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Comportamento

Grávida, Priscila entra na justiça para o marido poder ver a 1ª filha nascer

Ela quer assegurar o direito do acompanhante para que possa se sentir segura e mais confortável quando Cecília chegar ao mundo

Alana Portela | 15/04/2020 07:35
Priscila Barros com o marido Joel Feitoza. (Foto: Arquivo pessoal)
Priscila Barros com o marido Joel Feitoza. (Foto: Arquivo pessoal)

Para fazer com que o marido, Joel Feitoza, tenha o direito de acompanhar o nascimento da filha, Priscila Barros resolveu entrar com uma ação na justiça. O parto está previsto para o dia 23 de abril, na Maternidade Cândido Mariano, onde agora é proibida a entrada de acompanhante por conta da epidemia do coronavírus.

Os dois pontos de vista exigem cuidados, já que por um lado existe um vírus e de outro uma mãe, e uma filha que está nascendo, e precisam de apoio do pai para dar início a essa nova fase. É preciso ter sensibilidade e entender que é um momento único, que pode ficar marcado pela felicidade ou por um trauma, dependendo da situação.

Priscila é maquiadora, completa 39 semanas no dia 15 deste mês e está ansiosa para ver a família aumentar. É a primeira filha do casal, vai se chamar Cecília, e vem com a missão de transbordar o coração desses papais de amor e encher a casa de alegria. “Aqui, as três malas já estão prontas. A dela, a minha e outra do meu marido”, conta.

Seu parto é pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e será realizado por um obstetra plantonista, que ela ainda não sabe quem é. Isso assusta porque não existe um diálogo para explicar como tudo vai ocorrer, e nem falar dos métodos de trabalho.

Priscila segurando o sapatinho de Cecília na barriga. (Foto: Arquivo pessoal)
Priscila segurando o sapatinho de Cecília na barriga. (Foto: Arquivo pessoal)

Ela conta que no início, queria ter o acompanhamento de uma doula. “Mas, a maternidade divulgou uma nota proibindo a entrada de doula e de fotógrafos, por isso desisti da ideia. Mais ou menos uma semana depois, saiu outra nota falando que acompanhantes no centro cirúrgico, para a mães que fariam cesárea, também estavam proibidos. Após isso, proibiram em todos os partos”.

A situação deixou a futura mamãe revoltada, já que essa será sua primeira experiência de parto e ficará marcada para sempre. “É angustiante pensar no parto sem meu marido do meu lado. Estava muito tranquila, me preparei a gestação toda para o parto normal com ele ao meu lado”.

Contudo, agora a ansiedade e medo tomam conta. “Tenho medo de tudo que possa acontecer na sala de parto sem ele por perto. Tenho medo dos médicos fazerem o procedimento que não quero, como episiotomia ou colocar ocitocina sintética. Ou até me induzirem para uma cesariana desnecessária por ser bem mais rápida que o parto normal”, diz.

Isso porque, infelizmente, ainda existe violência obstétrica e essas são algumas das histórias que as mães de primeira viagem ouvem com muita frequência. “Ouvi isso num grupo de mães”, fala Priscila. “Ainda é muito comum a violência obstétrica”, completa.

E não é apenas isso que aflige o coração desta mãe. Tem também a questão do apoio emocional que vai receber do marido. Isso vai ajudá-la a manter a calma e ter um bom parto. É um momento que a gestante está mais sensível e vulnerável, por isso os cuidados também devem ser redobrados para que não atrapalhe o pós-parto e nem afete de forma negativa sua vida.

Pensando em várias hipóteses que podem acontecer, ela decidiu entrar com a ação na justiça. “Meu irmão é advogado e está cuidando disso. A instrução é entrar com uma ação de obrigação de fazer. Preferi deixar isso para agora porque a determinação tem validade de 15 dias. Se fizesse antes, poderia expirar. Devo ter um retorno em torno de três a quatro dias”.

Enquanto isso, Priscila apela para a fé e se prepara para o parto com a possibilidade do sim e do não. “Apesar de toda a revolta, estou tentando me manter tranquila e entreguei nas mãos de Deus. Caso não consiga o direito de ter o marido do meu lado, tenho pedido à Nossa Senhora preparar uma boa equipe médica e que ocorra tudo bem. Não tem muito mais o que possa ser feito, então estou confiando na providencia de Deus”.

Priscila mostra o barrigão de grávida e conta que aguarda a chegada da primeira filha. (Foto: Arquivo pessoal)
Priscila mostra o barrigão de grávida e conta que aguarda a chegada da primeira filha. (Foto: Arquivo pessoal)

Direito por lei – Ter um acompanhante na hora do pré-parto, parto, pós-parto é um direito da gestante e está prevista na Lei Federal nº 11.108, de 07 de abril de 2005 e na Lei Estadual nº 5217, de 26 de junho 2018. Contudo, desde 23 de março deste ano, a presença do acompanhante na sala de parto ou centro cirúrgico passou a ser proibida na Maternidade Cândido Mariano.

O Lado B entrou em contato com a maternidade para saber mais informações sobre o motivo da proibição. A diretora técnica do hospital, médica Cláudia Lang fala que as medidas adotadas pelo local são para garantir a segurança tanto dos pacientes quanto dos profissionais, acompanhantes e visitantes.

“No contexto da pandemia do coronavírus, em 16 de março de 2020 a direção da Maternidade Cândido Mariano publicou várias orientações para evitar aglomerações de pessoas e diminuir o risco de transmissão da doença, como suspensão de visitas, cirurgias eletivas e atendimentos ambulatoriais. Entretanto, em poucos dias, nossas máscaras cirúrgicas acabaram e não conseguimos mais comprar devido à falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) no mundo inteiro”, relata.

“Tivemos que improvisar máscaras de tecido e de TNT produzidas pelo nosso setor de costura, mesmo não sendo as indicadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária para proteção dos pacientes e de nossos colaboradores. Além disso, temos um problema estrutural na sala de parto, onde podemos acomodar até seis pacientes em trabalho de parto, mas com apenas dois banheiros disponíveis, o que obriga as pacientes a circularem muitas vezes pelo corredor da sala de parto, inviabilizando qualquer tipo de isolamento”, explica.

Outra situação que levou a decisão é a falta de vagas na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) Neonatal que ocorre com bastante frequência, obrigando a equipe a manter os recém-nascidos de forma improvisada na sala de parto ou centro cirúrgico, que ficam expostos a circulação de pessoas. “Diante dessa problemática, decidimos que a presença do acompanhante na sala de parto ou centro cirúrgico não seria mais permitida. A partir do momento que conseguirmos adquirir EPIs adequados ou for declarado o fim da pandemia, iremos liberar a presença do acompanhante novamente”.

“Essa decisão é respaldada na segurança da coletividade, em detrimento do direito individual, algo que é possível em situações de exceção como essa que estamos enfrentando. Algumas pacientes já entraram na justiça, mas já tivemos várias decisões judiciais a favor da Maternidade Cândido Mariano, que aceitaram nossos argumentos”, afirma a diretora técnica do hospital.

Defensoria - A defensora pública e coordenadora do Nudem (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher), Thaís Dominato diz que a proibição se enquadra em violência obstétrica e entrou com uma ação civil pública na semana passada, contra a maternidade para tentar garantir o direito da gestante ter o acompanhante.

“Estamos questionando essa medida. Entendemos que o direito da parturiente ao acompanhante no momento do parto tem a ver com direitos humanos da mulher. O Brasil e Estado parte de convenções internacionais que trata da assistência humanizada, há leis federais que preconizam esse direito fundamental da mulher e, portanto, não é tão simples relativizá-lo mesmo diante da pandemia”.

“Temos que observar que a própria ONU [Organização das Nações Unidas] já declarou que não podemos retirar direitos das mulheres nesse momento e se pede atenção à violência doméstica e à manutenção dos direitos reprodutivos. Além disso, mesmo depois da pandemia, o que temos até agora é a OMS [Organização Mundial da Saúde] dizendo que direito ao acompanhante deve ser mantido e duas notas técnicas do Ministério da Saúde também recomendando o acompanhante no momento do parto”, diz.

Para a defensora, o acompanhante é um grande inibidor de violência obstétrica. “Entendo o desespero dessas mulheres. É muito comum um trabalho de parto durar até mais de 10 horas”, comenta Thaís. O processo está em andamento na justiça.

O Ministério da Saúde já divulgou as notas técnicas  6 e 9  falando a respeito do assunto.

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