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Comportamento

Sem desistir do amor, há 1 ano mãe vê filha perder fala e movimentos

Léia acompanha de perto Juju, que há 1 ano e 6 meses sofreu um acidente neurológico irreversível, interrompendo vários sonhos

Raul Delvizio | 18/01/2021 07:58
Mãe não desiste do amor, mesmo que a doença rara tenha mudado os planos de vida (Foto: Henrique Kawaminami)
Mãe não desiste do amor, mesmo que a doença rara tenha mudado os planos de vida (Foto: Henrique Kawaminami)

A mãe Léia Francisca de Araujo e sua filha Juliane sempre foram melhores amigas uma para a outra. Faziam tudo juntas e até compartilhavam sonhos. Para a menina, o maior deles era o de entrar na sua festa de 15 anos vestida como debutante, mas calçando um confortável par de tênis All Star. Ainda, o de se tornar uma médica veterinária de sucesso, sem nunca largar o lado "moleca" do escotismo e da paixão pela dança da capoeira.

O que ninguém imaginava, entretando, é que um acidente neurológico interromperia tantos planos de vida divididos entre mãe e filha.

Vítima de uma doença neurológica rara, "Juju" não fala ou se movimenta mais. Perdeu a independência assim como sua autonomia, e está – desde então – confinada a uma cadeira de rodas. A futura debutante de 14 anos voltou a ser "um bebê", nas palavras da mãe.

Para a mãe, Juju continua sendo sua "princesa" (Foto: Henrique Kawaminami)
Para a mãe, Juju continua sendo sua "princesa" (Foto: Henrique Kawaminami)

Porém, se o amor tudo cura, o de Léia permaneceu sendo o seu maior alicerce. "Não consigo ver a Ju de uma maneira diferente. Sei que ela ainda está lá dentro. No exterior, a sua aparência mudou, é claro, mas procuro sempre focar no seu sorriso. Essa imagem segue sendo minha melhor companheira".

"Ju foi um milagre de Deus", afirma a mãe e dona de casa de 41 anos sobre a filha estar viva. Ao lado do marido Antonio Regivan – mais conhecido pelo apelido de "Ivan" –, funcionário de um frigorífico da Capital, os dois sabem bem o que "milagre" quer dizer. Ninguém da equipe médica escondeu aos dois sobre a gravidade do quadro da filha: "ela pode partir a qualquer momento", relembram.

Léia ajuda a filha a fazer "coraçãozinho" com as mãos (Foto: Henrique Kawaminami)
Léia ajuda a filha a fazer "coraçãozinho" com as mãos (Foto: Henrique Kawaminami)

Em 21 de agosto de 2019 a vida da família mudou da água pro vinho. Cerca de 48 horas antes, era para ser um dia como qualquer outro. Juju foi para a escola e de lá nunca mais voltou a mesma. No início da semana, a menina reclamou de uma forte dor de cabeça que piorava conforme os dias iam passando. Porém, naquela manhã, ela tinha acordado mais disposta e foi para a aula normalmente.

Quando a diretora da escola ligou para Léia dizendo que a filha tinha desmaiado e estava desacordada, foi uma surpresa. "Mas achei que fosse o fato de ela não ter tomado café da manhã", julgou. À época, a mãe fazia curso técnico de enfermagem – o que ela acredita ser um "preparo" para o que viria a ser sua atividade principal. Só não sabia que sua filha seria a "paciente".

Ao chegar no local, encontrou Juju com a pupila completamente dilatada e sofrendo convulsões frequentemente. "Eu sabia que era grave, mas também sabia que precisava ser forte e manter a calma", disse Léia. O socorro levou 30 minutos para chegar, e foram direto para a Santa Casa de Campo Grande. "Foi aí que a ficha caiu e desesperei: minha menina estava entre a vida e a morte".

Casa adaptada para os cuidados especiais da filha (Foto: Henrique Kawaminami)
Casa adaptada para os cuidados especiais da filha (Foto: Henrique Kawaminami)
Colada na parede, imagem de Juliane com 5 aninhos (Foto: Henrique Kawaminami)
Colada na parede, imagem de Juliane com 5 aninhos (Foto: Henrique Kawaminami)

Foram 3 meses de hospitalização, sendo que as primeiras 24 horas foram decisivas, assim como as que se seguiram. Léia e Ivan foram informados que Juliane tinha uma condição congênita chamada MAV (malformação arteriovenosa), que consiste na ligação anormal de veias e artérias.

Por terem pressões incompatíveis e carregarem sangues de diferentes usos (com ou sem oxigênio), a ruptura desse "emaranhado" é iminente, e o paciente com MAV não possui a rede de capilares que serve de amortecimento. Podendo desenvolver em qualquer parte do corpo, ocorre mais frequentemente na medula espinhal e no cérebro – justamente o caso da menina.

Além das fotografias, tatuagem também simboliza amor eterno de mãe pra filha (Foto: Henrique Kawaminami)
Além das fotografias, tatuagem também simboliza amor eterno de mãe pra filha (Foto: Henrique Kawaminami)
Aqui, o pai Ivan mostra uma das imagens de Juju ainda pequena (Foto: Henrique Kawaminami)
Aqui, o pai Ivan mostra uma das imagens de Juju ainda pequena (Foto: Henrique Kawaminami)

A primeira cirurgia de Juju demorou 5 horas, e na sala de espera todo mundo aguardava aflito. "Foi o que me deu forças, o amor de Deus e o da família. A lesão era grande e o sangramento constante. Ninguém dormiu naquela noite. Tinha medo do celular tocar e eu receber a notícia que não queria ouvir", confessa.

Segundo a mãe, pela medicina a filha "vegetaria", mas já após a operação a pupila de Juju regrediu e até certos movimentos corporais eram observados – um milagre até para a equipe médica. Passaram-se 16 dias em que a menina ficou internada na UTI (unidade de terapia intensiva) em recuperação, até que ela desenvolveu uma infecção pós-cirúrgica. Isso sem falar posteriormente no quadro de hidrocefalia. "Todo mundo me dizia: reze, porque vai precisar. Em todos aqueles momentos, a fé me bastava", considerou.

Mesmo com as adversidades da vida, ainda sim Léia confirma: "Deus é bom o tempo todo" (Foto: Henrique Kawaminami)
Mesmo com as adversidades da vida, ainda sim Léia confirma: "Deus é bom o tempo todo" (Foto: Henrique Kawaminami)

O acidente neurológico aconteceu em agosto. Passados 2 meses, veio a tão sonhada cranioplastia, porque Juju havia ficado com uma deformação na estrutura óssea da cabeça – um "buraco". Porém, após tentativa de se preencher o defeito, ela adquiriu rejeição do material e corria sério risco de uma nova infecção. Com a falta dessa "tampa" protetora, a menina passa pela chamada síndrome do trefinado, condição que cada vez mais agrava seu déficit motor, cognitivo e linguístico.

"É uma corrida contra o tempo para solucionar o problema. Me informaram que a única possibilidade seria um a de um material totalmente novo, específico para o caso dela, mas que custaria R$ 100 mil. É um batalha para conseguirmos, mas estamos com uma vaquinha virtual e, se Deus permitir, há de ser possível concluí-la", acredita a mãe.

Pais de Juju, Léia e o marido Ivan ao lado da filha (Foto: Henrique Kawaminami)
Pais de Juju, Léia e o marido Ivan ao lado da filha (Foto: Henrique Kawaminami)

Vida paralisada – Não tem mais saidinhas em família, churrasco aos finais de semana ou aquela cervejinha para descontrair. "Só se for sem álcool. Porque nossa dedicação é exclusiva para ela", revelam os pais. A casa que todos vivem no Jardim Itália sofreu adaptações radicais justamente para propiciar um pouco mais de conforto à Juju – de cama hospitalar à aparelhos e outros itens necessários aos seus cuidados. Agora, a menina dorme no mesmo quarto de Léia e Ivan, que agradecem por ainda poderem compartilhar presencialmente o amor e o carinho sem igual à filha – e não por meio das orações ou visitas a um jazigo.

Mesmo sem que ela responda verbalmente, Léia conversa diariamente com a filha, assim como eram em outros tempos (Foto: Henrique Kawaminami)
Mesmo sem que ela responda verbalmente, Léia conversa diariamente com a filha, assim como eram em outros tempos (Foto: Henrique Kawaminami)

"Não é fácil. A gente conta com a ajuda de todo mundo, porque se depender do governo não vai pra frente nunca. Somos obrigados a ter consulta particular que sai em torno de R$ 400, além de sessões periódicas de fisioterapia e fonoaudiologia, porque nada disso o SUS não cobre", ressalta.

E acrescenta: "claro que vira e mexe tem aqueles curiosos de plantão ou os que ficam nos julgando: 'como que vocês podem agradecer à Deus por ter uma filha nesse estado?'. A essas pessoas que compartilham a dó, piedade mesmo, a gente dispensa. O que a gente precisa é respeito. Minha filha nasceu com isso, e não temos que ficar procurando por um culpado".

Ter a filha viva é "mais um motivo de sorrir", diz o pai coruja (Foto: Henrique Kawaminami)
Ter a filha viva é "mais um motivo de sorrir", diz o pai coruja (Foto: Henrique Kawaminami)

Léia admite que tem vezes que é difícil assimilar tudo. "Tem dias que a tristeza bate, e não vou mentir para você que desejo muito ouvir ela me responder, falar comigo, ou sair da cadeira de rodas, ficar em pé novamente. Já acordei pensando que tudo não passava de um sonho. Mas é que eu acredito em milagres, e isso não é um problema. Sei que o aconteceu com minha Juju nunca vai passar, mas o sorriso dela, o brilho que tem no olhar, isso já me conforta", garante.

E os papéis se inverteram: antes, era Juliane o "chicletinho" na vida de Léia e Ivan, super carinhosa e amável; agora, são os pais que não largam a filha "do pé", com muitos abraços, beijinhos e carícias que revelam um amor incondicional e uma alegria de estarem juntos.

"Amor incondicional, não tem outra palavra que descreva o que eu sinto" (Foto: Henrique Kawaminami)
"Amor incondicional, não tem outra palavra que descreva o que eu sinto" (Foto: Henrique Kawaminami)

Sobre a "missão" que é cuidar de uma filha nessas condições, todo dia vem um novo aprendizado, especialmente quando se trata de saber absorver o importante e descartar o desnecessário.

"O melhor remédio para ela é a idade, o passar do tempo. Mesmo que o sonho dela de algum dia se tornar veterinária ou até mesmo de dançar na sua festinha de debutante não seja mais possível, ainda sim existe futuro. Existe vida. Na crença e espera de Deus, tudo é possível. E para a minha filha, seu aniversário vai ter vela e bolinho, sim. Vamos assoprar por ela e com ela, nossa maior forma de agradecimento", finalizam.

Para ajudar a família, doações podem ser feitas para a conta da Caixa de Léia: Agência 3455 (013) / Conta Corrente 21290-8. CPF número 822.439.561-87.

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