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Comportamento

No aniversário de 87 anos, neta transexual é o maior orgulho da avó evangélica

Thailla Torres | 06/09/2016 06:05
A neta Danielle é um orgulho para dona Olga que aos 87 anos da uma lição de amor e sabedoria. (Foto: Robson Feitosa)
A neta Danielle é um orgulho para dona Olga que aos 87 anos da uma lição de amor e sabedoria. (Foto: Robson Feitosa)

No olhar um amor imensurável. Mãe e filha ou avó e neta, não importa. Juntas, elas parecem uma só, tamanha é a alegria no aniversário de 87 anos de dona Olga Corrêa. A neta veio de longe, da Alemanha, onde vive há anos. Danielle Marques, de 38 anos, é o grande orgulho da avó, principalmente, por ser o que sempre quis, uma mulher forte, determinada.

Na festa linda preparada por toda família no último sábado, dona Olga esbanjava sorriso. Bem vestida e de cabelinho todo arrumado, com um penteado feito por uma das netas, estava com as bochechas rosadas pelo blush, coisa que ela não estava acostumada a usar. “Minha neta que me arrumou, passou um negócio na minha cara que eu não uso, mas disse que era pra eu ficar bonita”, explica sorrindo.

Nascida e criada na zona rural de Bela Vista, Olga é mãe de 8 filhos e tem 21 netos. Entre eles está Danielle, que ela criou desde os 9 meses de vida. 

No momento da oração, neta e avó agradecem pelos anos de vida e união da família. (Foto: Robson Feitosa)
No momento da oração, neta e avó agradecem pelos anos de vida e união da família. (Foto: Robson Feitosa)

A chegada da idade faz com que dona Olga se perca em alguns momentos no vocabulário, mas nada tira a vontade de conversar e falar da neta, que um dia foi Daniel. Evangélica, ela dá uma lição de amor sem medidas, até surpreendente diante da idade e da religião que segue com fervor. “Eu não tenho preconceito, eu tenho é um neto”, afirma.

O uso do masculino na hora de falar tem resposta no costume, mas ela sabe bem que o Dani que ela viu pequeno é na verdade ela agora. “Toda família me conheceu como menino. Quando me descobri como transexual, aos poucos eles também foram mudando a maneira de falar. Mas isso é o que menos importa. É o costume que às vezes faz que cada um tropeça no ele ou ela”, esclarece Danielle.

Quando o processo de transformação de Dani veio à tona, foi difícil para a família entender. Mas para a avó, quando isso aconteceu, nada mudou, apesar das lágrimas. “Aconteceu o seguinte... Quando descobri que ela era homossexual, choramos muito, ficamos tristes, mas eu jamais ia tocar um filho meu de casa. Eu falei para a mãe dele, que ia continuar sendo o neto que eu criei”, resume Olga.

Dani tinha 14 anos quando se olhou no espelho e viu alguém com quem não se identificava. Ela explica que antes do entendimento de sua identidade sexual, teve um momento que achou que seria apenas gay. “Quando me descobri, a primeira sensação é que eu era gay. Foi um processo difícil até realmente entender que eu era trans. Quando isso aconteceu, comecei a fazer show na noite e minha mãe descobriu. Na época eu estava morando com ela, levei uma surra e houve uma conversa com toda família”, descreve a neta.

A reação da avó foi o que acalmou o coração de Danielle. “Ela sempre foi assim, nunca foi contra e nunca me falou nada. Todo o caminho que eu tive até agora, foi graças a ela. Sempre estive do lado do correto e ela também nunca me julgou”, conta.

A festa linda foi preparada pelos familiares. (Foto: Robson Feitosa)
A festa linda foi preparada pelos familiares. (Foto: Robson Feitosa)

As palavras que avó usa para justificar o amor até emocionam. “A gente tem que amar na alegria, na dor e a pessoa têm que ser a mesma. Ela é um pedaço da gente e eu não poderia largar de jeito nenhum. Amo ela como amo todos os netos”, declara Olga.

Na contramão do preconceito, a família é prova de que a religião nunca foi motivo para discriminação ou isolamento. Dona Olga frequenta a Igreja Apostólica, assim como todo o restante da família. O blazer discreto, a saia preta abaixo do joelho e o cabelo longo, sem corte, revelam a crença. Mas no coração, o amor bate forte e a união da família é o que fala mais alto.

Carinhosa, os olhos chegam a brilhar quando fala os motivos que a faz ter tanto orgulho da neta. “Sempre foi inteligente e uma pessoa alegre. Trabalhou até na TV e hoje faz show. É uma pessoa que todo mundo gosta de ter amizade. Sempre deu muito orgulho”, diz a avó.

O olhar sincero de Olga com palavras tão doces revela em Danielle uma emoção sem tamanho. “Pode até ser que tenha alguém contra mim, mas sempre tive muito mais gente a favor. Se me emociona? Sim, ela me deu toda essa base e educação, tudo que tenho na minha vida em humildade e carinho, eu devo a ela”. 

Entre as dificuldades para o processo de transformação e aceitação da verdadeira identidade, a família evangélica continua tendo um papel importante. “Eles provaram que o verdadeiro papel do cristão e do evangélico é amar ao próximo. Todo dia agradeço a Deus pelo apoio da minha família. No começo, a gente não sabe ao certo o que vai ser, não entende o que está acontecendo. Eu não queria me vestir como um menino, mas a igreja falava que isso era pecado. E a família me ajudou nisso e a minha avó me olhava dizendo que Deus só me queria feliz”, lembra emocionada.

Dona Olga e o sorriso da netas pela união e o amor   que sempre falou mais alto. (Foto: Robson Feitosa)
Dona Olga e o sorriso da netas pela união e o amor que sempre falou mais alto. (Foto: Robson Feitosa)

A sintonia entre Danielle e Olga é única. Dá para sentir no momento da oração, dos parabéns, até na hora de ajudar a apagar as velinhas que identificam os anos de vida carregados de coragem.

Separada há quase 50 anos, Olga trabalhou como professora na zona rural para garantir a educação dos filhos. Todos foram alfabetizados, assim como muitas crianças que receberam o amor e a dedicação de dona Olga, educadora que enfrentava 5 quilômetros a cavalo até a escola onde dava aulas para 40 alunos.

“Não era fácil, tinha os filhos e a escola. Eu ficava até 1h da manhã fazendo atividades, corrigindo... Houve um tempo que a escola foi para perto da minha casa e não tinha cadeira. Levei os bancos que eu tinha para as crianças não sentarem no chão. Insistia para eles estudarem e pegava no pé de quem não queria ir à escola no feriado da semana santa”, recorda.

Já Danielle é casada há 5 anos e mora com o marido na Alemanha. Trabalha como atriz e cantora no espetáculo “Magie der Travetie" em uma produção à altura, com luzes no palco, saltos altíssimos, maquiagem perfeita e muito glamour. Com shows programados até 2017, hoje, Danielle confessa que não tem vontade de morar no Brasil novamente, mas o coração aperta quando lembra da avó que já vem dando sinais de esquecimento por conta da idade.

“Quero vir, pelo menos, passar uns três meses com ela sempre que puder. Vou trazer uns joguinhos para a memória. Apesar de muito lúcida, eu sei que ela está começando a esquecer algumas coisas. Entendo que é por conta da idade, mas meu maior medo é chegar aqui e ela não reconhecer mais. Ela é tudo pra mim... Tudo!”, declara a neta cheia de amor.

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