante.

Passeio em cemitério revelou mais que o medo dos anjos e mausoléus
Passeio em cemitério revelou mais que o medo dos anjos e mausoléus
Lilsson fez tour pelo Cemitério Santo Antônio para mostrar arquitetura (Foto: Henrique Kawaminami)

“O túmulo relembra o poder econômico de cada família. O mármore Carrara tem dois tipos, o C e o CD. O último é o mais caro por conta da cor branca. Os que estão no cemitério são brancos, eles não escurecem totalmente. Na época, o valor disso era imenso. Esse material cruzou o oceano para chegar aqui e primeiro chegou em São Paulo, em Campinas. As peças vinham em carro de boi. Depois se popularizam as esculturas em bronze no pós-2ª Guerra porque o mármore ficou mais caro, inviável".

A pedra branca que um dia foi sinônimo de riqueza acabou sendo deixada de lado; os artistas começaram a trabalhar com bronze, metal e ferro. Porém, as esculturas e túmulos ainda estão no cemitério para contar a história. Em um deles há a frase: “Saudades eternas, de seu desolado esposo”. A homenagem foi feita pelo marido de Maria F. Vasconcelos, falecida em 1937.

Anjos aparecem em vários túmulos, muitos feitos de mármore, outros até de pedra. O simbolismo deles é diverso. Os que carregam flores são anjos da despedida, lançando as plantas em memória dos que partiram; já sem nada nas mãos são anjos protetores; os que aparecem aos pares simbolizam irmãos em vida e morte; os solitários, crianças que partiram; já aqueles com alimentos nas mãos, mulheres. Alguns são feitos em posição de súplica aos céus. As explicações dependem da crença das famílias.

Passeio em cemitério revelou mais que o medo dos anjos e mausoléus
Passeio em cemitério revelou mais que o medo dos anjos e mausoléus
Mausoléus eram simbolos de poder aquisitivo (Foto: Henrique Kawaminami)

“O cemitério representa a cidade: tem as áreas mais nobres e a periferia. Na entrada é o túmulo de famílias mais abastadas, e as avenidas também, pela proximidade com o centro e o cruzeiro. As famílias que tinham menos condições ficavam com os mais longes, o que a gente chama de parte alta”, explica o gestor sobre a localização dos jazigos.

O tour percorreu 20 pontos do cemitério, entre um passo e outro os túmulos pré-moldados. Se antes a estética era o mármore, nesse ponto a arquitetura mudou e agora o novo jeito de sepultar era com pedra e esculturas em argamassa.

Além dos túmulos convencionais e cheios de esculturas, os famosos mausoléus compõem o cenário. No cemitério há dois grandes desses, sendo um da família Sebastião de Lima Nogueira e outro dos Oliveira Lima; os dois ficam de frente para o outro e são do mesmo estilo.

Passeio em cemitério revelou mais que o medo dos anjos e mausoléus
Passeio em cemitério revelou mais que o medo dos anjos e mausoléus
Túmulos feitos de pedra e esculturas de armagassa ganharam espaço (Foto: Henrique Kawaminami)

“Geralmente vai o nome do patriarca. Não se faz mais isso hoje. É nítido que pertence a uma época mais rebuscada, mas apresenta estilo neogótico, com detalhes mais modernizados para a época. Mostra ogivas em estilo gótico, o frontão, ou seja, a parte superior com linha reta e curvas com cruz. As colunas dão imponência para a construção, feita de granilite com granito. A obra é eclética”, diz.

Quase no final da tarde é possível ver a diferença entre a estética do passado e a não tão distante. Com o tempo, a forma clássica ficou para trás e o estilo era mais limpo, com linhas retas e simplicidade ganhram peso. As figuras religiosas foram desaparecendo até se transformarem em placas. O Campo Grande News fez uma reportagem sobre o assunto. Clique aqui para ler.

Durante o tour, Lilsson conta curiosidades, como, por exemplo, o porquê de o túmulo de José Antônio Pereira não ter a ponta. Feito em forma de pirâmide, igual ao monumento Obelisco, a escultura que enfeita a lápide simboliza o céu e a terra. “Veio de inspiração egípcia. Sem a ponta, significa que uma vida proeminente se perdeu”, comenta.

Por último, e nem menos importante, as construções em pedras. O túmulo chamado de "Gruta" guarda mistérios que Lilsson já ouviu nesses anos de trabalho. Com mais de 2 metros de altura, a lápide é ponto de encontro para quem busca milagres, segundo o gestor.

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Passeio em cemitério revelou mais que o medo dos anjos e mausoléus
Mudança na construção dos túmulos ao longo dos anos (Foto: Henrique Kawaminami)

“É do mesmo artista que fez as pedras e a Praça Ary Coelho. Tinha uma fonte de onde saía água, mas descobriram e estragaram. Diziam que era milagrosa porque tem Nossa Senhora. Tem gente que fala que, de vez em quando, sai água”.

Outro mistério é um dos túmulos mais antigos do cemitério, que ninguém faz ideia de quem seja. Nos livros de registros não aparece nenhum nome no lote. Nele há uma peculiaridade: o corpo da pessoa foi sepultado com a cabeça para o lado onde o sol nasce.

"É o único assim. Também temos lápides com guirlandas. Na Grécia, durante os jogos, os guerreiros eram coroados com elas. Por aqui, elas simbolizam a vitória da vida sobre a morte. Mesmo que a pessoa tenha falecido, ela venceu também”, diz Lilsson.

As visitas guiadas aos cemitérios têm acontecido desde maio deste ano, sempre com tema diferente. A ideia é trazer a população para conhecer a história. "A gente quer que outras gerações conheçam. Só conseguimos preservar se a comunidade se importa".

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