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Comportamento

Com as mães no hospital, filhos apelam para ter família de volta

Murilo, Guilherme e Gabi são filhos de profissionais que estão na linha de frente e não sabem quando terão a família de volta

Paula Maciulevicius Brasil | 02/04/2020 10:10
Murilo e Guilherme, filhos da enfermeira Adriana e do médico Eduardo. (Foto: Arquivo Pessoal)
Murilo e Guilherme, filhos da enfermeira Adriana e do médico Eduardo. (Foto: Arquivo Pessoal)

Murilo tem 2 anos, e Guilherme, 7. Na foto acima o menorzinho tenta entender o que as letras que ele ainda não lê querem dizer. "Minha mãe é enfermeira e está trabalhando por você. Por favor, fique em casa por mim. Eu preciso dela". O recado do irmão é o mesmo, mas falando do pai, que é médico.

A foto tirada na casa da tia-avó dos meninos chegou trazendo lágrimas para Adriana. Enfermeira há 14 anos, Adriana Miranda Kawano, de 35 anos, está na linha de frente do combate ao coronavírus, e, por conta disso, tomou a decisão de deixar os filhos longe antes que eles tivessem um possível contato com o vírus. "Tomamos essa decisão por segurança deles e de quem vai ficar com eles, que é a minha tia-avó que também entra na classificação de risco. Sem funcionários em casa, a nossa preocupação foi de levar para eles, porque o risco da gente pegar o vírus é muito alto", explica Adriana.

No dia 21 de março, um sábado, ela e o marido médico Eduardo Kawano, de 51 anos, chegaram a um consenso. Murilo, o caçulinha tem comorbidades, já fez cirurgia cardíaca e inclusive tem asma crônica. "Tomamos essa decisão de não vê-los até passar o período do coronavírus. Não é fácil não, vou dizer que chorei muito, mas é pela segurança deles e da família".

Irmãos agora aprontam na casa da tia-avó. (Foto: Arquivo Pessoal)
Irmãos agora aprontam na casa da tia-avó. (Foto: Arquivo Pessoal)

Enquanto está na linha de frente, a Adriana "mãe" inveja as outras famílias. "Infelizmente a gente não tem a opção de ficar em casa. Me dá indignação quando vejo gente reclamando do filho que está em casa e que quer que vá para a escola, porque eu queria ser uma dessas pessoas. Minha vida continuou, estou trabalhando, me expondo e sem meus filhos comigo", desabafa.

"Você se imagina longe dos seus filhos? É pavoroso, e a gente ainda tem que ser forte para poder atender e dar conta da demanda". 

Na cabeça da enfermeira, seria o menorzinho, Murilo, quem iria mais sentir falta. No entanto, o dia a dia tem mostrado o contrário. "O Guilherme, por entender um pouco mais, tem sentido a ausência. Eu sei que lá eles são cuidados com tanto amor e carinho, e explico que a mamãe e o papai estão cuidando das pessoas dodóis", conta.

A família já tinha entrado na rotina de limpeza intensificada logo nos primeiros dias de coronavírus por aqui. A água sanitária era diluída na porta de casa, onde os sapatos eram deixados e todo mundo que chegava da rua ia direto para o banho.

Na noite anterior à ida dos meninos para a tia-avó, os pais falaram para os irmãos que eles seriam "soldados" no combate. "Naquele momento eles iam ser soldados da titia e do titio, que iam cuidar deles enquanto a mamãe e o papai iam cuidar das pessoas que estavam precisando dos nossos cuidados".

Murilo, ao acordar, repete "mamãe, trabaiá, hospital. Papai, trabaiá, hospital", naquela linguagem fofa de quem está aprendendo a juntar palavrinhas aos 2 anos. Já Guilherme, até chegou a dizer que estava doente e que era melhor a mãe voltar para cuidar dele. "Quero ir embora, já acabou o coronavírus", escutou Adriana do mais velho.

"Quando eu mandei eles para lá eu fiquei chorando muito, mas na volta do hospital eu senti tranquilidade no meu coração, tomamos a decisão correta de isolá-los, porque a gente não sabe como vai caminhar", diz.

Vestidinhos de soldados, essa é a última foto que eles têm em família, junto dos tios-avós e da prima que está cuidado dos meninos. (Foto: Arquivo Pessoal)
Vestidinhos de soldados, essa é a última foto que eles têm em família, junto dos tios-avós e da prima que está cuidado dos meninos. (Foto: Arquivo Pessoal)

Porta adentro do hospital, a enfermeira repete para si mesma um mantra, do quanto torce para não ter contato com o vírus. "Nossa cabeça virou um turbilhão, e agora que as coisas começaram. Cheguei a comentar que se algo acontecesse com a gente, o que eu gostaria que fizessem... Que eles sentissem orgulho, são muito pequenos ainda para entender o afastamento, e se Deus quiser não vai acontecer nada, mas eles vão entender que é por amor".

A primeira coisa que ela quer fazer, quando encontrá-los, é encher de beijos e abraços. "O silêncio em casa é horrível, não tem barulho, não tem brinquedo esparramado, não tem ninguém dormindo grudado, mas vai ser temporário e vamos voltar a ficar juntos".

Lado a lado na linha de frente, a técnica em Enfermagem Cíntia Pinho Fernandes, de 32 anos, sabe de cabeça a última vez que abraçou a filha. Foi ao deixá-la na casa da irmã, dia 18 de março.

"É triste, é dolorido, porque a gente fica meio assim, poxa... É meu trabalho, preciso cuidar de vidas, as pessoas precisam de mim, mas eu também tenho família..."

Gabi fazendo o pedido para que as pessoas "fiquem em casa". (Foto: Arquivo Pessoal)
Gabi fazendo o pedido para que as pessoas "fiquem em casa". (Foto: Arquivo Pessoal)

Com a voz embargada pela dor e pela saudade, Cíntia que foi mãe aos 16 anos, não se reconhece sem a filha. "Eu não sei fazer outra coisa a não ser cuidar dela, desde pequenininha. E é muito complicado sair do trabalho, chegar em casa e não ter minha filha".

O pai, de 71 anos, também é outro de quem ela sente saudades. Há duas semanas eles não trocam um abraço. "Meus sobrinhos, a mesma coisa, quando vou ver minha filha, eu a vejo de longe".

Adolescente, Gabriela Fernandes Soares, tem 15 anos, e uma saudade enorme da mãe a ponto de ser difícil de lidar. "Sou muito apegada, eu só tenho ela e, do nada, fui afastada dela e da minha casa", lamenta.

Os olhos compreendem o que está acontecendo ao seu redor, em especial, no comportamento das pessoas. "Eu percebo que ninguém andou levando isso a sério, continuam nas ruas enquanto minha mãe está afastada de mim para cuidar de outras pessoas.

E eu só queria que todo mundo tivesse a consciência de que os enfermeiros e técnicos têm família, que todos se cuidassem para poder amenizar essa situação e eu voltar para minha casa e para minha rotina".

Cíntia e Gabi, mãe e filha que não veem a hora de estarem juntas de novo. (Foto: Arquivo Pessoal)
Cíntia e Gabi, mãe e filha que não veem a hora de estarem juntas de novo. (Foto: Arquivo Pessoal)


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