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Comportamento

A saudade de um juiz que era amado pelos meninos que ele mesmo punia

Paula Maciulevicius | 22/12/2015 06:23
Do juiz que se foi aos 63 anos, meses depois de se aposentar, o que ficaram foram as palavras: "meus meninos". (Foto: Arquivo/Campo Grande News)
Do juiz que se foi aos 63 anos, meses depois de se aposentar, o que ficaram foram as palavras: "meus meninos". (Foto: Arquivo/Campo Grande News)

Os cabelos brancos e os olhos claros que transbordavam sentimento por trás dos óculos. Apesar do cargo "punitivo", o juiz da Vara de Infância e Juventude nunca se referiu aos adolescentes infratores como criminosos. Se sentia, por vezes, pai e até avô. Do juiz que se foi aos 63 anos, meses depois de se aposentar, o que ficaram foram as palavras: "meus meninos", ditas tantas vezes para quem ele mesmo colocou atrás das grades.

"O que ficou de quem partiu?" dedica hoje um espaço ao legado deixado pelo juiz Danilo Burin na magistratura, na família e nos adolescentes. "O Dr. Danilo sempre foi um colega muito amigo e muito querido por todos, o que sobressaía era o lado humano. Ele se preocupava com as pessoas". As primeiras palavras partem do colega, juiz, Wilson Leite Corrêa, que até se emociona na hora de falar.

"Não querendo desmerecer o trabalho dos outros colegas, mas ele se preocupava muito com a parte, no caso os adolescentes, ele era amado por eles. Inclusive os que ele punia, aplicava medidas", explica Wilson.

À frente da Vara de Infância e Juventude por nove anos, Danilo Burin abriu por várias vezes as portas das Uneis, escancarando, com revolta, o modo como os "seus" adolescentes eram tratados. Em 2010, a unidade Dom Bosco chegou a ser interditada por ele. Mas antes, o juiz mostrou aos quatro ventos a total falta de estrutura: os meninos chegaram a tomar banho com a água da privada e as celas, eram tomadas por baratas.

Portas das unidades sempre se abriam: para mostrar carência ou abundância. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)
Portas das unidades sempre se abriam: para mostrar carência ou abundância. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)

"Além de ele fazer essa correção, ele gostava de mostrar para o público externo a dificuldade que é esse meio. Ele agia como pai, tinha essa sensibilidade, por isso era diferente", define Wilson.

Não eram só as coisas ruins que ganhavam notoriedade. Diversas vezes, o próprio juiz ligava de redação em redação convidando jornalistas para conhecerem a realidade "bonita" do trabalho da ressocialização. Como por exemplo, do elo entre as adolescentes internas e as filhas recém nascidas ou até mesmo os bazares de Natal, que por anos ocuparam o Fórum da Capital com a arte dos "meus meninos".

A saudade que o juiz Wilson sente é a mesma que da ponta de lá a delegada Maria de Lourdes Cano, também relata. Por sete anos eles trabalharam juntos. Ela na Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventude e ele na Vara.
"Ele procurava sempre fazer com que se investisse nos adolescentes, dar oportunidade principalmente para aqueles considerados mais problemáticos. Enquanto muitas pessoas fechavam as portas, ele procurava valorizar de todas as formas possíveis", recorda a delegada.
O que ficou do juiz? O que ele era gabinete afora. "Ele não era um juiz de gabinete. Ele ia até as escolas, eventos, era um juiz de porta aberta, que atendia a todos e procurava ouvir, principalmente a família", conta Maria de Lourdes. Além do papel de julgar e condenar, ele também se voltava ao aspecto religioso. Homem de fé, se deixava "pregar" para os adolescentes.

E nas datas "próximas", de fim de ano, é que os entrevistados dizem sentir mais ainda a ausência dele. Talvez pela proximidade também do adeus. Danilo Burin morreu em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, em janeiro de 2012, poucos meses depois de se aposentar, em decorrência de uma parada cardíaca. Anteriormente ele já tinha passado por um infarto.

Juiz  Wilson Leite Corrêa lembra do colega com saudades. (Foto: Fernando Antunes)
Juiz Wilson Leite Corrêa lembra do colega com saudades. (Foto: Fernando Antunes)

Colega e amigo, o juiz Cezar Miozzo conhecia o dentro e fora da casa de Danilo Burin e resume que os valores de família eram empregados nas unidades de internação dos adolescentes. "Ele era um idealista, tinha ideais e era uma pessoa muito conciliadora. Não guardava mágoa de ninguém e era muito simples, de coração enorme". As qualidades saltam aos olhos e à boca do juiz amigo. 

Apegado à esposa, Danilo Burin também gostava de receber as pessoas em casa e não tinha dificuldade alguma em fazer amizades e nem em batizar crianças. Era padrinho de muitas. "Eu o enxergo como uma pessoa que acreditava em mudança. Ele entendia e queria acreditar que poderia mudar a vida desses meninos", diz Cezar Miozzo.

Em janeiro, a viúva do juiz completa quatro anos de saudade. Ao olhar para trás, Marcíria vê uma "programação" que não foi seguida. "Estávamos vivendo o momento de ele se aposentar e iríamos morar em Florianópolis, perto dos filhos, mas ele faleceu antes", conta Marcíria Silva Burin, hoje com 67 anos.

Casados por 30 anos, ao entrar na magistratura é que o casal deixou o Rio Grande do Sul para se aventurar pelo nosso estado. Apesar de não levar "trabalho" para casa, a esposa sabe dizer exatamente como ele dizia. "Ele sempre chamou de 'meus meninos' e tinha um amor imenso por eles".

Danilo se doou e aos olhos da esposa, se despediu da vida depois de fazer tudo o que pode. "Ele já tinha cumprido a missão dele e foi descansar. Ele não curtiu a aposentadoria como a gente imaginava, mas cumpriu a missão dele e foi embora", acredita.

Dr. Danilo, como a gente costumava chamar, se aposentou no final de 2011 e morreu dia 14 de janeiro de 2012. O que ficou, para a esposa, foi saudade. "Ficou tudo de bom, assim é a imagem que tenho do Danilo, de só coisas boas na família, nos amigos. Esse era o Danilo e pronto".

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Juiz falando ao microfone, em uma das inúmeras apresentações de novos projetos. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)
Juiz falando ao microfone, em uma das inúmeras apresentações de novos projetos. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)
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