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Comportamento

Vizinha de obra, senhorinha faz mais que um amigo ao abrigar haitiano sorridente

Paula Maciulevicius | 27/01/2016 06:47
Dona Neusa estendeu a mão para um desconhecido na rua e o transformou, praticamente, em filho. (Foto: Pedro Peralta)
Dona Neusa estendeu a mão para um desconhecido na rua e o transformou, praticamente, em filho. (Foto: Pedro Peralta)

Os últimos 30 dias foram de aprendizado para a senhorinha que resolveu estender a mão para quem encontrou na rua. A casa simples do bairro Rita Vieira ficou iluminada pelo sorriso de Joseph e pelo coração aberto de dona Neusa. Ela, vizinha da obra onde o rapaz trabalha como pedreiro. Ele, haitiano que chegou a Campo Grande e tentava, há dois anos, trazer parte da família para cá.

Dona Neusa Soares de Oliveira tem 69 anos, é dona de casa e nunca tinha entrado em contato, até então, com alguém de tão longe. A distância não é só geográfica e nem cultural, mas de vida e principalmente, no modo de ganhar o pão de cada dia.

A comida em casa é feita só no almoço e na rotina dela, o jantar sempre é um lanche mais leve. Como sobrava nas panelas, ela passou a oferecer aos pedreiros que trabalham na obra da esquina da casa. Mas ouviu deles que a comida seria mais bem-vinda pelo haitiano, que na certa, era quem mais precisava.

Joseph está há 2 anos em Campo Grande e tentava trazer a esposa para cá. (Foto: Pedro Peralta)
Joseph está há 2 anos em Campo Grande e tentava trazer a esposa para cá. (Foto: Pedro Peralta)

"Aí eu fazia e levava para ele. Dizia para ele jantar, mas ele falava que não, ia comer aquela hora mesmo. Ele estava com fome. É muito sofrida a situação de quem vem de lá", conta.

A primeira vez que viu Joseph, dona Neusa já sentiu um aperto. Ele estava esticando fios na rua. "Deus tocou no meu coração. Eu pedia para que ele escolhesse, apontasse a quem eu poderia fazer o bem", explica Neusa. "Aí peguei essa missão", completa.

Com o pagamento semanal, Joseph se dividia entre custear a casa alugada aqui, mais as contas, que saíam por volta de R$ 400 e enviar dinheiro para trazer a esposa ao Brasil. Foram pelo menos três tentativas. "Conheci ele passando na frente de casa, como ele ainda não tinha conseguido trazê-la, eu falei: você se muda para cá até ela chegar e pega esse dinheiro do aluguel para mandar", narra a dona de casa.

De início, os filhos ficaram um tanto receosos com as portas da casa da mãe abertas para um, até então, desconhecido. Mas foram convencidos pelo argumento da mãe. "È uma ajuda e ele jamais faria algo vindo de um lugar tão sofrido", sustentou Neusa. A corrente do bem alcançou amigos da Igreja Adventista, onde ela frequenta, que trouxeram sacolão e também arrecadaram dinheiro para a viagem da esposa de Joseph.

Sorridente, ele agradece o carinho e chama Neusa de 'mi mãe'. (Foto: Pedro Peralta)
Sorridente, ele agradece o carinho e chama Neusa de 'mi mãe'. (Foto: Pedro Peralta)

A esposa veio com a filha caçula, de 1 ano e 9 meses, que nem conhecia o pai ainda, do Chile e entrou pelo Paraguai graças à uma professora que brigou por ela na barreira. A história que chegou aqui conta que a haitiana tinha o visto do Chile até o Paraguai, mas não de lá para cá. Joseph já havia gastado, só com a documentação da esposa, mais de R$ 600,00, fora as passagens. "Queriam deixar ela lá, com um bebê", conta Neusa, indignada.

No dia em que a família chegou, Joseph foi internado na Santa Casa, depois de um acidente de trabalho com uma maquita. Passou quase uma semana no hospital. Neste meio tempo, a esposa e a filha foram recebidos na casa de Neusa, que aproveitou para limpar e lavar toda a roupa do hóspede. "Deixei tudo limpinho. Na volta, ele me agradeceu falando 'mi mãe'. Eles têm muita gratidão, por tudo", ressalta a dona da casa.

Sem Joseph Sylvain tem 39 anos e um sorriso aberto de quem escolheu viver, apesar de tudo caminhar para o contrário, feliz. No Haiti, deixou ainda um casal de filhos com a cunhada, para quem manda dinheiro todos os meses. Da diária de R$ 100 paga na obra onde ele trabalha no momento, parte do valor é convertido em dólar. Em Campo Grande, ele veio em busca de uma vida melhor, já que tinha primos e um irmão que tinha conseguido.

Sobre a bondade e a hospitalidade a ele oferecida, ele diz que encontrou pessoas muito boas aqui. A língua materna é o francês, mas a convivência de dois anos já transformou aportuguesou as palavras. Ora a pronúncia sai mais para o espanhol, ora demonstra um português fluente.

Em relação ao sentimento de conseguir trazer a família para perto, ele resume numa só palavra: alegria. "Tinha dois anos e seis meses que eu não via", diz. O sonho de construir uma vida na Capital está começando a ser realizado. Ele já conseguiu uma pequena moradia alugada para instalar mulher e filha, mas ainda falta toda a mobília e os utensílios: geladeira, fogão, armário, máquina de lavar.

A profissão de Joseph é carpinteiro e dos bons. Ele se oferece também para montar e desmontar móveis. Quanto ao carinho recebido, ele diz que acredita que "pessoas boas podem fazer isso", no caso de colocar um desconhecido dentro de casa. "Pelo cuidado, ela é mi mãe", brinca.

O sorriso não sai do rosto nem na hora de narrar que, quando saía para trabalhar, deixava a comida na panela, pela falta de geladeira, e que comia na volta, mesmo 'azeda'. "Não pode ficar triste, quem está com Dios é alegria".

E o que dona Neusa aprendeu com tudo isso? "Aprendi que você pode ajudar sempre". E a ajuda é muito bem-vinda agora com móveis para casa, doação de roupas e um emprego. O contato de Joseph é o 9655-5006.

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*Esta é uma sugestão de pauta da amiga, leitora e jornalista Carmen Cestari.

O sorriso não lhe sai do rosto, porque acredita que quem tem 'Dios', tem alegria. (Foto: Pedro Peralta)
O sorriso não lhe sai do rosto, porque acredita que quem tem 'Dios', tem alegria. (Foto: Pedro Peralta)
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