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Comportamento

Foram 8 anos de depressão e várias tentativas até afirmar: "eu sou suicida"

Paula Maciulevicius | 14/08/2015 06:45
Imagem da última quarta-feira, quando uma mulher se jogou do pontilhão da Ceará.  (Foto: Simão Nogueira)
Imagem da última quarta-feira, quando uma mulher se jogou do pontilhão da Ceará. (Foto: Simão Nogueira)

"Eu sou suicida". A frase saiu na igreja, no meio do culto, quando o pastor perguntou qual mal a atormentava. Foram oito anos e meio de depressão e inúmeras tentativas de tirar a própria vida. Desde que os casos de suicídio passaram a ser notícia em Campo Grande e, cada vez com mais frequência, volta à mente de Rose duas coisas: o mal que ela também sentiu e o sentimento de que poderia ter ajudado.

"Não causa o mal que já causou antes, mas me lembra e você vê que já superou. Só me dá a sensação de que eu podia ter feito alguma coisa..."

Rosemarly Marques Silva Souza é funcionária pública, tem 36 anos. Tem filhos, marido, pais e uma família que passou anos sendo vigia 24h por dia. Porque em todas as vezes que ela tinha oportunidade, tentava acabar com o que já estava lhe consumindo por dentro. "A vida se torna uma tristeza, um sofrimento sem fim. Foi assim cheguei num ponto que eu falei 'não quero mais viver'."

As mãos que tanto tentaram tirar a própria vida, hoje contam uma nova história. (Foto: Fernando Antunes)
As mãos que tanto tentaram tirar a própria vida, hoje contam uma nova história. (Foto: Fernando Antunes)

Com o peso da depressão, ela conta que carregava um histórico desde os 17 anos. A primeira tentativa foi na adolescência, diante da separação dos pais, por medicamentos. À época, ela não contou a ninguém o que havia feito, passou por avaliações, "mascarou" o sentimento e seguiu a vida. Mais tarde, o problema voltou.

"Aí as pessoas perguntam como é que você chega nesse ponto? Eu acredito que são as questões internas não resolvidas ao longo da vida e chega um momento que, de repente, você passa a não suportar mais. Olha ao redor e é como se nada bastasse".

Rose conta que numa tarde, depois de chegar do trabalho, é que começou a pensar na morte, mais ou menos no início de 2000. A partir de então, nunca mais parou durante oito anos e tudo o que fazia era querer morrer. "Eu tentei em todas as oportunidades que tive, foram mais de 50 tentativas e de todas as formas: faca, medicação, enforcamento, me jogar da janela, do carro em movimento, na frente de carro..." Ao mesmo tempo, a família lutava com médicos, remédios e internações.

Em dezembro de 2007, quando ficou em coma, os familiares foram chamados e receberam uma espécie de ultimato. Pela Medicina poucas eram as chances, restava a fé. Ela sobreviveu e foi levada para o que mais temia: sessões de eletroconvulsão. "Eu tinha medo de chegar a essa ponto, resistia... Até hoje me dá arrepios de lembrar..."

Rose sobreviveu, mas quando vê quem não conseguiu, sente que poderia ter feito algo. (Foto: Fernando Antunes)
Rose sobreviveu, mas quando vê quem não conseguiu, sente que poderia ter feito algo. (Foto: Fernando Antunes)

A Rose antes da depressão pesava 58 quilos, os oito anos de doença a fizeram chegar aos 140. A última tentativa lhe deixou sequelas, a principal delas era a dificuldade de respirar por conta do pulmão, prejudicado pela medida que tomou.

Em junho do ano seguinte, a família a "carregou", à contragosto dela, para a igreja. "No culto, o pastor pediu que quem tivesse problemas de saúde que levantasse... E agora? O que eu ia falar? Eu disse 'sou suicida'". Foi a primeira vez que Rose fez a afirmação em voz alta. Era o resumo de tantos anos de depressão e de tantos comprimidos tomados diariamente.

Do outro lado, ouviu que aquilo era coisa do "capeta". "Eu fiquei muito brava, falei que ele não sabia o que estava dizendo, o que estava dentro de mim..." O mesmo pastor foi até a casa dela dois depois. A compaixão dele a abriu os olhos e o coração.

Lado B não está sugerindo fé, Deus, ou religião como o caminho. Mas o relato dela dá conta de que foi através da oração, que ela passou a ver as cores que antes não via. "Eu passei a enxergar o verde das árvores, que antes não tinha cor. A vida para mim era cinza, preto, eu até me vestia assim... Foi ali a oportunidade que eu me dei".

Rose diz que as frustrações de não ter conseguido tirar a própria vida ficaram no passado. "É uma frustração, porque você tenta, tenta, tenta e não tem êxito. Mas vi que a gente tem um propósito na vida e que não era a minha vez de ir..." 

A "retomada" da vida não foi fácil. Rose conta que foi pelo menos um ano para ter como companhia quem era apenas vigilante. Retomar a vida de mãe, filha e mulher levou tempo

"A gente acha que assim, com o suicídio vai se livrar dos problemas e deixar as pessoas livres, mas na verdade a gente está sendo egoísta, mas só vê isso depois", reflete. 

Rose faz acompanhamentos médicos até hoje. Fala da igreja como grupo de apoio e da fé que a moveu a ter força de vontade. "Não é para todo mundo, para alguns, a fé basta. Para mim, bastou".

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