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Comportamento

Aos 98 anos, mesmo com vista cansada, Gregória vive do crochê que vende no Face

Uma simpatia de pessoa, ela diz que não sabe porque viveu por tanto tempo, mas agradece pelos dias

Thaís Pimenta | 30/10/2018 08:01
Sorriso discreto, olhos pequenos e muita vontade de viver, trabalhando, na calmaria de sua sabedoria. (Foto: Paulo Francis)
Sorriso discreto, olhos pequenos e muita vontade de viver, trabalhando, na calmaria de sua sabedoria. (Foto: Paulo Francis)

Não há quem não se encante com o sorriso de dona Gregória Casa Nova Reverdito. Tímido, aparece vez ou outra, quando ela vai destrinchando a longa história de vida de seus 98 anos. Na tranquilidade de quem tem sabedoria de sobra, segue uma rotina calma dentro de casa, com os crochês, hoje fonte de renda e também companhia desde quando acorda até o momento de ir se deitar.

Com a vista cansada e olhos pequenos, característicos da descendência paraguaia, Gregória tem três grandes caixas cheias das produções feitas todas a mão, dentre tapetes, colchas de solteiro e casal, cachecóis, toucas, chapéis, boinas, ponchos e tudo mais que a criatividade de quem mexeu com isso a vida toda. A venda é feita no Facebook no próprio perfil de Gregória pelo neto Geovanni, que também se dispõe a vender vez ou outra no Centro da cidade.

"Eu estava com mais coisas aqui, mas ele vendeu muito no Centro esses dias, e um outro neto meu que está desempregado também levou umas peças para vender e fez mais de mil reais para mim", conta ela.

Os braços se cansam de levantar os produtos sozinha, mesmo assim ela faz questão de nos mostrar. (Foto: Paulo Francis)
Os braços se cansam de levantar os produtos sozinha, mesmo assim ela faz questão de nos mostrar. (Foto: Paulo Francis)
Tapetes de todos os tipos e tamanhos. (Foto: Paulo Francis)
Tapetes de todos os tipos e tamanhos. (Foto: Paulo Francis)
Colcha para colocar no sofá. (Foto: Paulo Francis)
Colcha para colocar no sofá. (Foto: Paulo Francis)

Gregória agradece por ter aprendido crochê quando mais jovem, com a mãe, porque hoje é o que a mantem feliz. "Imagina se eu não tivesse nada para fazer, ficar aqui esperando a morte chegar, não queria isso pra mim nunca", diz.

Ela não gosta de assistir televisão, diz que faz mal para os olhos. Já não consegue ficar por muito tempo de pé, cozinhando, os braços estão mais fracos do que quando morava na fazenda, fazendo doce de leite caseiro, requeijão e queijo caipira, então é apenas o crochê que serve para ocupar o tempo. 

Mas no passado era prendada que só ela. Aprendeu com uma índia como fazer redes de balanço com tear, quando ainda morava em Aquidauana na fazenda da família com o falecido marido uruguaio, e há pouco tempo ainda conseguia fazer seu tricô com as linhas mais finas. "Hoje a vista não me ajuda e o crochê com a linha mais grossa eu faço até sem ver".

A tataravó de 15 crianças, bisa de muita gente - que nem se lembra quantos bisnetos tem, e avó de 43 netinhos, era tão boa com o artesanato que vinha gente de Bela Vista à fazenda aprender com ela o segredo do ofício. "As pessoas falavam que iam me pagar pra ensinar mas eu sempre dizia que como não paguei para aprender não seria justo cobrar de ninguém. Elas passavam 10 dias, 20 dias, em casa, aprendendo comigo".

Uma das boinas feitas por ela, que se dispõe a ser modelo para o nosso click. (Foto: Paulo Francis)
Uma das boinas feitas por ela, que se dispõe a ser modelo para o nosso click. (Foto: Paulo Francis)

Morando na cidade há quase 40 anos, sente falta do mato no qual nasceu, criou-se e teve os nove filhos, sem contar o décimo filho, adotado. "Meu sonho sempre foi ter 6 filhos homens. Tive 5 me adotei um, meu filho de criação".

De vez em quando, para matar a saudade, ela vai até a chácara na qual mora uma das 4 filhas mulheres, a filha de 80 anos. "Aí lá eu gosto demais de ficar debaixo das árvores, no fresquinho". Por isso, em casa, um grande quintal é avistado nos fundos do terreno. "Ali eu criei galinha por muitos anos mas hoje não dou conta de cuidar nem das plantas e muito menos delas. Vendia os ovos e hoje preciso comprar, mas está bom".

Todas as filhas aprenderam o dotes culinários da mãe, que hoje além de maneirar no preparo das delícias de antes também tem que controlar a quantidade que come por conta de uma diabetes.

Gregória enfrentou antes de vir para cidade uma leucemia, doença que a obrigou a largar a vida mansa no meio do mato tão querido para vir tratar-se no hospital. "Lá em Aquidauana o pessoal estava me tratando de meningite. Eu já tava com meses se tratamento e só piorava. Meu filho de criação mora aqui e meu outros filhos foram lá me trazer pra cá. Não demorou muito para o diagnóstico correto vir e eu melhorei".

A cadeira que foi presente pra si. (foto: Paulo Francis)
A cadeira que foi presente pra si. (foto: Paulo Francis)

Com saúde e disposição de dar inveja em muita gente mais jovem, Gregória se movimenta com dificuldade, a passos lentos, mas sem precisar, por exemplo, de uma bengala.

O segredo da longevidade ela não sabe dizer qual é, mas pontua que come bem e que "é feliz". Nascida em 16 de março de 1920, totalmente lúcida, hoje Gregória aprendeu a fazer mais por si quando ouviu o conselho de um dos netos.

"Ele tinha feito o dinheiro do crochê pra mim, me deu, mas perguntou porque é que eu não gastava esse dinheiro comigo. O dinheiro que eu faço sempre gasto em coisa, em coisa que eu não preciso, vai indo né? Aí ele me levou em uma loja e eu comprei minha cadeira, dessas que deitam. Não me arrependi não", comenta ela sobre o novo móvel que é onde passa parte do dia quando o clima quente da cidade colabora.

Valente como só ela, Gregória é exemplo de simpatia e de calmaria. Com ajuda de uma de suas bisnetas, a mais grudada com ela, telefona para os filhos pelo WhatsApp que moram no Mato Grosso. "Eu não enxergo as letras do tablet então ela me ajuda com aqueles dedinhos fininhos. Eu se enxergasse ia conseguir fazer sozinha, mas faço pouco pela visão de hoje", diz, com o tablet na mão.

Com o mesmo sorriso no rosto ela se despede, agradece a companhia e diz a equipe que "agora já sabem onde vir quando quiserem um crochê". Aos leitores, Geovanni se dispôs a passar o telefone e fazer o meio de campo das vendas (67) 99202-5706.

Tranquila, ela diz que a morte chega quando Deus quiser e agradece mais um dia.

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Gregória mostra o tablet para nossa equipe.  (foto: Pauo Francis)
Gregória mostra o tablet para nossa equipe. (foto: Pauo Francis)
Imagens antigas dela e de sua imensa família. (foto: Paulo Francis)
Imagens antigas dela e de sua imensa família. (foto: Paulo Francis)
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