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Comportamento

No anonimato como cabeleireira de bairro, ex-dona de lojas famosas recomeça vida

Paula Maciulevicius | 19/09/2016 06:05
A combinação da roupa aliada ao jeito de falar, demonstra que a elegância continua fazendo parte de Sônia, mesmo quando o status não é mais o mesmo.(Foto: Alcides Neto)
A combinação da roupa aliada ao jeito de falar, demonstra que a elegância continua fazendo parte de Sônia, mesmo quando o status não é mais o mesmo.(Foto: Alcides Neto)

Sônia de Lima chegou a ter cinco lojas. Dona da Passo a Passo e da Arezzo, só de sapatos ela administrava quatro comércios no Shopping Campo Grande e no Centro, e mais uma de bolsas. De madame à cabeleireira, uma depressão no final dos anos 2000 levou a empresária à uma crise financeira, de ter de abrir mão de tudo e se reinventar aos quase 60 anos.

Foi a companheira de trabalho de Sônia, a também cabeleireira Rosalva, quem contou ao Lado B parte do relato da amiga. Sônia não é dessas que fala da vida para todo mundo e no anonimato, no bairro Taquarussu, ela aceitou narrar sua trajetória. De como foi cair na "vida real", pegar ônibus, andar à pé, chegar a não ter nem R$ 10,00 e encontrar a felicidade no mais simples. 

Em 2014 ela entrou no curso de cabeleireira do Senac como reação ao que lhe aconteceu. "Resolvi abraçar essa carreira, eu tinha que escolher alguma coisa para fazer e não consegui simplesmente não fazer nada, até porque eu não podia me dar ao luxo, financeiramente, de não fazer nada", conta Sônia de Lima, de 59 anos. 

A combinação da roupa aliada ao jeito de falar, demonstra que a elegância continua fazendo parte de Sônia, mesmo quando o status não é mais o mesmo. É ela quem se define "anônima" e explica que está num salão de bairro primeiro porque não tem dinheiro para investir em outro lugar e segundo, porque espera ter mais experiência para então apelar às pessoas que lhe conheciam.

Uma depressão levou Sônia a se ausentar das finanças da empresa e quando se deu conta, era tarde demais. (Foto: Alcides Neto)
Uma depressão levou Sônia a se ausentar das finanças da empresa e quando se deu conta, era tarde demais. (Foto: Alcides Neto)

"Comecei vendendo aos 27 anos, sapato e sapatilhas em casa mesmo e aquilo foi crescendo e tomando vulto e eu resolvi montar uma loja na Maracaju, à época, as lojas eram todas lá", conta a ex-empresária sobre o início na década de 90.

Três anos depois, Sônia foi procurada pela superintendência do primeiro shopping para abrir as portas. "Comecei pequeno, eu teria dinheiro para investir, era super bem casada com um pecuarista, mas foi o que me deu firmeza e confiança mesmo. Quando fui convidada, no último mês, comprei a menor loja que tinha e montei no shopping, do jeito mais barato", recorda. 

A primeira loja foi a Passo a Passo, que se manteve também no Centro. O negócio vingou que ela chegou a mudar para um espaço mais amplo e comprar os salões ao lado. Anos depois, veio o convite da Arezzo. "Eu fui a primeira franqueada, comprei outra loja, montei a Arezzo e deu super certo. Tive quase 100 funcionários, escritório, cinco lojas", enumera. 

Em 2009, com quase 30 anos trabalhando com vendas, uma depressão não diagnosticada a fez se afastar de tudo. "Ao todo, 28 anos e como a gente pensa que realmente tudo é a sua vida. Quase 30 anos fazendo a mesma coisa o que você vai pensar? É a minha vida, eu sou empresária. Mas as coisas mudam e você me pergunta, como acontece?"

Apesar de ter uma equipe administrativa, Sônia atribui sua ausência ao descontrole financeiro que a loja chegou. "Eu tive uma série de problemas e uma depressão. Fiquei dois, três anos muito mal. Eu ia, mas assim, não era eu. Naquela época estava a transição de mudar a parte fiscal, de começar a digitalizar as coisas. E eu descuidei totalmente dessa parte de pagamento. Começou a juntar, juntar e tudo muito grande, multas começaram a chegar. Só a parte trabalhista que eu não tenho nada", explica. 

Com problemas de nota, os produtos começaram a ser barrados na chegada ao Estado e só três anos depois é que Sônia, alertada por uma amiga, percebeu que precisava de ajuda. "Achei só que estava muito triste, fui ao médico que me deu um remédio, me trouxe à realidade e eu vi como estava a situação. Veio um monte de coisa junto, depois me separei e parei de ser madame", resume.

As pulseirinhas que dançam no braço, ela fala que só tem essas. "Não dá mais para andar do jeito que você andava. Eu tive que pegar ônibus e não sabia nem que porta entrava", compara. A Passo a Passo foi a primeira venda e depois a franquia da Arezzo passou para outras mãos. 

"Fui tentando diminuir tudo e hoje eu vivo aqui, em outro mundo, que ninguém sabe exatamente. É um anonimato, um recomeço de vida, porque aquilo foi tão forte na minha vida, o lado empresarial e eu jamais esperava que fosse mudar, que a vida fosse mudar e eu tivesse que procurar outras formas, outra profissão..."

Por sempre "palpitar" no look das pessoas, Sônia decidiu investir na carreira de beleza. "Sempre arrumei os outros, mas não sabia fazer nada, achei que essa área da beleza era uma coisa que me fazia bem e eu gostava", afirma. 

Financeiramente, ela está começando, deixando para trás décadas de premiações de méritos lojistas e um nível de vida que ficou no passado. "Tudo isso que você foi, ele vai contribuir para a sua vida, mas passou. Agora eu tenho que sentir que tenho 18 anos, porque se eu pensar que tenho 60, eu não vou a lugar nenhum. Não dá tempo. Eu digo assim, não tenho futuro, é o agora", encara. 

Deixar vir a aceitação foi o que Sônia afirma ser o melhor a fazer. "Eu fui para esse lado e tenho que ter paciência agora de saber que toda essa mulher forte com uma vida, acabou. Essa profissão requer outras habilidades, requer humildade até na forma onde eu estou trabalhando com as pessoas, porque se você começa a se gabar, ninguém vai te suportar e não é mais a tua realidade". 

No curso do Senac, Sônia conheceu a colega Rosalva e com ela montou o primeiro salão na Vila Planalto, que não deu certo, veio para o Taquarussu num espaço pequeno e sem paredes, até receber o convite de uma cabeleireira há 20 anos na região, para trabalharem juntas. 

"Se foi um tombo na vida? Foi. Eu já nasci em uma família que tinha dinheiro, casei com um pecuarista, tive mil coisas e aí com 55 anos eu me vejo nessa situação? Eu acho que vivia numa bolha. Eu não tinha acesso à terra, nunca fui arrogante, até mesmo porque eu trabalhava e muito e eu sempre achei que era bacana, como pessoa, ser humano e hoje eu sei que sou, pela adaptação toda", avalia.

O renascimento veio na beleza, hoje ela se realiza sendo cabeleireira. (Foto: Alcides Neto)
O renascimento veio na beleza, hoje ela se realiza sendo cabeleireira. (Foto: Alcides Neto)

E descobrir a realidade foi viver a rotina. Um exemplo? Sônia até ri, mas foi quando saiu às ruas à pé pela primeira vez. "Eu tive pânico, vi um cachorro e nossa, esse cachorro, esse cachorro e de repente ele passava. Depois um homem e eu pensando 'ai minha bolsa'. Eu falava: gente, eu estou na terra", narra. 

No ônibus, fazia questão de sentar na janelinha e com o tempo, percebeu que o trajeto mostrava sempre o mesmo bar à esquina, com gente bebendo 7h da manhã de uma segunda-feira, o mesmo morador à frente de casa. "E as pessoas estão certas, parecia um vídeo que eu ficava assistindo, mas eu comecei a ser mais observadora de mim mesma, óbvio e também espectadora da vida. Eu vivia nessa bolha e eu gosto de me sentir viva, vejo as coisas e as pessoas simples com as suas histórias", descreve. 

Dentro de si, Sônia conta que teve de buscar uma outra pessoa, que não se tornasse amarga para si e nem um peso para os outros. "Me leva aqui, me traz, minha vida está assim, eu não tenho dinheiro. Não, é uma forma de levar a vida com o que ela apresenta e a vida é muito leve e você aprende a dar valor ao que você tem, é aquela história: o que se leva dessa vida? A vida que se leva", responde. 

O salão onde Sônia atende, ao lado de Rosalva, se chama Espaço Bem Estar. Lugar onde ela colore cabelos como quem pinta um quadro, vivencia um terapia, mas que precisa ser remunerada. "Eu me esforço, a gente tem que querer. Não vem de dentro, você tem que querer. Você fica numa soberba que não é mais sua? Desce para o chão. Você tem que ser mais rápida que a sua dor. Não dá para não ter R$ 10. Me faz bem, eu acredito no ramo e eu tenho 18 anos. Calma menina, tem muita coisa pela frente...", repete para si mesma. 

O salão abre de terça a sábado e os contatos de Sônia e Rosalva são: 9-9152-7467 e 9-9697-1159.

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