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Comportamento

Uma grande história de amor que a literatura guardou para todos nós

Andrea Brunetto* | 05/10/2014 08:45
A região da Bretanha vista do mar. (Foto: Fernanda Zacharewicz)
A região da Bretanha vista do mar. (Foto: Fernanda Zacharewicz)

Ele já tinha sessenta e um anos e ela muitíssimo menos. Trocaram correspondências durante dois anos. Ela escrevia muito bem, ele se encantava com suas cartas, com a poesia que ela lhe enviara, com o beijo que ela lhe pedira.
Ele fantasiava como seria o encontro com essa moça jovem, cheia de alegria, de ânimo, entusiasmo em conhecê-lo, que escrevia para ele cartas tão apaixonadas. E se encontram em uma pequena cidade nos Pirineus, no sul da França, em uma estalagem. Ele casado, escondido de todos, marcou o encontro. Ele não diz que foi assim, escreveu a ela que estaria em tal dia em tal lugar. Precisa mais para uma mulher apaixonada?

Ela vai. Sobem as escadas e conversam muito em um quarto. Trocam beijos, carícias. Ele percebe cada vez mais que a história não pode continuar, não pode ser. Diz isso a ela. Como toda mulher, ela não se deixa ser convencida, ela o quer, é experiente na arte de tornar possível o impossível. Desfaz todos os impedimentos que ele mostra para ela. Sou muito velho. Não me importa. Sou casado. Não importa, vou ser seu amor escondido. Sou casado com uma mulher rica, ela é que tem dinheiro, eu não. Ela responde: não te contei a verdade, sou filha de um homem rico, não vou precisar de seu dinheiro. O que é verdade, pois ela é filha de um aristocrata de Toulouse.

Pessoalmente é mais linda do que em sua imaginação, uma graciosa e sedutora flor de um dia porque a brisa da montanha levou, ele nos conta em seu livro. A “brisa da montanha” foi a vergonha e a humilhação que sentiu por estar ao lado de mulher tão jovem. Sua sensação de velhice aumentou: não posso suportar que ela entre em minha mísera casa. Foge. Escolhe viver como um insensato, pensando nela.

Ela o quer, a esse homem tão famoso, escritor tão conhecido, uma celebridade na virada do Século XVIII para o XIX. Um embaixador francês que correu o mundo em uma época em que o mundo era muito maior e longínquo, sem aviões, nem emails, iphones ou skype.

Muito provavelmente a moça jovem se encantou com o homem mais velho, bem sucedido. Assim dizem os comentadores literários dessa história. Ele vai escrever sobre ela em seu livro de memórias, que estou lendo agora. É um calhamaço de vários volumes, a história que viveu com a occitaniana está no terceiro volume. Mas eu tenho outra opinião. Enxergo esse romance do ponto de vista feminino.

Ele escreveu sobre sua juventude de homem pobre, um pobre bretão desconhecido – isso à época era como dizer um caipira, um interiorano – que esperava reconhecimento literário dos parisienses. Sobre o esnobismo dos parisienses não preciso contextualizar. Do século XVIII aos dias de hoje não mudou muito.

Ele escreve sobre o amor e sobre sua busca de uma mulher que seria diferente de todas as que conhecera até então. “Eu criei uma mulher para mim, em minha cabeça, e agora a procuro.” Descreve sua musa ao estilo de uma deusa grega, um pouco Afrodite, Diana, mas uma forasteira, “Chamava por ela como a um ser real, cheia de juventude, com os olhos de uma mulher do povo”. Era esse o seu fantasma de amor, assim ele o chama. E procurará essa mulher em todas, de todos os lugares por onde andou.

A jovem occitaniana quis ser essa mulher para ele e talvez por isso tenha escondido que não era pobre, pois ela construiu para ele, nas cartas, a imagem de uma moça do povo, simples. Ela quis realizar o fantasma de amor desse homem. Seria essa uma forma de amar das mulheres? Nesses labirintos dos livros, em que um leva a outro, a outro, a outro, diz atrás me deparei com o depoimento dela do que foi esse romance. Mas, por enquanto, vou deixar vocês na curiosidade.

L´Occitania foi nação sem Estado na Europa do Século XVIII, hoje incorporada ao sul da França; compreende vários Estados, alguns mais conhecidos como Provence, Languedoc e chegando até o Vale de Aran, na Catalunha. Assim, ela falava outra língua que a dele, o occitano, hoje falado só pelos mais velhos. Ele é René de Chateaubriand, nascido em Saint-Malo, na Bretanha. Hoje, norte da França.

Comecei a conhecer essa história com o filme francês L´Occitanienne ou O último amor de Chateaubriand. Em função desse filme, comecei a ler a obra de Chateaubriand. E por isso fui há dois meses, conhecer sua cidade, Saint Malo e sua região amada, a Bretanha. Onde, escreveu ele, a lua encontrava a terra se deitando com o mar. E eu vi isso que ele escreveu no Século XVIII contemplando a Costa Esmeralda. Este encontro da terra, da lua e do mar está lá, na Bretanha, ainda hoje.

Por que ando escrevendo tanto sobre o amor? O encontro nacional da escola de psicanálise que participo será, pela primeira vez, em Campo Grande. Em novembro. E o tema é Amor e sexos. Então, já aviso: daqui até novembro, aguentem-me a escrever sobre o amor. Mas semana que vem escreverei sobre o sexo.

*Andrea Brunetto é psicanalista e colaboradora do Lado B.

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