Projeto quer dar status de museu ao cemitério mais antigo de Capital
Único na Semana Nacional de Museus, Cemitério Santo Antônio revela arquitetura e 150 anos de história

Entre jazigos, esculturas e lápides do século passado, o Cemitério Santo Antônio guarda parte da história de Campo Grande. É na Avenida Consolação que a memória e a arquitetura se encontram sob a sombra silenciosa do único cemitério da cidade a participar da 23ª Semana Nacional de Museus. Pela primeira vez no evento, o objetivo é mostrar que cemitérios não são lugares de esquecimento e que, assim como qualquer museu, merecem ser valorizados e vistos com um olhar mais cuidadoso.
RESUMO
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O Cemitério Santo Antônio, em Campo Grande, participou pela primeira vez da 23ª Semana Nacional de Museus, destacando-se como um espaço de memória e cultura. Fundado no início do século XX, o cemitério abriga túmulos históricos e personalidades que marcaram a história da cidade. Com atividades como palestras, visitas guiadas e exposições, o projeto busca conscientizar a comunidade sobre a importância de preservar esse patrimônio. A iniciativa também inclui o uso de QR Codes em túmulos históricos, que direcionam para histórias contadas no Instagram, reforçando o valor cultural do local.
Mais antigo da cidade, o Cemitério Santo Antônio foi fundado primeiro na região da Praça Ary Coelho, no início do século XX. Entre 1888 e 1913, foi transferido para o endereço onde hoje funciona a Casa da Indústria, na Av. Afonso Pena, 1206. Por fim, em 1914, chegou ao Bairro Vila Santa Dorotheia. Essas e outras informações constam em um banner dos 150 anos do cemitério, junto com fotos, logo na entrada pela avenida.
Servidor da Prefeitura de Campo Grande e encarregado do cemitério, Lilsson Souza é uma das pessoas à frente da inserção do lugar na 23ª Semana Nacional de Museus, que no ano de 2025 traz como tema “O Futuro dos Museus em Comunidades em Rápida Transformação”. A semana é uma temporada cultural coordenada pelo Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), aberta à participação de museus, instituições de memória, espaços e centros culturais brasileiros.
O geógrafo explica que desenvolveu o projeto inicialmente no mestrado em antropologia social e, depois, surgiu a oportunidade de inscrevê-lo em abril deste ano na chamada do instituto.
É um projeto justamente para fomentar a importância do cemitério como história, cultura, memória, as personalidades, os túmulos históricos que contam a história da arquitetura, da simbologia, de tudo que tem dentro desse contexto”, destaca.
O primeiro passo para fazer esse trabalho de conscientização na comunidade foi dado em maio, com apoio da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, da gerência dos cemitérios públicos da Capital e também com o envolvimento de proprietários de jazigos e familiares.
Em maio, o cemitério serviu de ponto de encontro para primeira a atividade intitulada “Cemitério como Patrimônio Cultural”, onde a palestra deu sequência a uma visita guiada pelo lugar. A programação segue pelo restante do ano, permeada por palestras, oficinas e exposições. Em julho, é a vez da palestra “Raízes e Memórias: Legados dos Imigrantes Japoneses e a Formação Sociocultural e Econômica de Campo Grande”. A ação será realizada no sábado (12), das 15h às 17h, de forma presencial na capela do cemitério.
Nesse meio tempo, ocorreu a criação do coletivo “Guardiões da Memória CG”. Por meio dele, as ações da 23ª Semana Nacional de Museus vêm acontecendo. Um ponto positivo da ação, segundo o servidor, é ver diferentes gerações com as atenções voltadas para o cemitério.
“É um projeto que está nascendo e é bonito ver a participação. Ele une gerações, porque a gente tem arquiteto, advogado, empresário, todos com vínculo com o cemitério. Então, estamos unindo gerações em torno de valorizar o cemitério”, completa.
Lilsson também cita uma das ideias que surgiram neste ano e já saíram do papel. “Tem a questão do uso de tecnologia simples, que é a colocação de QR Codes em túmulos históricos. O QR Code leva para o Instagram, onde essas histórias são contadas”, explica.
São histórias de personalidades importantes de Campo Grande, como a atriz Glauce Rocha, a artista visual Lídia Baís, o precursor do chamamé Zé Corrêa, entre outros.
Preservar a memória – Gerente dos cemitérios públicos da cidade, Denise Lima de Oliveira destaca que o Santo Antônio guarda túmulos que datam de 1914.
Se for analisar, ele representa totalmente a sociedade da época, na arquitetura e nos detalhes”, explica.

Ela reforça que a maior preocupação não é apenas com a estrutura, mas com a memória preservada em cada espaço. “Essa é a nossa visão, de tentar resgatar o que a gente guarda aqui. Nessas visitas guiadas isso é muito legal, porque você vai resgatando as memórias de uma cidade que foi se desenvolvendo aos poucos, e você consegue acompanhar, em cada visita e em cada túmulo, o desenvolvimento de Campo Grande”, frisa.
Mas, ao valorizar a história que o cemitério guarda e fomentar a educação patrimonial na comunidade, Lilsson explica que é possível fortalecer o sentimento de pertencimento. Com isso, casos de abandono de jazigos, placas e túmulos podem deixar de ser uma realidade no futuro.
São 15 mil lotes que formam o cenário onde estão enterradas personalidades que contribuíram para a formação da cidade e do Estado, como José Antônio Pereira, Ary Coelho, Manoel da Costa Lima, Coronel Antonino e muitos outros.
No Cemitério Santo Antônio é possível vislumbrar incontáveis histórias. Em uma das quadras, estão seis túmulos, todos datados de 1945, de vítimas de um incêndio que atingiu a Base Aérea. Em outra parte do terreno, chamam atenção os túmulos coloridos da família Higa. Os tons vibrantes contrastam de forma curiosa com os acinzentados e o mármore de outros jazigos ao redor.
Esses túmulos coloridos são pintados anualmente, segundo Lilsson, sempre em uma cor diferente da anterior. O costume é tão presente que os familiares de uma mulher, que não tinha nenhuma relação com a família japonesa, decidiram pintar seu túmulo em um tom rosa-choque, onde o único detalhe preto é a cruz posicionada acima.
Outra curiosidade revelada durante a visita guiada pelo geógrafo é como o cemitério é capaz de representar a diversidade de religiões. “O cemitério é uma representação bem fiel do estado laico. Todas as religiões são representadas. Você tem as missas de segunda-feira, o pessoal das matrizes africanas que vem, os espíritas, budistas, maçonaria”, completa.
Enquanto alguns jazigos, placas e túmulos são um retrato fiel de cuidado, seja pela limpeza ou pelas flores frescas deixadas ali, outros revelam os danos causados pelo abandono.
Ainda no âmbito da história da cidade, Lilsson mostra um monumento que serve de referência para ilustrar a passagem do tempo e uma era de Campo Grande que não volta. Datado de 1929, o túmulo de El Joseu Zambelli é um dos mais antigos do Cemitério Santo Antônio. Para além da própria arquitetura, com uma estrutura vertical de pedra que se afina em direção ao topo, onde repousa uma cruz, a placa revela a linguagem da época: “Saudades de seus paes”. A palavra “paes” era utilizada como plural de pai e mãe em períodos passados, antes da consolidação da grafia atual da língua portuguesa.
São essas e outras percepções que o projeto busca provocar. Futuramente, o geógrafo quer incluir escolas, para que as futuras gerações tenham esse olhar, e também universidades, já que o cemitério é um terreno fértil para diferentes possibilidades de pesquisa.

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