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Comportamento

Formado em meio a guerra, engenheiro sírio dirige o dia todo para resgatar pais

Houssam Nour vive em Campo Grande com a esposa e uma filha, mas o restante da família passa por dificuldades

Danielle Valentim | 25/05/2019 08:41
Houssam Nour e o pai Bassam, ainda na Síria. (Foto: Arquivo pessoal)
Houssam Nour e o pai Bassam, ainda na Síria. (Foto: Arquivo pessoal)

Com um português invejado por muito imigrante, o sírio Houssam Nour Aldeen, de 28 anos, é formado em Engenharia Civil, mas ganha a vida em Campo Grande como motorista de aplicativo. Depois de conquistar o diploma em meio a bombardeios e perda de amigos, hoje vive o dilema para trazer o restante da família que ficou e sofre os reflexos da guerra que já dura oito anos.

A Síria enfrenta uma guerra civil desde março de 2011, o que já destruiu a infraestrutura do país e gerou uma crise humanitária. Desde, então, milhões de sírios já deixaram o País.

Houssam acaba de completar quatro anos no Brasil, três deles em Campo Grande. Chegou a São Paulo na companhia da esposa grávida de seis meses, no dia 21 de março de 2015, onde permaneceram cinco meses. Na Capital paulista gastaram todo o dinheiro economizado na Síria, pois não conseguiram colocação no mercado de trabalho. “Lá, encontramos um grupo, entre os integrantes um sírio que nos prometeu emprego em Campo Grande. Viemos e aqui conseguimos uma casa no Centro onde moramos por um ano livres do aluguel”, disse.

Nesse intervalo, a esposa ficou doente e precisou voltar à Síria para um tratamento onde ficou cerca de um ano até retornar com a filha. Houssam finalmente conseguiu um emprego de auxiliar em sua área, permaneceu na empresa por dois anos e nove meses. Para conseguir trazer o restante da família chegou a pedir para ser demitido e com o dinheiro da rescisão tentou montar um restaurante. Mas o dinheiro não foi suficiente e hoje ele trabalha como motorista.

O sírio se diz arrependido de ter pedido para sair da última empresa e o objetivo agora é conseguir um emprego fixo e complementar a renda com as corridas por aplicativo. “Outras vagas de emprego oferecem um salário mínimo. Vi que o antigo salário não era ruim”, pontua.

Bilhete colado no carro. (Foto: Arquivo Pessoal)
Bilhete colado no carro. (Foto: Arquivo Pessoal)

A guerra - Houssam conta que a guerra começou em 2011 e ele se formou em 2014, na Universidade de Damasco, ou seja, resistiu a maior parte dos estudos em meio a bombardeios, sangue e despedida de muitos amigos. Ele admite que até pouco tempo não falava sobre o que passou, pois ainda o machucava muito, mas nos últimos seis meses decidiu expor toda a sua vida por ver o sofrimento de quem ainda está vivendo na guerra, no caso, seus pais e dois irmãos mais novos.

Houssam e a esposa formaram praticamente juntos, Dima Mely seis meses antes em arquitetura. No último ano de faculdade a situação se complicou, afinal o conflito estava no auge. O sírio lembra que apenas 20% dos matriculados frequentava as aulas. Ele conta que o clima estava tão assustador, que nem todos os carros se arriscavam a passar pelas ruas e na companhia de colegas atravessavam trechos a pé, muitas vezes por pessoas feridas ou corpos.

“Eu queria deixar a Síria em busca de paz, mas queria sair com meu diploma. Então aguentei firme, mesmo com a minha mãe pedindo para eu desistir, já que não sabia que seu voltaria para casa. Lembro-me de que um dos bombardeios atingiu o refeitório do curso de arquitetura, por sorte minha esposa não tinha aula aquele dia. Eu já estava na sala de aula quando ouvi a explosão. Em meio à correria tentei ajudar, 21 estudantes morreram, muitos amigos. Ficamos tão em choque que nem percebemos a roupa tomada por sangue”, disse.

Houssam e sua mãe. (Foto: Arquivo Pessoal)
Houssam e sua mãe. (Foto: Arquivo Pessoal)
Irmãos de Houssam. (Foto: Arquivo Pessoal)
Irmãos de Houssam. (Foto: Arquivo Pessoal)

Por que o Brasil? - Houssam e a esposa se casaram quatro meses após a formatura e desde então passaram a buscar países para viver. A intenção sempre foi um país de língua inglesa. No entanto, devido aos conflitos, o visto foi recusado por diversos lugares. Com a notícia de que o Brasil recebia muitos imigrantes, eles decidiram o destino.

O casal chegou ao Brasil sem falar uma só palavra em português. O sírio tem um leve sotaque, mas o impressionante é que aprendeu tudo em casa, sem nenhum curso.

“Eu falo muito bem português com muita honra porque nunca fiz aula. Eu cheguei aqui eu só sabia contar de 1 a 10. Procurei os verbos e como conjugá-los e formar frases. Sofri muito para chegar a esse nível. Estou aprendendo até hoje, mas o sofrimento mesmo ficou nos primeiros 7 ou 8 primeiros meses. Minha esposa é mais inteligente que eu, mas como ele retornou à Síria e só voltou agora fala menos”, conta.

O restante da família ficou na cidade de Sweida, mas há seis a situação se agravou. Houssam frisa que a guerra não é formada apenas por bombas, mas por reflexos dolorosos, como a escassez, inflação nas alturas e muitos crimes nas ruas.

O pai de Houssam se chama Bassam. Ele é professor de geografia aposentado e sustenta a família com um valor equivalente a R$ 300. A mãe Lina Albani de 50 anos é dona de casa, pois teve de adiar o sonho de ser professora. Ele também tem dois irmãos, um jovem de 19 anos que cursa Medicina e uma jovem de 23 anos, que está no último ano de Farmácia.

Houssam ressalta que sempre teve uma vida normal e não trabalhava na juventude, pois os pais queriam que ele e os irmão estudassem. O problema é que a guerra devastou o país e tudo está 15 vezes mais caro, por exemplo, o mate que brasileiros também consomem.

“O quilo da erva que era vendido a R$ 10, por exemplo, hoje custa 15 vezes mais. O dinheiro da aposentadoria do meu pai dá para dois dias. Ele não consegue comprar carne para o mês todo. Eu falo de tudo isso com muita tristeza. Meu pai está abalado e me ligou pedindo ajuda. Estou muito preocupado. A gente pede emprego e não consegue. Então enquanto dirijo decidi pôr a plaquinha, a cada R$ 1 a mais do passageiro, pode ajudar trazê-los para cá”, conta.

Alto custo – Em princípio, viria apenas o pai de Houssam para trabalhar e ajudar a arrecadar o dinheiro, que fica cerca de R$ 7,5 mil por pessoa. Como tudo está fechado na Síria, à família precisa viajar de Sweida na Síria até Beirute que é a Capital do Líbano, mais de 400 quilômetros com ida e volta.

Na embaixada de Beirute é feito o pagamento da taxa do visto, no valor de 120 dólares e se for aceito eles entram em contato. Só depois de tudo aceito é feito a compra das passagens.

O sírio sente saudades de casa, mas não pretende voltar. A esposa também conseguiu um emprego de meio período. O casal tem muita esperança de conseguir reunir toda a família novamente.

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