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Comportamento

Uma cidade clandestina, com 2 nomes, complica a geografia na fronteira com MS

Elverson Cardozo | 18/04/2012 09:35
Entrada do vilarejo mostra única igreja da região. Missa acontece uma vez ao ano. (Foto: Marlon Ganassin)
Entrada do vilarejo mostra única igreja da região. Missa acontece uma vez ao ano. (Foto: Marlon Ganassin)

A dificuldade em descobrir qual cidade faz fronteira com Aral Moreira, município a 402 quilômetros de Campo Grande, fez o Lado B cruzar a fronteira. A região agora é famosa por ser a terra do vencedor do BBB 12, Rafael Cordeiro.

No mapa não existe indicação sobre a vizinha de Aral Moreira. A informação não aparece nem na internet. A opção foi perguntar aos aralmoreirenses. Alguns afirmam que a comunidade é clandestina e, por isso, não consta nos registros geográficos.

Tem quem chame o local de colônia. Fora a confusão com a nomenclatura, o nome muda de morador para morador. "Cerro 21" é o mais comum, mas “Nova Virgínia” também figura entre as definições.

Nosso destino fica na chamada “fronteira seca”. É só atravessar a rua para estar em território paraguaio. Um dos acessos ao local é pelo trevo Maria Clarinda Pereira – ponto onde a cidade brasileira termina.

Para chegar é preciso percorrer um caminho de aproximadamente 2 quilômetros. À primeira vista, o trajeto não parece ser tão receptivo. Fora o mato alto, a poeira vermelha que sobe da estrada de chão é quase um atrativo. A placa na entrada anuncia o “Puesto Militar Cerro 21”.

Brasiguaios na colônia de 2 nomes. (Foto: Marlon Ganassin)
Brasiguaios na colônia de 2 nomes. (Foto: Marlon Ganassin)

Departamento de polícia tem. Mercado, praça e mais de uma rua, não. A “cidade” começa e termina na linha internacional. Rota de caminhões e caminho para a cidade de Capitan Bado, no Paraguai. “São 6 famílias”, explica Gládis Romeiro, de 29 anos, nascida em Aral Moreira, mas criada no Cerro 21.

Gládis tem as duas nacionalidades e fala tanto o Português como o Guarani. Há 4 anos trabalha no serviço de limpeza da Iagro (Agência de Defesa Sanitária, Animal e Vegetal) em Aral Moreira.

Brasiguaias, as duas filhas dela foram são criadas no vilarejo. Se quiser divertir, conta a mãe, precisam ir para Aral Moreira. A mais nova, Lary Gabrielli, de 12 anos, não gosta do Cerro 21 “porque não tem lugar para brincadeiras”.

História- A mãe de Gládis, Bernardina Romeiro, de 60 anos, foi uma das primeiras moradoras. No início, relembra, era “só umas duas ou três casas”. Paraguaia legítima, a mulher recorrer à filha para dar entrevista.

No papel de tradutora, ela explica que tem algumas palavras do português que a mãe não sabe falar. “Tem coisas do Guarani que eu também nãos sei traduzir”, disse.

“Minha terra é aqui no Paraguai”, diz dona Bernardina, mãe de Gládis.(Foto: Marlon Ganassin)
“Minha terra é aqui no Paraguai”, diz dona Bernardina, mãe de Gládis.(Foto: Marlon Ganassin)
Gládis tem as duas nacionalidades. Fala o Guarani e o Português. (Foto: Marlon Ganassin)
Gládis tem as duas nacionalidades. Fala o Guarani e o Português. (Foto: Marlon Ganassin)

No Cerro 21, Dona Bernardina mora desde 1980. Gosta da região em que vive, apesar das dificuldades. “Minha terra é aqui no Paraguai”, disse. Na cidade não existe água encanada. Um poço artesiano é o que abastece toda a localidade.

A história – com ares de lenda – diz que um fazendeiro brasileiro é dono das terras permeia o vilarejo. “Dizem que ele já doou, mas ninguém corre atrás”, afirmou a filha.

Acadêmica de letras e moradora de Aral Moreira, Karolaíne Ferraz, de 19 anos, relata que a localidade existe há pelo menos 50 anos. Conta que a região “nasceu” de algumas famílias paraguaias que se instalaram por lá.

“Na época tinha muitas fazendas que cultivavam café e havia bastantes madeireiras. Então, a oferta de emprego era grande", disse.

O marceneiro Realino Gonçalves tem 36 anos e está no Paraguai há 6. Saiu de Dourados para trabalhar com o pai em uma das únicas marcenarias que sobrou no vilarejo.

Apesar do tempo, diz que tem dificuldades em compreender o Guarani. O relacionamento com os vizinhos paraguaios às vezes fica prejudicado. “Dá um trabalho entender eles”, declarou. O pai, Bonifácio Portilho, de 64 anos, domina os dois idiomas.

Karolaíne afirma ainda que na fronteira existem quatro cerros: "O 21, o Cerro Corá, Ibyjáu e Nova Jaú”. “O cerro 21 é o mais perto daqui. É o que fica na Colônia Nova Virgínia”, disse.

Religiosidade - Única igreja católica da “cidade”, a “Capilla Santa Rosa de Lima” só abre as portas uma vez ao ano. A última missa foi em agosto de 2011. Quem celebrou foi um padre da cidade paraguaia de Capitan Bado. Dá para contar os fiéis nos dedos da mão. “Uns 10, no máximo”, relatou Gládis.

"Cidade" começa e termina na linha internacional. (Foto: Marlon Ganassin)
"Cidade" começa e termina na linha internacional. (Foto: Marlon Ganassin)

A estudante Karolaíne Ferraz conta que a igreja é como um santuário. Pelo menos foi o que aprendeu com as histórias repassadas pela mãe e pela avó, que moram em uma chácara “colada” à fronteira.

“Os antigos contam que eles tinham uma visão. A imagem de um santo aparecia lá naquele lugar, por isso que construíram aquela igrejinha”, relatou, acrescentando que esse é um dos motivos para a não celebração de missas aos domingos.

Cerro 21 ou Nova Virgínia não tem cara de bairro, de cidade e muito menos de vilarejo. Não é bucólica, nem despovoada. É viva na história e nos relatos de moradores.

É a "casa" de aproximadamente 30 pessoas que, por escolha ou falta de opção, vivem com poucos recursos e tentam se adaptar todos os dias às diferenças culturais entre Brasil e Paraguai.

Cerro 21 fica na "baixada" de um morro. (Foto: Marlon Ganassin)
Cerro 21 fica na "baixada" de um morro. (Foto: Marlon Ganassin)
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