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Comportamento

De chefe vilão a salário ruim, trabalho hoje dói igual amor nas salas de terapia

Nos consultórios, nunca se falou tanto de trabalho e nunca se sofreu tanto por ele

Por Clayton Neves | 01/05/2025 07:23
De chefe vilão a salário ruim, trabalho hoje dói igual amor nas salas de terapia
Depressão, ansiedade e barnout fora inseridos na lista de doenças relacionadas ao trabalho. (Foto: Juliano Almeida)

Em tempos onde se engrandece a produtividade e pausas viram culpa, o trabalho deixou de ocupar apenas o horário expediente e invadiu os fins de semana, sonhos e as salas de terapia. Nos consultórios, psicólogos e psicanalistas relatam que nunca se falou tanto de trabalho e nunca se sofreu tanto por causa dele.

Com 22 anos de experiência, o psicólogo Tiago Ravanello aponta uma realidade que se repete entre pacientes. “O trabalho é o segundo tema mais recorrente nas sessões de terapia, só perde para as questões amorosas. Nos últimos tempos, essa pauta tem tomado ainda mais espaço por conta de uma série de precarizações”, revela.

E a precarização destacada é profunda, não se limita apenas a questões salariais ou falta de benefícios. O trabalhador não tem tido espaço para desligar do serviço. “Hoje, não basta sair do ambiente físico do trabalho. Ele nos acompanha via WhatsApp, e-mail, redes sociais. Está em todo lugar, todo tempo. O trabalho virou uma condição absoluta”, explica Tiago.

O novo vilão é a cultura da performance 

Se no imaginário coletivo o “chefe tóxico” era a principal fonte de problema, hoje a história é outra. Até quem tem cargo de chefia está compartilhando do caos instalado nas relações de trabalho.

“A figura do chefe sádico, que humilha por prazer, aparece menos. O que escutamos mais são chefias que também estão adoecidas. Pessoas em cargos de liderança tão perdidas quanto os liderados”, conta.

O resultado não poderia ser outro: um ambiente de insegurança, falta de clareza e cobranças que, aos poucos, estão minando a autoestima dos trabalhadores.

De chefe vilão a salário ruim, trabalho hoje dói igual amor nas salas de terapia
Brasil é líder no ranking de depressão, segundo a OMS. (Foto: Henrique Kawaminami)

No dia a dia do consultório, a psicanalista Ceane Vincensi Sandri percebeu um aumento significativo de relatos ligados ao trabalho. Segundo ela, mesmo quando a queixa inicial é outra, o assunto sempre aparece.

“A pressão por alta performance tem adoecido as pessoas. É como se a gente tivesse que ser produtivo o tempo todo, até no lazer. Isso está gerando ansiedade em massa”, analisa.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil é líder no ranking global de ansiedade. E isso tem muito a ver com o que se espera, ou se exige do trabalhador moderno.

“Há uma cobrança social para que a gente tenha mais bens, mais resultados, mais status. Isso gera sobrecarga. As pessoas se veem em jornadas múltiplas e ainda com a sensação de que estão devendo”, diz Ceane.

Quando o trabalho atravessa o corpo - A exigência por desempenho extremo não compromete apenas o emocional. Os sinais também são físicos. Insônia, taquicardia, fadiga, alterações alimentares, crises de pânico.

“Eu tive um caso no consultório uma paciente, já acima dos seus 50 anos, que tinha um cargo muito estressante e isso acarretou em várias questões físicas, inclusive, um tumor. Existem os sintomas menos graves, como uma queda de cabelo, até pessoas que desenvolvem pressão alta, diabetes, insônia e até câncer. Os sinais existem, cabe a nós percebê-los”, afirma a psicanalista Jamile Tannous.

No entanto, de acordo com ela, o modo como lidamos com o trabalho tem mudado com o passar do tempo em um evidente conflito de gerações. “Os baby boomers e a geração X foram ensinados a permanecer no mesmo lugar a vida toda. Já os mais jovens, a geração Z, valorizam qualidade de vida. Eles não querem só salário, querem home office, saúde mental, flexibilidade”, diz.

De chefe vilão a salário ruim, trabalho hoje dói igual amor nas salas de terapia
Nos consultórios de terapia, relação com o trabalho é assunto recorrente. (Foto: Paulo Francis)

Essa diferença de visão, conforme Jamile, impacta diretamente no sofrimento. “Enquanto os mais velhos tendem a aguentar mais calados, até com medo de serem mandados embora caso peçam um afastamento, os mais novos buscam alternativas e trocam de emprego com mais facilidade”, pontua.

Falta de reconhecimento- Outro ponto recorrente nos consultórios é a ausência de reconhecimento. Não apenas o financeiro, embora ele pese muito na hora de pagar os boletos. “A falta de reconhecimento é fonte de sofrimento. É o sentimento de que você se dedica, mas não é visto, não é valorizado. Isso leva à sensação de perda de si, de estar trocando a vida por muito pouco”, relembra Tiago Ravanello.

Apesar do cenário desanimador, nem tudo está perdido. Ambos os especialistas relatam casos de transformação real nas sessões. Gente que mudou de carreira, que aprendeu a dizer “não”, que renegociou sua relação com o trabalho.

“A terapia permite repensar a nossa forma de estar no mundo. Às vezes, isso basta para começar uma mudança”, finaliza Tiago.

Recentemente, o assunto provocou uma mudança sistêmica nas diretrizes de saúde do País. Em novembro de 2023, o Ministério da Saúde incluiu ansiedade, depressão, burnout e tentativa de suicídio na lista de doenças relacionadas ao trabalho.

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