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Comportamento

Pamela ficou na pior antes de vencer 14 anos de depressão com a dança ancestral

Thailla Torres | 13/09/2018 07:34
Pamela passou por momentos difíceis, desafiadores, antes de encontrar um novo caminho. (Foto: Arquivo Pessoal)
Pamela passou por momentos difíceis, desafiadores, antes de encontrar um novo caminho. (Foto: Arquivo Pessoal)

Choro, angústia, depressão profunda. Por 14 anos, essa foi a realidade da acadêmica de História Pamela Giulia Padilha, de 27. Ela diz ter chegado ao fundo do poço em um quadro depressivo, aliado à dependência química. A tristeza lhe tirou a vontade de viver, as drogas levaram parte da sanidade, até que o sofrimento pessoal e familiar a fizeram enxergar a vida que ainda restava com outros olhos.

Foi buscando ajuda e autoconhecimento que Pamela conseguiu superar um dos momentos mais difíceis. O pontapé para o sorriso e levantar da cama com vontade de viver só chegou com a dança. Há um ano quando se apaixonou pela dança cigana e todo significado através da ancestralidade, Pamela descobriu um novo mundo. Ver o despertar do seu poder feminino, ter o apoio de mulheres guerreiras e descobrir que nunca esteve só são transformações que hoje ela conta no Voz da Experiência.

Após anos com depressão, hoje ela comemora o sorriso. (Foto: Arquivo Pessoal)
Após anos com depressão, hoje ela comemora o sorriso. (Foto: Arquivo Pessoal)

Lembro-me como se fosse ontem, quando meu mundo interior começou a desmoronar. Sempre fui uma pessoa tímida e essa timidez acabou por tomar uma dimensão muito maior do que eu poderia suportar. Acarretou em alguns problemas emocionais e que por não ter discernimento na época, acabei por deixar afetar situações externas, como ambiente familiar e a escola. Aos poucos essa timidez foi dando espaço para uma depressão que pouco a pouco cresceu, me desencorajando, e me deixando sem um pingo de amor pela vida. Já bem nova, não sabia mais o que era estar alegre e, pouco a pouco fui deixando de fazer o que gostava, perdendo o interesse pelos estudos, pelos amigos e por tudo que me rodeava. Rapidamente meu mundo ficou preto e branco.

A dor que sentia, era uma dor na alma, algo que não poderia ser mensurado, algo que não podia ser estancado. Acabei por um longo período entrando em estado de catatonia, não agindo e nem reagindo a estimulo nenhum. Até que cheguei ao certo nível de desespero que a única solução aparente era me mutilar, numa tentativa de aliviar a dor da alma, infringindo dor no corpo físico. Diante da situação, minha família recorreu a algumas clínicas psiquiátricas. Passei por diversas clínicas, todos os tipos de terapias, mas nada parecia surtir efeitos em longo prazo.

Acabei ficando totalmente dependente de remédios fortíssimos para poder me manter neutra perante a uma perspectiva de vida que não me agradava, mas ainda faltava amor próprio e vontade de viver.

Fui entrando em estado depressão profunda, vendo diante de mim apenas a morte como solução. Depois de tantas idas e vindas nessas clínicas, sem resultados significativos, veio à tentativa de suicídio. Intoxicação por medicamentos, pular do décimo primeiro andar de um prédio, foram coisas que eu tentei.

Por sorte, fui resgatada a tempo, mas as consequências eu carreguei comigo. Frustrada, fui abusando cada vez mais dos medicamentos para esquecer a minha própria existência, e por conta disso, parti para algo arriscado e por muitas vezes, sem volta.

Dança cigana foi o pontapé para a mudança. (Foto: Arquivo Pessoal)
Dança cigana foi o pontapé para a mudança. (Foto: Arquivo Pessoal)

A vida seguiu o seu fluxo e nessa maré, me envolvi com drogas como cocaína e crack e o fundo do poço parecia ser só o começo. Em pouquíssimo tempo já estava dependente crônica dessas químicas, logo a estrutura familiar foi se desmanchando, decaindo junto comigo.

Tomada pela fissura das drogas, eu não enxergava nada além da minha vontade de usar. Larguei por completo meus estudos, me envolvendo cada vez mais nesse submundo, e não dando importância para a destruição que estava ocorrendo.

Conflitos familiares começaram a crescer dentro de casa. Entrei em um estado de descontrole total, sentindo apenas raiva, queria apenas dinheiro para as drogas e não importava o que tinha que fazer para conseguir, eu furtei e menti.

Acabei por muitas vezes, dormindo na rua, com moradores de rua, dentro das bocas de fumo, perdi as contas de quantas vezes fiquei devendo para traficantes, que por sua vez, iam cobrar minha família. Não percebia o tamanho do risco que corria e que fazia os outros correr. Passei quase 6 anos da minha vida assim, me matando e matando a todos ao meu redor.

Passei de novo por algumas clínicas, mas dessa vez para tratar da dependência, mas como nas anteriores, os resultados eram mínimos e não duravam por muito tempo.

Já estavam todos cansados, sem saber o que fazer e com a ideia de que talvez não houvesse mais nada a fazer. Um dia quando pedi dinheiro para minha mãe, ela me deu já sabendo para o que era e me disse: “Se você quer se drogar, eu levo você pra comprar e você usa aqui em casa... ao menos estará segura”.

Aquilo me despertou para o que estava acontecendo. Minha mãe estava tão cansada, tinha lutado tanto e mesmo sabendo que não conseguiria resgatar sua filha dessas sombras, pediu para que eu me drogasse em casa, sob sua proteção.

Eu chorei. Fui comprar minha droga, chorando, usei chorando, até que no final do dia, pedi a ela para tentarmos mais uma vez um tratamento.

A partir da ancestralidade ela afirma que buscou autoconhecimento. (Foto: Arquivo Pessoal)
A partir da ancestralidade ela afirma que buscou autoconhecimento. (Foto: Arquivo Pessoal)

Já naquela altura, eu não tinha esperança alguma, sabia que tinha me enfiado em um buraco tão grande que não havia possibilidades de ter uma vida normal de novo, mas tentei, por eles.

Pesquisamos algumas clínicas na internet e achamos uma que poderia ajudar, com um tratamento alternativo, sem nenhuma medicação alopática, apenas medicinas naturais e contato com a natureza.

Fiz uma internação de 15 dias e para a minha surpresa, deu resultados que ninguém esperava.

Nessas duas semanas, mergulhei nas minhas aguas internas, fui no mais profundo de meu ser entrando numa gigantesca onda de autoconhecimento. Buscando saber quem eu realmente era, como era a minha essência, qual era meu proposito. Segui esse tempo todo em meditação e reconexão.

Nunca pude imaginar descobrir tanta coisa sobre mim mesma em tão pouco tempo. Algo que em meses de tratamentos convencionais não conseguiu fazer, em 15 dias, foi como se passasse anos estudando sobre mim mesma. Que o segredo para estar bem, era em simplesmente aproveitar o momento, estar atento ao fluxo de pensamentos, em reparar que a beleza esta na sutileza das coisas ao redor da vida. Que somos parte de uma consciência universal e que estando em harmonia com seu universo interno, faz manifestar para o universo externo. Foi ai que a vida começou a ganhar cor novamente. Desde meus 13 anos esperei em ver a vida diferente e vivi para sentir meu coração bater forte, sentir o ar em meus pulmões, em sentir meu corpo todo vibrar.

Foi um despertar muito forte, me senti feliz pela primeira vez depois de anos e com muita fome de querer aprender mais o que a vida podia me proporcionar. E foi com essa mesma vontade que busquei conhecer mais sobre essas pessoas que se curavam através das medicinas e terapias alternativas.

Descobri um grupo de mulheres que se reúnem para compartilhar suas vivências e se fortalecerem através de várias formas. Foi em um ritual em torno de uma fogueira, voltado à devoção a mãe terra que me encantei ao ver uma dessas mulheres dançando. Fiquei tão encantada com ela, se entregando ali, não se importando com o julgamento, deixando todas suas preocupações de lado para poder apenas agradecer as forças da natureza que senti minha alma ser tocada.

Hoje se diz uma nova mulher. (Foto: Arquivo Pessoal)
Hoje se diz uma nova mulher. (Foto: Arquivo Pessoal)

Meu interesse foi tão grande que fiz amizade com essa mesma moça e procurei conhecer um pouco mais sobre as danças ancestrais, nessa busca, eu me identifiquei com a dança cigana.

Na minha jornada, visitei vários eventos voltados à cultura cigana e conheci por acaso, uma professora dessa dança. Comecei no dia seguinte e para mim foi como se eu já tivesse vivido tudo aquilo em tempos distantes, algo que já carregava comigo e que precisava apenas de um gatilho para fluir naturalmente.

Desde então, não parei mais. Continuei dançando, fiz algumas apresentações com outras dançarinas ciganas, estreitando meus laços, resgatando um passado ancestral que eu desconhecia, alimentando minha alma, abrindo meu leque de possibilidades para a vida.

A cada dia que eu passava com essas pessoas, minha alma crescia, minha espiritualidade se fortalecia e com tanta energia gerada por mim mesma, voltei a estudar, cursando algo que iria agregar muito para o momento que vivia, ingressando num curso de graduação em História e com esse curso os caminhos se abriram. Conheci pessoas, sem fazer esforço, que me ajudaram a desenvolver projetos sobre a Guerra do Paraguai que virou documentário. Quando dei por mim estava juntando o útil com o agradável, pois havia unido o campo das artes que sempre havia gostado, com algo que estava me salvando, a história e cultura de nosso povo. Deixei a vida me levar e enfrentava cada desafio que chegava até a mim com muita força de vontade e me sentindo vencedora a cada conclusão.

Conheci também, um grupo que fazia uso dessas medicinas naturais, pessoas fazem parte de uma cultura xamânica, que misturam conhecimentos dos nativos daqui, com conhecimentos da Índia antiga. Visando nesses rituais a expansão da consciência, a união entre todos e o amor incondicional. Ensinamentos básicos, mas valiosos que são passados através do silêncio, meditação, músicas, danças e uma mistura de diversas crenças de culturas muito antigas.

Ao ver os xamânicos tocando mantras aos sons de tambores, me arrisquei a aprender e assim como na dança, fiz um resgate ancestral nativo, algo que também fluiu naturalmente através de mim e desde então não parei de praticar. Vi minha vida toda em menos de um ano crescer em um cenário magico, místico algo que talvez muitas pessoas, veem somente através de filme, eu vi se concretizar na minha realidade, bem diante de meus olhos. Me juntei junto a essa “tribo”, participei de seus rituais. Hoje vivo e convivo junto a eles, considerando cada um, como parte da minha família.

Tudo isso aconteceu em um curto espaço de tempo, minha família hoje, vê minha transformação como um verdadeiro milagre.

Atualmente estou realizando um sonho que tenho desde nova que é escrever um livro. E isso só foi possível sair do plano ideal, por acreditar no meu potencial.

Vivo hoje com apenas o sentimento de gratidão. Gratidão por tudo que passei, pois tudo se fez necessário para que eu chegasse a esse ponto de minha vida.

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Pamela é acadêmica de História, apaixonada por artes e se dedica ao seu primeiro livro. (Foto: Arquivo Pessoal)
Pamela é acadêmica de História, apaixonada por artes e se dedica ao seu primeiro livro. (Foto: Arquivo Pessoal)
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