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Comportamento

Não há dor maior do que contar os mortos todos os dias

Jornalista sul-mato-grossense, Eliane Oliveira descreve a dor que o coronavírus tem causado às famílias italianas

Paula Maciulevicius Brasil | 23/03/2020 09:02
Caminhões do exército transportam caixões levando corpos de Bergamo para Modena e Bologna. Não há mais como nem onde enterrar vítimas do coronavírus. (Foto: Reprodução/Jornal Avvenire)
Caminhões do exército transportam caixões levando corpos de Bergamo para Modena e Bologna. Não há mais como nem onde enterrar vítimas do coronavírus. (Foto: Reprodução/Jornal Avvenire)

Eliane Oliveira é sul-mato-grossense, jornalista, professora de Português para estrangeiros, autora de dois livros e mãe de Lorenzo e Sophia. Casada com um italiano, ela vive em Milão e é de lá que escreve a angústia de "contar os mortes todos os dias".

Há um silêncio ensurdecedor em toda a Itália. Eloquente. Aquele silêncio típico dos momentos em que é evidente que há algo de errado. E há. Estamos contando muitos mortos todos os dias. Alguns poucos meses atrás eram cálculos feitos lá na China. Hoje, já conhecemos um amigo que perdeu um amigo ou um parente. A morte está batendo à nossa porta.

Os cemitérios e crematórios em algumas cidades não mais dão conta de sepultar e cremar. Falta espaço; falta tempo. A morte tem sido mais rápida e as contas não batem. Os parentes das vítimas de coronavírus não podem se despedir de quem se vai porque os funerais estão proibidos. É a solidão dentro da dor.

Façam tesouro do que está acontecendo aqui, na Itália. Façam tesouro da nossa dor. Tempos difíceis estão por chegar. Difíceis, mas não intransponíveis. O futuro que nos espera depende de como respondemos a esta emergência desde o início. Continuem nas ruas e a epidemia será rápida. E rápida significa muitos infectados em pouco tempo. Médicos afirmam que uma pessoa doente de COVID-19 contamina outras 4,5. Muitos infectados significa um sistema de saúde incapaz de reagir. Não haverá bastante recursos, não haverá bastante leitos, os médicos e enfermeiros, expostos ao contágio com muitos doentes, serão contaminados. Será preciso escolher quem salvar e quem deixar morrer. E, novamente, as contas não baterão.

A Itália está chegando ao limite e estamos indo adiante graças a rapidez e a prontidão do governo em criar hospitais do nada. Graças a ajuda da China, dos abastados que doam. Graças aos médicos voluntários que já responderam ao apelo do governo e estão constituindo uma força tarefa para ajudar aos que já estão na linha de frente.

É tempo de ajudar os mais frágeis: os idosos e os que já carregam outras patologias levando, assim, uma vida vulnerável. Lavem as mãos frequentemente, não peguem elevadores com mais pessoas dentro. Usem as escadas. Pode ser uma maneira de queimar as calorias acumuladas pela falta de movimento. Façam compras uma vez por semana ou a cada 10 dias. E quando for urgente sair respeitem uma distância de 1 metro entre as pessoas. Não menosprezem a necessidade de luvas descartáveis e de máscaras. Todas estas coisas que dizem todos os dias na televisão são necessárias, sim.

Transformemos-nos em uma falange, em filas cerradas. Está ao alcance de todos fazer o possível para transformar esta em uma epidemia lenta, com uma baixa curva de contágios. Temos, todos nós, que sermos a vacina social. Ficar em casa em tempo de coronavírus é necessário. É um dever. Mais ainda: é obrigatório. Se sabe: atrás deste “sacrifício” alguns programas vão para os ares e a realização de alguns sonhos será adiada. O casamento sonhado e organizado em detalhes terá que ficar para depois, o investimento que custou tempo, dinheiro, energia e noites mal dormidas ficará pra depois, aquela entrevista de trabalho que pode mudar a sua vida ficará pra depois. E tudo será adiado para sabe Deus quando. Não importa. Pelo menos não, agora.

Não estou, aqui, querendo ensinar o padre nosso ao vigário. Não; não é isso. Estou só compartilhando um fardo que é por demais pesado. Há de se pensar em tudo isto em um momento oportuno. E este momento chegará. A tudo o seu tempo e agora é tempo de quarentena; de isolamento. Acreditem: não há dor maior do que contar os mortos todos os dias.

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