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Comportamento

No lugar do padre, amiga celebra casamento para tornar cerimônia especial

Paula Maciulevicius | 31/03/2016 06:23
Felipo e Tatiana não seguem uma religião específica, mas faziam questão de uma benção especial. (Foto: Allan Kaiser)
Felipo e Tatiana não seguem uma religião específica, mas faziam questão de uma benção especial. (Foto: Allan Kaiser)

Quatro meses antes do "sim" Tatiana era só ansiedade para fazer um convite que ia além de chamar Carla para ser madrinha. Conhecidas há uma década, a amizade veio mesmo quatro anos atrás, a ponto de fazer com que a noiva a chamasse para celebrar seu casamento. Apesar de não seguirem uma religião específica, os noivos - Tatiana e Felipo - consideravam importante a benção religiosa e da família. Além da fala da amiga, os pais dela e os tios dele, também falaram.

As duas já se conheciam desde 2004, graças a uma amiga em comum, enquanto faziam faculdade: Carla, no Jornalismo. Tatiana, na Psicologia.

Na volta de Carla a Campo Grande, a jornalista procurou Tatiana para um curso de coaching. "E foi lindo, a gente já tinha uma amizade de faculdade e a partir desse momento, ela me ajudou muito", recorda Carla Gavilan, de 30 anos. Desde então, toda semana elas se veem e se falam. 

No decorrer dos anos, a própria questão do casamento virou assunto comum entre elas. Fazer festa ou não? Doutorado ou não? Dúvidas da geração compartilhadas na amizade, que dividiam espaço com os dilemas pessoais e familiares. 

Pais de Tatiana dando a benção ao casal. (Foto: Allan Kaiser)
Pais de Tatiana dando a benção ao casal. (Foto: Allan Kaiser)
Carla, a amiga e madrinha, teve quatro meses para se preparar como celebrante. (Foto: Allan Kaiser)
Carla, a amiga e madrinha, teve quatro meses para se preparar como celebrante. (Foto: Allan Kaiser)

Tatiana se mostrou apreensiva quando a primeira tentativa de tomar um café com a amiga Carla falhou. "Ela marcava com a gente, comigo e meu marido, mas nunca dava certo pelos nossos horários malucos. Aí começou a insistir muito, até então, na minha cabeça era só para entregar o convite", recorda Carla. Havia urgência na entrega, mais do que saber a data, horário e local, Carla precisava dizer 'sim' a algo muito maior. Aceitar ou não celebrar o casamento.

"Ao mesmo tempo em que eu chamei eles para serem padrinhos, ela para ser celebrante. Eu sabia que tínhamos coisas em comum, sobre família, mundo e Deus e sabia que ela era muito ativa dentro da comunidade espírita, então achei que ela poderia ter essa afinidade, a mesma visão de mundo que a gente", descreve Tatiana Quintana Samper Lovatto, de 29 anos.

A responsabilidade era grande e as duas sabiam disso, que nos preparativos e no altar, o sentimento iria variar entre felicidade e pressão. "Eu quase caí para trás, fiquei muito nervosa, mas ela disse que tinha chegado a conclusão de que teria de ser eu", lembra Carla.

Os meses seguintes foram de pesquisas e conversas. Ao invés de ver vestidos e docinhos, coisas que as madrinhas costumam fazer junto da noiva, Carla se reunia com os dois em separado. "Marquei uma conversa só com ela e uma só com ele. Eu sou espírita, não tem como fugir disso, eles não têm uma religião definida, mas queriam uma benção", resume a jornalista.

O material fonte para pesquisas foram passagens bíblicas e o evangelho segundo o espiritismo e como os noivos queriam referências de rituais celtas, a celebrante também foi atrás dos conceitos. Como amiga, Carla já sabia muito da história, mas se emocionou ao extrair dos noivos como se conheceram, o que sentiam um pelo outro e também as dificuldades. Eram detalhes que deixariam a cerimônia ainda mais rica.

A partir daí, Carla definiu o que seria o sermão baseado numa passagem bíblica. "Onde fala: vós sois Deuses, e que esclarece que temos capacidade de amar do jeito que ele amou e eles têm uma história de superação na relação, que envolveu distância, morte e depressão", narra Carla.

No texto do casamento tiveram trechos de Tom Zé, de Cartola, da Bíblia e muito da história deles. "Ela conduziu falando sobre o amor e a formação de uma nova família e passou depois a palavra para os nosso familiares. Eu penso que foi uma coisa feita por nós, construída e que para nós fazia sentido", explica a noiva.

Carla pondera dizendo que quando os noivos têm proximidade com o padre ou pastor da igreja, a cerimônia segue como poema. "Isso é um diferencial, fica cheia de detalhes, uma cerimônia amorosa, as pessoas, os convidados casam junto", compara Carla.

O que mais ficou evidente e norteou a celebrante a escrever o sermão foi a amizade entre elas. "Para mim foi uma experiência linda, num grau muito superior de amizade. Ela me deu um presente", resume. Abaixo, o sermão escrito pela amiga e lido durante a cerimônia:

Casamento foi mais que especial por ter quem soubesse tanto da história do casal. (Foto: Allan Kaiser)
Casamento foi mais que especial por ter quem soubesse tanto da história do casal. (Foto: Allan Kaiser)

Abertura

"Amar sem penar é bem raro. O verbo cumprir custa caro. Amor é bem fácil achar. O que acho mais difícil. É saber amar."

É com essa expressiva frase do Cartola que começamos a celebração de um amor raro, que tem cumprido suas promessas, já penou bastante e o mais importante: há oito anos nos ensina o saber a amar. Convidados de honra desse dia tão especial e festivo, sejam todos muito bem-vindos.

 Sermão

"O amor zomba dos anos, O amor anda nos tangos, No rastro dos ciganos, No vão dos oceanos". (Tom Zé - 11/10/1936). "O amor é um rock".

Esse trecho de Tom Zé, de uma música de Tom Zé, fala de uma característica essencial do amor que não aparece explicitamente na frase. A superação.

“O amor zomba dos anos, anda nos tangos, no rastro dos ciganos, no vão dos oceanos”.

O tempo fortalece as relações, mas também costuma trazer dúvidas, anseios, revoltas, mais individualismo que individualidade. O tempo traz um monte de moda de crise: crise dos 7 anos, crise do pós parto, crise do primeiro filho, do segundo, do desemprego, crise do luto, da menopausa, do excesso de peso.

Mas o amor zomba dos anos!

Vêm as modas, a liberdade, a independência, as revoltas, a mesmice, a caretice, a rotina, o cansaço, a gordura localizada, a barriga estirada, as pequenezas de caráter, o egoísmo escondido nos momentos menos esperados.

E o amor, o que que faz? Paciente, cauteloso, discreto e concentrado ele Anda nos tangos!

Vem a promoção do trabalho, a mudança de casa, mudança de emprego, pode vim a tempestade anunciada. Pode ter a falta de tesão, de opinião, de disposição para o outro... vem o outono, inverno, verão, outono de novo, sem primavera. Mas persistente, corajoso, disciplinado, fazendo sua festa, o amor segue, como no rastro do cigano!

O amor vai vencendo suas duras etapas na construção diária de um relacionamento porque superar é um imperativo, amar é intransitivo. Quem ama ama! Quem ama segura na mão, respira fundo e mergulha. Mas Quem ama também segura na mão, respirar fundo e ensinar o parceiro a mergulhar. Amar é respirar fundo infinitas vezes.

O amor segue colecionando superações porque sabe que aborrecimentos momentâneos não podem prejudicar tudo que potencialmente de bom pode vir a ser. “Sois deuses”, disse Jesus aos seus discípulos. “Vós podeis fazer o que eu faço e muito mais” (João, 14:12). Como? Amando

Quando Cristo diz que somos deuses ele nos afirma que, assim como Ele, podemos nos esforçar mais, nos dedicar mais, nos cuidarmos uns dos outros mais, podemos amar mais. O combustível é o amor. “Só o amor, é só o amor que conhece o que é verdade”, repete mais tarde Paulo aos coríntios.

Jesus tem razão. Quando exercitamos nossa capacidade de ser deuses pode ter certeza que há uma partícula de amor envolvida.

Deus enxerga em nós sentimentos, intenções, medos, anseios, desejos e realizações que ninguém mais vê.

O moço que aguardava o ônibus depois das aulas da graduação de arquitetura para muitas meninas era só um moço, mas para uma estudante de psicologia, “tinha cara de um bom moço”.

Sois deuses!

Nunca tinham se falado, não se conheciam, não tinham nomes, era anônimos com suas turmas a espera do busão. Tatiana olhava e refletia, “como ele tem cara de um bom filho”. Os encontros se repetiam e ela aumentava suas apostas: “Tem jeito de bom namorado”.

Ela inferia com a paquera muito do que o coração acreditava possivelmente acontecer.

Sois deuses!

Na festa da faculdade, Felipo fixou o olhar na menina botas. Em uma festa universitária, com tantos saltos, por que a de botas? Porque era a única. Com tanta gente, tanta música, tanta cerveja, Felipo enxergou com o coração tudo o que a imagem de uma garota de botas possivelmente poderia vir a ser.

Sois deuses!

Nesses oito anos, estamos certos de que vocês continuam se enxergando primeiro com amor, depois com as outras emoções.
Somos deuses quando superamos com amor e acreditamos que: Eu vejo você, eu vejo o Deus que existe em você e enxergo todo o seu potencial. Eu enxergo Deus em você e sei que você é muito mais que essa decepção momentânea, que essa falta de dinheiro, você é maior que esse dia difícil de trabalho e aventuras fugazes.

Amor exige disposição, e Cristo nos ensinou a ter disposição. Para todos os dias e circunstâncias, lembrem-se de que estamos, fadados inquestionavelmente, a caminho da perfeição moral do Cristo. Nós podemos superar tudo. Podemos amar mais.

Tios de Felipo, o noivo
Tios de Felipo, o noivo
também tiveram vez. (Fotos: Allan Kaiser)
também tiveram vez. (Fotos: Allan Kaiser)
“O amor zomba dos anos, anda nos tangos, no rastro dos ciganos, no vão dos oceanos”. (Foto: Allan Kaiser)
“O amor zomba dos anos, anda nos tangos, no rastro dos ciganos, no vão dos oceanos”. (Foto: Allan Kaiser)
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