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Faz Bem!

Falar de sexo a adolescente é saúde, não estímulo à sacanagem, defende grupo

Adolescente bem informado faz escolhas responsáveis e até retarda início na vida sexual, garante estudo

Danielle Valentim | 30/05/2019 09:50
Cena da série Sex Education, exibida pela Netflix, que fala sobre as relações na adolescência. (Foto: Divulgação)
Cena da série Sex Education, exibida pela Netflix, que fala sobre as relações na adolescência. (Foto: Divulgação)

Estamos em 2019 e, ainda, é difícil falar sobre sexualidade. Além do tabu, a extensão do tema, que envolve o corpo físico e gênero rende debate a perder de vista. Um bate papo sério para reunir ideias sobre a saúde dos adolescentes reuniu muitos acadêmicos e professores numa roda de conversa da Lamsa (Liga Acadêmica Multidisciplinar em Saúde do Adolescente), na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).

O Lado B foi conferir o 2º debate sobre saúde sexual e reprodutiva do adolescente e viu fluir uma imensidão de formas de abordar o tema com as famílias, escolas ou comunidade sem que interpretações distorcidas interfiram na individualidade de cada pessoa.

Com profissionais de peso e com propriedade para esclarecer dúvidas, a conversa partiu do princípio da sexualidade ao atual cenário político em que até falar de saúde pública vira "ataque às famílias".

A professora doutora do curso de Psicologia, Sandra Maria Francisca de Amorim, pontuou que a resistência de falar sobre a sexualidade parte dos adultos e não dos adolescentes. “Até algumas décadas adolescentes matavam a curiosidade olhando pela fechadura e hoje parece que sociedade se voltou para a sexualidade do adolescente com intuito de incriminar, criminalizar. A sociedade vive numa negação absoluta de uma coisa que faz parte da vida de todo mundo e que está completamente ligada à questão da saúde. A sexualidade tem relação com transformações biológicas, questões de identidade social, de gênero, tem uma dimensão que a sociedade nega e ao mesmo tempo estimula. Daí o contraditório, não pode falar do assunto, mas estimula de todas as formas. A ideia da desconstrução é o caminho, pois quanto mais informação se tem mais saúde se garante”, pontua.

Docente do curso de Psicologia, dra. Sandra Maria Francisca de Amorim pontuou que a resistência de falar sobre a sexualidade parte dos adultos. (Foto: Danielle Valentim)
Docente do curso de Psicologia, dra. Sandra Maria Francisca de Amorim pontuou que a resistência de falar sobre a sexualidade parte dos adultos. (Foto: Danielle Valentim)

Sandra também levou ao debate contribuições de psicanalista Sigmund Freud sobre o desenvolvimento psicossexual - com início ainda no nascimento -. Um fato, que segundo ela é consoante, inclusive com o que é frisado pela OMS (Organização Mundial da Saúde): a sexualidade é parte da personalidade.

“A sexualidade não deve ser tratada como etapas, mas como desenvolvimento contínuo que vai se complementando, então, quanto mais se trabalhar com a compreensão do desenvolvimento humano, mais se fortalece e garante a saúde. Freud marca a sexualidade com partes do corpo, a fase oral, no nascimento; a fase anal de 2 a 4 anos; a fase fálica, de 4 a 6 anos. Todas ainda sem ligação com as genitálias; A fase de latência, de 6 anos à puberdade; Por fim, a fase genital, um processo que a criança caminha para a adolescência e já vai constituindo a personalidade de forma mais sólida. É neste momento que falar da sexualidade incomoda aos adultos, pois vem a preocupação, cautela excessiva, muitas vezes não é pelo adolescente, mas com a imagem que os próprios pais temem passar aos filhos. A recusa de falar sobre esses temas também reflete problemas pessoais”, disse.

Orientar é uma forma de cuidado e é preciso desmistificar a ideia errônea sobre a educação sexual. A professora ressaltou que havendo prevenção, havendo conhecimento do corpo, é possível evitar violência, gravidez e uma série de questões. No entanto, o sujeito precisa amar o próprio corpo. “Nós somos no espelho. Olhar com uma cara feia e fazer qualquer tipo de crítica, nesta fase, é trágico. Isso tem que ser muito pensado. A padronização atual aumenta o sofrimento. O adolescente já se sente estranho, quando percebe as mudanças do corpo, então, nós temos que ser espelho para que esse corpo seja bem reconhecido, independente, se gosto dele ou não”, frisou.

Como se trata de um projeto de extensão, ou seja, que ultrapassa as paredes da sala de aula, muitos alunos compartilharam na roda de conversa, alguns exemplos encontrados na comunidade. Uma das questões levantadas por um acadêmico de medicina foi a dificuldade em debater o tema junto as famílias: Como levar as famílias às UBSF (Unidades Básicas de Saúde da Família)? Ou como levar o tema aos lares?

A primeira sugestão debatida foi a de tratar a sexualidade junto ao tema saúde. Partir do princípio, mesmo que for para falar sobre higiene íntima. A segunda opção e a montagem de grupos de famílias, com horários que possibilitam a participação de quem trabalha fora. “Sempre com cuidado, pois as famílias estão se sentindo acuadas”, pontuou Sandra.

Muito se debateu sobre a participação dos agentes de saúde no trabalho multidisciplinar, já que a inclusão dos servidores facilita a forma de abordagem às famílias.

O terceiro ponto sugerido pelo médico ginecologista Ricardo Gomes e obstetra do Hospital Universitário foi a criação de um questionário, para saber o que os pais sabem e o que preferem. “Perguntas simples mesmo, como: Você já falou com se filho sobre sexualidade? Você se sente seguro em falar sobre sexualidade? Alguém já te falou que falar sobre sexualidade atrasa o início da vida sexual? Gostaria que o assunto fosse debatido nas escolas? Qual o melhor lugar para se falar do assunto? Então, mostrar dados e incluir essas família vão deixá-los menos receosos”, pontua.

A enfermeira Crislaine Nantes, Residência em Obstetrícia no HU, reforçou resultado positivo que pode ser atingido por meio de grupos. “Grupo de gestantes, até grupos de caminhada reúnem gente. Dá para anunciar a atividade e informar que após a atividade física terá uma reunião e discutir o tema de alguma forma. Sobre os agentes, o primeiro passo é capacitá-los, já que eles são o primeiro contato com as famílias”, frisa.

Coordenadora do Lamsa, pesquisadora e docente Soraya Solon ressalta a importância do envolvimentos dos alunos. (Foto: Danielle Valentim)
Coordenadora do Lamsa, pesquisadora e docente Soraya Solon ressalta a importância do envolvimentos dos alunos. (Foto: Danielle Valentim)

A coordenadora e docente do Lamsa, professora do curso de Farmácia da Facfan (Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Alimentos e Nutrição) Soraya Solon foi a última a falar. Ela reitera que a Liga também trabalha a cultura da Paz, álcool e outras drogas.

Soraya agradeceu a presença de todos e as sugestões recebidas, muitas já são colocadas em prática. No entanto, garantiu que o questionário para se aproximar das famílias será o próximo passo do grupo. “O questionário é uma coisa que a gente nunca pensou. Mas um grupo já está trabalhando o tema violência em uma catequese e outro vai iniciar contato com os agentes da UBSF do Bairro Los Angeles”, pontua.

A professora ressaltou que os trabalhos dão frutos, especialmente, o realizado nas escolas. Após uma das palestras sobre a importância do preservativo, uma aluna de 12 anos revelou a uma das acadêmicas que já havia tido a primeira relação sexual e que se preocupou após a explicação, pois não havia usado o preservativo.

O ginecologista Ricardo complementou a situação de desabafo de uma adolescente paralelo a forma como você ouve o que a jovem tem a dizer. “Quando o assunto é sexualidade a gente tem de tentar ser o mais natural possível, principalmente, porque aquele adolescente está num processo de mudança. Se não der esse oportunidade, talvez ele não tenha com quem falar”, disse.

O debate se estendeu até às 20h30 e, além da busca por táticas para levar o assunto à população e melhorar a saúde do adolescente, se baseou no relatório da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) que incentiva abordagens de educação e sexualidade.

O orientação técnica sob a ótica das melhores práticas em todo o mundo comprova que os jovens se tornam mais responsáveis nas escolhas, atrasam o início a vida sexual e reprodutiva; combate o abandono escolar por meninas em consequência de casamento precoce ou forçado, gravidez e questões de saúde de origem sexual e reprodutiva;

É necessária porque ajuda meninas a entenderem mudanças no corpo, antes desconhecidas no caso da menstruação; porque não incentiva a atividade sexual e nem o comportamento sexual de risco; reduz as infecções relacionadas a IST (infecções sexualmente transmissíveis) ou Aids. E, principalmente, porque evidências de que programas que promovem somente a abstinência sexual falham na prevenção à iniciação precoce e na redução da frequência e no número de parceiros entre os jovens.

A liga acadêmica complementa a formação universitária com atividades de ensino, pesquisa e extensão. Na UFMS, o projeto iniciou em 2012 com o nome de SPE-UFMS, em parceria com Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), com foco na educação em saúde para adolescentes em escolas públicas.

Em 2017, o grupo estruturou a Liga Acadêmica Multidisciplinar em Saúde do Adolescente, regida por um Estatuto e com o objetivo de “desenvolver ações de prevenção de agravos e promoção à saúde do adolescente, no âmbito da atenção básica em saúde”.

Atualmente, a Lamsa tem cerca de 30 acadêmicos de diferentes cursos de graduação, organizados com duas coordenadorias (docente e discente) e quatro comissões (científica, administrativa, marketing e de materiais). Os ligantes atuam 4 h semanais para atividade de campo (extensão e/ou pesquisa) e 2 h semanais em sala de aula (terças, das 17-19 h).

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Debate se estendeu até às 20h30 e, além da busca por táticas para levar o assunto à população e melhorar a saúde do adolescente, se baseou no relatório da Unesco.
Debate se estendeu até às 20h30 e, além da busca por táticas para levar o assunto à população e melhorar a saúde do adolescente, se baseou no relatório da Unesco.
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