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Artes

Martírio é chance de reflexão sobre o povo que luta dentro de um estado genocida

Depois de muitas negociações, o filme "Martírio" estreia no cinema UCI, no Shopping Bosque dos Ipês

Thailla Torres | 10/05/2017 22:30
Antes de começar, o público recebeu com aplausos lideranças que foram protagonistas. (Foto: Thailla Torres)
Antes de começar, o público recebeu com aplausos lideranças que foram protagonistas. (Foto: Thailla Torres)

São oito etnias no Estado. Temos a segunda maior população indígena do Brasil. O sentimento de orgulho, porém, divide espaço com a tristeza de Mato Grosso do Sul ser o estado com mais casos de violência contra índios no país. A desigualdade de forças envolvidas nos conflitos entre indígenas e proprietários rurais é o que narram as cenas do documentário "Martírio", de Vicent Carelli, exibido de forma gratuita nesta quarta-feira em Campo Grande, no Museu das Culturas Dom Bosco.

De um lado está a população genuinamente brasileira, que antes da colonização já consolidara seu espaço, seus usos e seus costumes no solo sul-mato-grossense, em terras que, por outro lado, hoje fazendeiros ocupam por força de títulos de propriedade cuja validade se discute. Ao longo dos anos, as populações indígenas foram afastadas de seus tekoha - nome dado pelos Guarani-Kaiowá ao lugar a que pertencem - e agora buscam a eles voltar. 

Em sala lotada, mais de 150 pessoas esperavam ansiosas pela exibição em Campo Grande, que estava fora do circuito. Foi graças à pressão da campanha para exibir o filme aqui que ele chega às salas do cinema a partir desta quinta-feira.

Antes de começar, o público recebeu com aplausos lideranças que foram protagonistas, como os Guarani-Kaiowá Damiana, Felipe Kunumi, Ramão e Helena.

O som dos maracás e cantos guaranis marcaram a presença de quem tem a vida dedicada a essa luta.

Nas palavras de um dos organizadores, Messias Basques, a presença dos indígenas foi ainda mais importante. "Talvez não haja nenhuma outra luta no Brasil tão resistente quanto a dos indígenas. Afinal de contas, não é uma luta que começou ontem, mas sim há 517 anos", explica.

Damiana, exemplo da resistência Guarani-Kaiowá em Apyca'í. (Foto: Thailla Torres)
Damiana, exemplo da resistência Guarani-Kaiowá em Apyca'í. (Foto: Thailla Torres)

Messias bem diferencia tolerância de reconhecimento em seu pensar. Não basta que as minorais sejam toleradas, mas, indo além, que sejam reconhecidas, incluídas e respeitadas. "A luta indígena é uma luta que inclui a existência do outro, enquanto o nosso é um discurso de tolerância. Mas tolerar não é acolher. E por isso eu gostaria de dizer que vocês são extremamente bem vindos, sei que não é fácil para quem vive essa luta, mas hoje também é um dia alegre porque vocês vieram aqui prestigiar um filme que vocês são protagonistas e devem ser visto todos".

Com força, fibra, determinação e mais de 70 anos de vida, Damiana é símbolo da resistência Guarani-Kaiowá em Apyca'í, território reivindicado pelos índios na BR-463, em Dourados, e que pertence à fazenda Serrana, terra arrendada para a usina São Fernando, de propriedade de José Carlos Bumlai. Na exibição, a mulher guerreira cita, com imenso vigor na luta pelo seu povo, que não vai desistir nunca. "Apyca'í não é de fazendeiro não. Nessa terra meu pai lutou. Índio tem terra", cita.

Mais de 50 estudantes indígenas estiveram presentes para prestigiar o documentário, entre eles, o Xavante Leosmar Tsuretsu, de 26 anos, acadêmico de Pedagogia que se identificou com a luta de seu povo. "A reflexão é muito interessante, porque a luta é a mesma em qualquer lugar. É assim também de onde eu venho", afirmou.

Com três horas de filme, a história narra o cotidiano de quem sobrevive da esperança em ter suas terras de volta. A cada cena, é impossível não se sentir chocado com a triste realidade enfrentada pelos Guarani-Kaiowá. A grave situação já dura décadas. Ao mesmo tempo, a emoção toma conta ao ver um povo que, mesmo diante da dor e da penúria, luta com ardor e dignidade.

Priscila e Messias deram início as reflexões. (Foto: Thailla Torres)
Priscila e Messias deram início as reflexões. (Foto: Thailla Torres)
Filme tem duração de 3 horas. (Foto: Thailla Torres)
Filme tem duração de 3 horas. (Foto: Thailla Torres)

A obra de Vicent faz jus ao título "Martírio". O filme é um convite único para entender os conflitos entre fazendeiros e indígenas, longe da ótica preconceituosa que insiste em tratar os índios como invasores, ladrões e, até mesmo, assassinos. 

A mestranda em Antropologia Priscila Anzoategui, que faz parte do Coletivo Terra Vermelha, entidade que apoia a luta indígena desde 2012, também acredita que "Martírio" consegue mostrar a realidade dos conflitos indígenas. "Aqui neste Estado que é um Estado genocida, quando eu soube que ia estrear no Brasil e não aqui, eu fiquei indignada e resolvi pressionar para que fosse exibido. Afinal, o filme todo foi rodado em Mato Grosso do Sul, e consegue passar exatamente o significado da luta", afirmou.

Quando o documentário chegou ao fim, Messias, humildemente, pediu desculpas, além de pedir que os presentes não se esquecessem da luta dos Guarani-Kaoiwá"Peço desculpas e também a reflexão de que todos tem o direito de ir embora e viver suas vidas normalmente, mas o que não temos o direito é de esquecer quem são os guarani. Esse filme não nos permite o direito da ignorância e do esquecimento", refletiu.

Depois de muitas negociações, o filme "Martírio" estreia no cinema UCI, no Shopping Bosque dos Ipês, trazendo reflexões sobre a realidade dos que dedicam a vida por seu tekoha. O filme será exibido de 11 a 18 de maio.

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