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Meio Ambiente

No Dia da Água, o alerta sobre a culpa de cada um pela morte dos lagos

Aline dos Santos | 22/03/2019 06:14

“Colhe-se da obra do escritor inglês John Donne (1572-1331) que ‘quando morre um homem, morremos todos, pois somos parte da humanidade’. Por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti. Assim, quando morre um rio, morremos todos, pois somos parte da humanidade que necessita do ambiente equilibrado. Nesse sentido, todo dano ambiental tem âmbito mundial”. (Trecho de decisão do juiz federal Gilberto Mendes Sobrinho sobre o rio Taquari).

Assoreamento se destaca nas águas do Prosa, no lago principal do Parque das Nações Indígenas. (Foto: Gabriel Rodrigues)
Assoreamento se destaca nas águas do Prosa, no lago principal do Parque das Nações Indígenas. (Foto: Gabriel Rodrigues)

Na cidade em que lagos agonizam em morte lenta, devorados por assoreamento crônico, a dúvida se levanta, como um dedo em riste: qual a responsabilidade de cada um, já que todos somos devedores dessas águas?

Por Campo Grande, se espalham lagos que já morreram, como do Rádio Clube e do Parque do Sóter; outro marcado para morrer, caso do Lago do Amor; e o que mais preocupa o campo-grandense: o do Parque das Nações Indígenas, onde a areia que invade o espelho de água já recebeu cruzes e a palavra vergonha.

“O assoreamento não é só questão do poder público, mas também do cidadão, que não percebe que está colaborando com enchentes e com o assoreamento dos corpos hídricos, como lagos, rios e córregos, à medida que impermeabiliza o solo, joga lixo onde não é para jogar. Não existe bueiro que funcione entupido. Esse lixo é a gente que coloca no lugar errado”, afirma Synara Broch, que é vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos e professora da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).

A especialista explica que o ritmo das águas segue a gravidade, ou seja, tudo que está na bacia hidrográfica vai parar nos cursos de água, parte mais baixa dos terrenos. A enxurrada lava o solo e arrasta para os córregos o que encontra no caminho, como areia e lixo.

Com o banco de terra tomando o espaço da água, a solução simples seria remover os sedimentos, mas a professora destaca a ineficácia dessa medida a longo prazo. “É como enxugar gelo. É preciso ter ações conjuntas. A competência do uso e ocupação do solo é do município. O cuidado das águas é do Estado e União. O cuidado com o meio ambiente é de todo mundo”, afirma.

Lago do Rádio Clube morto em 2019: (Foto: Gabriel Rodrigues)
Lago do Rádio Clube morto em 2019: (Foto: Gabriel Rodrigues)
Foto mostra extensão do Lago do Rádio Clube no passado.
Foto mostra extensão do Lago do Rádio Clube no passado.

Para o equilíbrio das águas, pequenas coisas importam. Como a árvore removida porque as folhas sujam a calçada de casa ou a área de grama que é trocada por cimento nos quintais por causa do barro nos dias de chuva. A vegetação ajuda a segurar a enxurrada.

Córrego que forma o lago principal do Parque das Nações, o Prosa foi no passado o primeiro manancial a abastecer a vila de Campo Grande e o nome teria derivado da prática de prosear perto de suas margens.

Ele nasce do encontro de dois cursos de água: Joaquim Português e o Desbarrancado. Nesse começo, já é perceptível o grande volume de sedimento que vem do Desbarrancado, que percorre área com menos vegetação e mais adensamento urbano.

Da nascente, água do Prosa “anda” dois quilômetros até formar o principal lago do Parque das Nações. Dentro do parque de 119 hectares, ele também recebe águas do córrego Reveilleau.

Assoreamento avança no Lago do Amor, com morte anunciada para 2036. (Foto: Gabriel Rodrigues)
Assoreamento avança no Lago do Amor, com morte anunciada para 2036. (Foto: Gabriel Rodrigues)
"O assoreamento não é só questão do poder público, mas também do cidadão", afirma professora Synara Broch. (Foto: Marcelo Armôa)
"O assoreamento não é só questão do poder público, mas também do cidadão", afirma professora Synara Broch. (Foto: Marcelo Armôa)

Água viva – Quando os sedimentos viram vegetação que engolem o lago, como o do Rádio Clube, localizado na Spipe Calarge, morre também o habitat de aves e animais.

Marcado para acabarem 17 anos, o Lago do Amor é hoje ponto para observar capivaras, jacarés e aves. Se morrer, acaba a fauna.

E além de bonitos, os lagos são úteis: funcionam como piscinões, “segurando” enchentes. “Quando o lago morre, acaba a função de retenção”, diz a professora.

Fim do Amor - Localizado no campus da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), o Lago do Amor nasceu na década de 1970 para fins contemplativos.

Sem dados sobre extensão e volume, o reservatório passou a ser monitorado em 2008 pelo grupo de pesquisa HEroS (Hidrologia, Erosão e Sedimentos). Desde então, o triste destino do Lago do Amor passou a ser contado também em números.

As projeções sinalizavam que o lago acabaria em 2040 ou 2042, mas a medição de novembro de 2018 mostra que a situação se agravou e o fim está previsto em 17 anos. Já são 39% de perda de área e redução de 37% no volume.

No Lago do Amor, se encontram as águas dos córregos Cabaça e Bandeira, que cortam região fortemente urbanizada

No Parque do Sóter, vegetação oculta lago engolido por sedimentos. (Foto: Gabriel Rodrigues)
No Parque do Sóter, vegetação oculta lago engolido por sedimentos. (Foto: Gabriel Rodrigues)

"Acho que as águas iniciam os pássaros Acho que as águas iniciam as árvores e os peixes E acho que as águas iniciam os homens. Nos iniciam. E nos alimentam e nos dessedentam". (Manoel de Barros)

Em 17 de janeiro de 2019, banco de areia era bem menor no lago do Parque das Nações.  (Foto: Henrique Kawaminami)
Em 17 de janeiro de 2019, banco de areia era bem menor no lago do Parque das Nações. (Foto: Henrique Kawaminami)
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