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Comportamento

Há 40 anos, Pixinguinha fica mais no Estádio que em casa e Morenão virou família

De disco voador a histeria coletiva, funcionário mais antigo do Estádio viu muitas coisas de perto

Danielle Valentim | 04/06/2019 07:22
Alberto quer deixar o estádio com uma partida de futebol e, claro, no mesmo dia e mês que eu entrou: 6 de junho. (Foto: Paulo Francis)
Alberto quer deixar o estádio com uma partida de futebol e, claro, no mesmo dia e mês que eu entrou: 6 de junho. (Foto: Paulo Francis)

Há 40 anos, Alberto Pontes Filho, o Pixinguinha, entra às 7h e sai às 17h. O tempo passou na mesma sala, localizada no Portão 19, do Estádio Universitário Pedro Pedrossian. A rotina de quatro décadas fez o Morenão virar família e acredite: aos 66 anos, ele não quer parar.

Formado em Gestão Pública, Alberto gosta mesmo é de gente e se hoje se entristece é por causa do silêncio dos corredores que já foram bem movimentados. Atualmente, no cargo de assistente administrativo, tudo que envolve coisas práticas no Morenão, passam por Alberto, como autorizações e uso do campo.

Mas tudo começou em 1979, quando Alberto trabalhava como bancário na cidade de Londrina-PR e veio se aventurar em Campo Grande. Com um ano de casado e um pressentimento de que a carreira bancária não iria deslanchar, não pensou duas vezes ao saber de um processo seletivo na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).

De cabelos longos, calça boca de sino, bem no “nipe” velha guarda. Foi desse jeito que Pixinguinha se apresentou para o primeiro dia de trabalho. (Foto: Paulo Francis)
De cabelos longos, calça boca de sino, bem no “nipe” velha guarda. Foi desse jeito que Pixinguinha se apresentou para o primeiro dia de trabalho. (Foto: Paulo Francis)

A Universidade passava por uma transição ao Estado e Alberto procurou o departamento pessoal. “Fiz teste, exames e antecedentes criminais e depois de 15 dias me chamaram. Pedi a demissão do banco e hoje vejo que fiz a escolha certa. Muitos amigos tiveram que seguir outra profissão. Os bancos foram mudando e nenhum se aposentou trabalhando. Eu saí na hora certa”, conta.

No portão 5, mas ao lado de fora – De cabelos longos, calça boca de sino, bem no “nipe” velha guarda. Foi desse jeito que Pixinguinha se apresentou para o primeiro dia de trabalho, no dia 6 de junho de 1979. Ele só não sabia que seu chefe seria o major José Maravieski. O militar ordenou uma função que foi cumprida sem reclamações, fato que abriria um leque de oportunidades.

“Os jogos geravam muito empregos diretos e indiretos cerca de 200 pessoas, entre bilheteiros, porteiros. O major escalou todo esse pessoal. Menos eu. O pavilhão era todo da administração do Estado e eu fiquei no sofá. Cinco minutos depois o major voltou e eu o questionei dizendo que ele tinha escalado todo mundo menos eu. Ele respondeu apenas: quem escala sou eu. Passado mais cinco minutos ele chamou um fiscal externo e mandou me colocar no portão 5 ao lado de fora do Morenão. O jogo começou e ouvia a gritaria, me arrepiava e continuei esperando. Vez ou outra o fiscal passava e me dizia para eu continuar lá caso contrário não receberia o cachê do dia. O jogo acabou e eu continuei lá. O fiscal veio e disse: Todo mundo já recebeu o cachê e você ainda está aqui? Eu respondei: O senhor me trouxe eu esperei vir me buscar. O encarregado com certeza contou ao major que eu permaneci no lugar e a partir daquele dia começaram minhas oportunidades”, relata.

Pixinguinha, entra às 7h e sai às 17h, da mesma sala, localizada no portão 19, do Estádio Universitário Pedro Pedrossian. (Foto: Paulo Francis)
Pixinguinha, entra às 7h e sai às 17h, da mesma sala, localizada no portão 19, do Estádio Universitário Pedro Pedrossian. (Foto: Paulo Francis)

O major colocou Pixinguinha na cabine de rádio. O local tinha mais conforto, com café e até refrigerante para assistir as partidas. Depois passou a ser fiscal dos porteiros e bilheteiros em dia de jogo. Em seguida, fazia o serviço de borderô, na tesouraria. Os anos foram passando, os cabelos encurtando e as funções de Alberto subindo.

“Eu fiquei essas anos todos no Morenão e fui conquistando meu espaço com trabalho. Para mim a atuação dos militares foi maravilhosa. Foi nesse período que as oportunidades se abriram para mim”, frisa.

A universidade foi o segundo emprego de Alberto e logo nos primeiros meses conheceu o professor João Batista Campagnani, que também que era preparador do Comercial. As práticas aconteciam das 16h às 18h e sempre depois das 17h, Alberto pegava a chuteira e esperava uma oportunidade de treinar junto. Quase nunca dava, mas as vezes valia a pena.

“Peguei uma amizade com o professor João Batista Campagnani. Teve uma época que a administração do Morenão ficou com o curso de educação física e me levaram junto até a nova gestão do Reitor Professor Marcelo Augusto Santos Turine e CCE (Coordenadoria de esporte e cultura) e estou ficando. Já posso me aposentar, mas ainda me sinto muito bem”, disse.

Alberto conta que até 2013 toda a movimentação dos jogos era com a administração do Morenão. Naquele tempo, os ingressos vinham direto da Federação Morenão, para serem repassados à bilheteria. A correria era grande, afinal, eram seis bilheterias, cada uma com seis guichês. Fora os 32 portões. Com lei da CBF (Confederação Brasileira e Futebol), os ingressos passaram a ser confeccionados pelos clubes.

No campo, seu Alberto fica à vontade. Mostra ao Lado B a área do pescocinho – onde o público fica na ponta do pé e com o pescoço esticado para enxergar os lances. Como bom santista, Alberto também guarda no celular foto com o Neymar, depois da partida Santos e Naviraí em Campo Grande.

Formado em gestão pública, Alberto gosta mesmo é de gente e se hoje se entristece é por causa do silêncio que ecoa dos corredores. (Foto: Paulo Francis)
Formado em gestão pública, Alberto gosta mesmo é de gente e se hoje se entristece é por causa do silêncio que ecoa dos corredores. (Foto: Paulo Francis)

Quase 40 mil – Alberto lembra do maior público já registrado no Morenão, Operário e Palmeiras, com 38.122 pagantes, no dia 22 de fevereiro de 1978. Na ocasião, Operário ganhou por 2x0. “Nem a seleção quando passou duas vezes por aqui somou tanta gente”, comenta.

Diante da grandeza que era o futebol sul-mato-grossense, Alberto afirma que projetos estão levando crianças para que pelo menos 1% saiba o que já aconteceu aqui. Alberto acredita que dois fenômenos foram responsáveis por esvaziar os estádios, nos últimos 40 anos.

“Primeiro que os adultos de 50 anos de hoje, eram crianças quando nosso futebol estava no auge. Os pais deixaram morrer esse sentimento. Outro ponto que contribuiu para nosso futebol perder força foi quando criaram o grupo dos 13, porque fizeram uma divisão. Para você manter um time na segunda divisão o investimento é grande e os jogadores se valorizaram muito. Nossos clubes perderam força. Dois exemplos, são os grandes times de Cuiabá, Misto e Dom Bosco, que mal se ouve falar. Operário e Comercial vão se capengando, mas vão seguindo. Quando o Morenão lotava nossa cidade tinha metade da população”, pontua.

Na sala de Alberto, quadros mostram um jogo normal, com os três lances de arquibancada lotados. Já na imagem da decisão do campeonato estadual, em 2002, a cena é vazia. Alberto também critica, como torcedor, a Lei Pelé. Segundo ele, a lei tirou muitos direitos do clube e o futebol virou uma roda de negócio. “Hoje um jovem de 16 anos está fazendo contrato para ir para Europa. E antes o clube tinha como segurar o jogador. Acho que ainda vai chegar dos clubes fecharem as portas. Eu frequento muito campeonato terrão nas minhas folgas e a gente vê muita gente boa jogando”, pontua.

É possível ver os três lances de arquibancadas lotadas. (Foto: Paulo Francis)
É possível ver os três lances de arquibancadas lotadas. (Foto: Paulo Francis)
Estádio começa a se esvaziar. (Foto: Paulo Francis)
Estádio começa a se esvaziar. (Foto: Paulo Francis)

Shows – Muitas apresentações artísticas movimentaram o estádio. Como fã da velha guarda, Alberto se lembra muito bem da primeira vez que viu o “Rei”, Roberto Carlos.

“Inclusive já comprei o ingresso do show do dia 8 agosto, pois meu aniversário é um dia antes. A primeira vez que vi, tinha uma semana que estava trabalhando na Universidade, Roberto Carlos se apresentou no Ginásio Moreninho que também era coordenado pelo Morenão. Depois trabalhei em mais três deles no Morenão. Eu costumo dizer que Roberto é uma pessoa que nasceu com a mão de Deus”, disse.

Xuxa e Ney Matogrosso também agitaram o Morenão. O camarim da Xuxa foi no vestiário dos árbitros. "Lembro que ela saiu pelo túnel e foi até o palco atrás do gol e logo depois deu a volta na pista de atletismo cumprimentando a todos", conta.

Shows regionais também marcaram. Em festival de música sertaneja, duplas daqui levaram todos os prêmios. "Cruzeiro, Tostão e Centavo, que era sanfoneiro, ganharam até de Chitãozinho e Xororó que estavam no início da carreira, com a música Estrada de Chão. Aurélio Miranda também participou", lembra.

Como bom santista, Alberto guarda no celular foto com o Neymar, depois da partida Santos e Naviraí.
Como bom santista, Alberto guarda no celular foto com o Neymar, depois da partida Santos e Naviraí.

Mitos x verdades – Entre coisas que rolaram nessas últimas quatro décadas, Alberto só sabe dizer sobre o que viu. A primeira é o surgimento de um “objetivo estranho” durante partida entre Operário e Vasco, no dia 6 de março de 1982.

“O disco voador pode até ser mito, mas um “objeto estranho” é verdade. Eu levava a parcial do jogo para os repórteres, quando uma luz muito forte passou no sentido auto cine/placar, de forma silenciosa em um intervalo de 8 a 10 segundos. Se naquela época tivéssemos celular, todo mundo tinha fotografado. Eu brinco até hoje que o objeto levou nosso futebol embora e que está na hora de devolver”, brinca.

Brasil x Paraguai - Em abertura de amistoso internacional, paraquedistas prepararam show e tinham como ponto alvo a meia lua do Estádio. Um deles errou os cálculos e se enroscou sobre os cabos de alta tensão. A partida em 1994 teve se ser atrasada. “Sorte que ficou enroscado e não teve contato senão tinha morrido. Foi mais de uma hora e meia até normalizar a energia elétrica”, contou.

São Paulo x Operário - Um vendedor de cachorro-quente foi responsável por uma histeria coletiva no estádio. Ele puxava o carrinho em um dos corredores, quando decidiu gritar: o Morenão está caindo! “Virou aquela coisa de louco, dois ou três correm, todos correm também. Depois na investigação que descobriram que o vendedor tinha sido a causa. Quando correm pelo estádio as dilatações no concreto servem para ele não quebrar e com o tremor de torcedores correndo, aí que todos se assustaram”, diz.

Despedida – Agradecido pelo tratamento recebido, Alberto quer deixar o estádio com uma partida de futebol e, claro, no mesmo dia e mês que eu entrou: 6 de junho. “Todo muito me trata muito bem e quero me despedir com um jogo com todo os meus amigos. Tenho muita gratidão pela Universidade e o Morenão já é um membro da minha família. Um convidado especial será o professor João Batista Campagnani. Eu nasci para viver dentro de um estádio. Desde criança gosto muito. É um legado que deixo, para minhas filhas e netos. Eles vão contar com os olhos deles”, finalizou.

Alberto é gente como a gente mantém o hábito de se pesar, admite a vaidade com os cabelos e se apavora quando vê fios caindo.

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Alberto mostra como era assistir  partidas na área do "pescocinho" (Foto: Paulo Francis)
Alberto mostra como era assistir partidas na área do "pescocinho" (Foto: Paulo Francis)
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