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Comportamento

Racismo faz mulherada negra perder fé até em relacionamento amoroso

Hora de ser apresentada para família do namorado branco é traumática, isso quando eles têm coragem de oficializar relação

Thaís Pimenta | 26/07/2018 09:04
Afrodite, Luciana e a sua filha que compartilharam suas experiências e suas vivências em relacionamentos. (foto: Thaís Pimenta)
Afrodite, Luciana e a sua filha que compartilharam suas experiências e suas vivências em relacionamentos. (foto: Thaís Pimenta)

Das dores e alegrias de ser uma jovem branca, de classe média, que viveu a infância em uma família, mesmo aos trancos e barrancos, eu sei dizer. Como milhares de outras meninas, sofro com o machismo todos os dias, opressor e ditador de regras. Mas é só isso que posso contar como mulher.

Ontem, durante evento do Dia da Mulher Negra, descobri que ser mulher branca é até fácil, me vi como privilegiada, diante das decepções da mulherada preta, inclusive, em relacionamentos amorosos. Ainda hoje, o dia de conhecer a família do namorado branco faz uma negra tremer. 

Não é segredo nenhum que os corpos delas são sexualizados de maneira desrespeitosa. Corpos que carregam um histórico de estupros por homens brancos, fetichização na mídia, em festas populares como o Carnaval e preconceito pela sensualidade que "serve pra uma noite só". Não é a toa que foi difícil ali encontrar mulheres que já haviam vivido relacionamentos de respeito. 

Anna Beatriz, de 22 anos, não teve um relacionamento sério até hoje por receio de se machucar.
Anna Beatriz, de 22 anos, não teve um relacionamento sério até hoje por receio de se machucar.

Anna Beatriz, de 22 anos, é um destes casos. "Dos poucos relacionamentos que tive, nenhum foi o suficiente para eu querer me assumir como namorada. Falando em relacionamento interraciais a cor da minha pele impacta. Os dois têm que ter muita coragem para se assumir e eu não sei até que nível eu estou disposta a isso, e nem um possível parceiro meu", diz ela.

E tem mais, para ela vale dizer que não é fácil nem mesmo assumir relacionamento com um homem que tenha o mesmo tom de sua pele. "Porque pra ele também é mais fácil se relacionar com uma branca. É mais bonito e chega a ser motivo de orgulho, algumas vezes, apresentar uma namorada branca para a família".

A poeta Afrodite, de 20 anos, consegue ver essa problemática além de seus relacionamentos. "No meu lar tenho minha mãe como referência de mãe e pai, e muitas vezes as mulheres negras são a única estrutura de seus filhos. Sempre me perguntei o porquê da ausência e tem a ver com a solidão da mulher negra. Consigo enxergar que hoje a ausência afetiva deve ter sido dolorida pra ela e como isso reflete em nós, que somos sempre preterida na vida", comenta ela.

A respeito de suas vivências ela é categórica: "A pessoa negra vai sair sempre machucada em relacionamento interraciais, vai doer sempre mais pra ela. Como mulher, a gente é sempre trocada por uma mulher branca, o que nos faz refletir se não merecemos ser amadas ou se devemos aprender a lidar com a objetificação porque gente é vista como objeto sexual".

 

Durante o evento aconteceram apresentações de roda de capoeira de mulheres, exibições de peça teatral e apresentação musical. (Foto: Thaís Pimenta)
Durante o evento aconteceram apresentações de roda de capoeira de mulheres, exibições de peça teatral e apresentação musical. (Foto: Thaís Pimenta)

Luciana Ferreira, de 26 anos, fala de duas experiências, o primeiro casamento com um homem preto e o segundo e atual casamento com um homem de família branca e pele mais clara. "Você nota a diferença por mais que a família do meu atual esposo não seja racista. Era mais fácil o tato com a família do meu ex-marido, pai da minha filha, era bem aceita. O impacto que nós causamos ao chegar em uma família, eu uma negra, tatuada, de cabelo solto crespo".

Hoje em dia elas não sofrem mais com isso, mas no passado, quando a informação não era tanta, doía sim. "Hoje a gente entende e sabe lidar, responder à altura. Mas assumo que no passado isso me machucou em vários momentos. Ontem mesmo um cara chegou pra mim e disse: 'nossa, você é negra e é linda', e eu respondi: 'o que é que tem a ver?'''.

Mesmo tendo uma história bonita pra contar, Luciana viveu momentos em que não era assumida nem mesmo por parceiros negros, mesmo caso de Anna. "Você é sempre aquele rolinho de depois da festa, o 'eu sou resevado', 'te pego mais tarde, meia noite' e ele nunca fala em namoro. Aí depois que você termina com ele você vê ele com uma branca na rua. Isso a gente nota pelos famosos negros quando ficam ricos, escolhem uma branca".

Para elas a solução é se fortalecer nos seus iguais. "Dividir essas vivências, se fortificar, saber lidar e conseguir dividir com pessoas que passam pelo mesmo que você", completa Afrodite.

Direto de Cabo Verde, as amigas Bruna Monteiro e Delnice Rocha que estão no Brasil para estudar, disseram nunca ter passado por nenhuma situação diferente porque em seu país de origem a cor da pele preta é maioria. "Então é todo mundo igual", diz Bruna.

Em Campo Grande nenhuma das duas chegou a se relacionar mais intimamente com um parceiro mas ao se depararem com a discussão e com as diferenças sociais no Brasil, ficaram até um pouco chocadas. "Eu espero que se acontecer comigo eu tenha a força de não me submeter a essa situação. Se eu notar que um homem não vai me assumir espero conseguir enxergar isso e ir embora mas sei que na prática é difícil enxergar sob a ótica de quem está fora do relacionamento", completa Delnice.

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