ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MARÇO, SEGUNDA  18    CAMPO GRANDE 27º

Comportamento

Pessoas ensinam que imperfeições estéticas não são marcas para esconder

Elverson Cardozo e Ângela Kempfer | 30/07/2013 06:04
Felipe Augusto da Silva, de 29 anos, e a "barata no pescoço".
Felipe Augusto da Silva, de 29 anos, e a "barata no pescoço".

Felipe Augusto da Silva, de 29 anos, hoje mora longe, na Irlanda. Mas por onde passa é reconhecido pelo sinal de nascença, uma pinta no pescoço. Durante 8 anos viveu em Campo Grande e, apesar da piadinha de sempre "tem uma barata no seu pescoço", a pequena imperfeição nunca incomodou.

“Percebi que gostava e achava descolado quando comecei a ir em festas e baladas, e em qualquer lugar me viam pela marca. Sempre achei muito bom ser identificado por algo meu, único”.

Ele garante que nunca se sentiu diferente por ter a marca, mas “um pouco exclusivo”, independente da localização geográfica. “Aqui (Irlanda) não foi muito diferente na verdade. Alguns acham que é charmoso, outros fazem as mesmas piadas só que em inglês”, ri.

Para Juliana Paula, de 31 anos, a relação com a pinta preta no rosto sempre foi bem complicada. Ela trabalha em uma padaria há 9 anos, o primeiro emprego e também a primeira exposição mais intensa de uma característica “chata”, na opinião dela. “Não adianta o que eu falo, se a pessoa nunca me viu, sempre fica vidrada na pinta”, diz mostrando a mancha na bochecha direita, do tamanho de uma impressão digital.

Quando era pequena, tentou raspar a marca com lâmina de barbear, de tanto ouvir piadinhas na escola. “Minha mãe me flagrou na hora. Chorei muito, mas depois resolvi conviver com ela pensando que era um talismã, que dava sorte”. Ainda hoje fotografias não são bem vindas, mas não pela marca, garante ela.

“Tenho um emprego que lida com muita gente, se tivesse vergonha dela, nem estaria aqui. Tem coisas que são para ser nossas, não dá para lamentar a vida toda”, ensina ao lembrar que conheceu o marido justamente por conta da dita cuja. “Ele chegou dizendo que não conseguia tirar o olho da pinta. Primeiro achei ruim, mas ele ficou tão sem graça, tentou me agradar tanto, que acabou me ganhando”, lembra.

O pé diferente de Fabiana.
O pé diferente de Fabiana.

Com mais ou menos 6 anos, Fabiana Silvestre descobriu, durante o banho, que havia algo diferente no pé ao comparar com a pegada impressa no chão. “Olhei para o tapetinho do banheiro e notei que no pé esquerdo, a pegada era incompleta”. Um dos dedos nasceu fora do lugar, encavalado.

Hoje, a jornalista encara a situação com a maior naturalidade, faz piada da pequena imperfeição e conta tudo com muita segurança, mas, na época, foi um “Deus nos acuda”. A mãe precisou intervir.

“Ela falou: Calma filha, isso é sua marquinha. Nunca vou te perder”. O alento, claro, não convenceu e, na adolescência, a menina viveu a fase da vergonha. Ficou anos sem usar rasteirinhas. “Achava horrível. Bem, mas bonito não é mesmo”, reconhece, sem traumas.

Sem muita alternativa, ela deixou a vergonha de lado. Hoje exibe a pequena imperfeição "sem nóias", de chinelo ou sandália, sem preconceitos. Arrisca dizer que a falha no dedinho, a exemplo de outros “imperfeitos”, a torna única. E tem mais: Apesar dos indiscretos, disse, nem todo mundo anda assim, olhando e reparando o pé dos outros. O ex-namorado era um dos que achava graça, mas ela pensava: “vou fazer o que? Nada né?”

Fabiana, depois de tanto sofrer, descobriu que deixar os dedos livres, soltos, era, nas palavras dela, “uma delícia”. “Comecei a exercitar isso, comprando outras sandálias e rasteirinhas”, revelou, ao dizer que foi assim, encarando a própria reprovação, que se deu conta que tudo estava ótimo.

Maria Helena convive Há 9 anos com o vitiligo, o que não impede dela aparecer na primeira fila do coral de servidores de MS.
Maria Helena convive Há 9 anos com o vitiligo, o que não impede dela aparecer na primeira fila do coral de servidores de MS.

Nem ti ligo –“ A funcionária pública Maria Helena da Silva, tem 47 anos e há 9 convive com o vitiligo, doença não-contagiosa caracteriza pela perda de pigmentação natural da pele. A descoberta foi em 2004, quando a primeira “mancha” apareceu na boca.A mulher foi ao médico, ouviu que “não era nada”, mas, tempos depois, percebeu que os braços também estavam ficando manchados. Retornou ao consultório e, ao contrário do primeiro diagnóstico, foi informada de que estava com vitiligo.

“No começou eu falei que não queria viver nem mais um dia porque, pouco antes disso acontecer, eu vi uma menina com vitiligo na Praça Ary Coelho que foi chamada de vaca por quatro rapazes. Eles riam tanto dela que eu falei que não queria nunca ter essa doença. Pouco tempo depois isso aconteceu comigo”, contou, acrescentando que ficou, por muito tempo, traumatizada.

Abalada, Maria Helena passou a ser acompanhada por uma psicóloga e, por dois anos, fez uso de medicação controlada contra a depressão, mas a angústia, felizmente, foi embora.

Em um das consultas com o médico, ela ouviu uma palavra reconfortante que, no fundo, só agora ela percebe, fazia todo o sentido. “Ele falou: ‘você tem que pensar que nunca vai morrer por causa disso. O duro são aquelas pessoas que estão condenadas à morte e que, mais dias, menos dias, vão morrer e sabem que não tem cura’”.

O choque de realidade foi suficiente para que ela se reerguesse. Hoje, a mulher não se incomoda com a doença, com os olhares de espanto, de dó ou medo, e brinca que para o vitiligo diz: “nem ti ligo”. E ela não liga mesmo. Há mais de 12 anos, Maria Helena ocupa a primeira fila do Coral dos Servidores Públicos de Mato Grosso do Sul. Canta para plateias lotadas e, como está na frente, sempre fica em evidência.

No trabalho, lida diretamente com o público, todos os dias. Entre outras funções, costuma fazer atendimento na fila da Funtrab (Fundação da Trabalho do Estado). Apesar da “blindagem”, a mulher conta que, como as manchas se espalharam e já o rosto, ela ainda lida com situações desagradáveis.

“O rosto é seu cartão de visitas, então as pessoas caem em cima, ficam olhando. Tem gente, quando você dá a mão, puxam com medo de pegar doença. Ficam perguntando se é transmissível”, disse.

Apesar das situações desagradáveis, provocadas pela indiscrição de alguns, a funcionária pública reitera, brincando, mas séria, que nem liga para o vitiligo. “Se me aceitar assim, tudo bem. Se não, eu viro as costas também. Sei virar as costas.”, enfatiza.

Nos siga no Google Notícias