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Política

Bancada movimenta emendas em valor que supera orçamento de 15 cidades de MS

Lula quer redução drástica nos valores que o Tesouro desembolsa para pagar as emendas de deputados e senadores

Por Vasconcelo Quadros, de Brasilia | 04/07/2025 14:21
Bancada movimenta emendas em valor que supera orçamento de 15 cidades de MS
Reunião da bancada federal em 2024 no gabinete da senadora Soraya Thronicke (Foto: Divulgação)

O governo Lula 3 abriu uma inédita luta de classes no coração do poder. Bem além do decreto do IOF em pé de guerra, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mira a desparlamentarização do orçamento federal com uma redução drástica nos valores que o Tesouro desembolsa para pagar as emendas de deputados e senadores, que só este ano ultrapassa R$ 50,38 bilhões, um colossal empoderamento legislativo que não existe nem em regime parlamentarista.

RESUMO

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A bancada federal de Mato Grosso do Sul deve movimentar cerca de R$ 1,038 bilhão em emendas parlamentares em 2025, valor superior à soma dos orçamentos das 15 menores cidades do estado. Os recursos são geridos por 11 parlamentares, sendo três senadores e oito deputados federais. Nos últimos dez anos, houve um aumento expressivo nos valores das emendas. Em Mato Grosso do Sul, os recursos pagos saltaram de zero em 2015 para R$ 471,6 milhões em 2023. Entre os parlamentares, destacam-se os senadores Soraya Thronicke e Nelsinho Trad, que viram suas emendas crescerem mais de dez vezes entre 2020 e 2024.

A guerra pela retomada de parte de recursos de emendas individuais e de bancada impositivas, especialmente as que custeiam obras paroquiais e levam melhorias às comunidades e redutos eleitorais, mas estão longe das políticas públicas prioritárias _ representam mais de 50% do montante.

No caso de Mato Grosso do Sul, a previsão para o ano que vem é algo em torno de R$ 1, 038 bilhão, uma montanha de dinheiro gerida por onze parlamentares (três senadores e 8 oito deputados) que equivale no mesmo período ao total dos orçamentos dos 15 menores municípios do Estado.

Um levantamento feito pela Transparência Brasil para o Campo Grande News mostra um salto surpreendente nos valores de emendas pagas ano a ano nos últimos dez anos: de R$ 56,4 milhões em 2015, o montante chegou no ano passado a R$ 31,5 bilhões, sem incluir os restos a pagar, autorizados e empenhados nos orçamentos ministeriais aguardando execução.

Para Mato Grosso do Sul, só nas modalidades de emenda individual e de bancada computados pela entidade, os recursos pagos variaram de zero em 2015 e R$ 42, 5 milhões em 2016, para R$ 471, 6 milhões no ano passado. No período de dez anos, os valores foram aumentando ano a ano até dobrar em 2020 para R$ 128, 8 milhões e, em 2023, num novo salto triplo, alcançar R$ 452, 9 milhões.

Bancada movimenta emendas em valor que supera orçamento de 15 cidades de MS
Soraya Thronicke (Podemos) e Nelsinho Trad (PSD) viram os valores subirem 10 vezes (Foto: Arquivo)

Os dois senadores sul-mato-grossenses cujos mandatos se encerram em fevereiro de 2027, Soraya Thronicke (Podemos) e Nelsinho Trad (PSD), candidatos à reeleição, segundo a Transparência Brasil viram os recursos das emendas individuais totalmente liquidadas crescer mais de dez vezes entre 2020 e 2024. Soraya, a que mais recursos dominou, recebeu R$ 5,7 milhões em 2020. Já em 2024, foram R$ 56 milhões.

Nelsinho, que recebeu R$ 6,9 milhões em 2020, emplacou emendas que alcançaram mais de R$ 61 milhões em 2024. Com o pouquinho que pingou este ano, as emendas de Soraya totalmente pagas chegou a R$ 133,6 milhões, enquanto Nelsinho ficou com R$ 3,3 milhões abaixo da concorrente. No total, segundo a assessoria dos parlamentares, reunindo todas as emendas, Soraya alcança R$ 450, 7 milhões no mandato, enquanto Nelsinho tem R$ 247,8 milhões.

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A senadora Tereza Cristina (PP), que licenciou-se da Câmara para assumir o Ministério da Agricultura, só teve acesso a recursos líquidos em 2023 e 2024, um total de R$ 64 milhões, o que não é pouca coisa se comparado com o período anterior a 2015, quando as emendas eram autorizativas, e não impositivas.

O montante totalmente liquidado para a bancada desde 2016 gira em torno de R$ 850 milhões. Entre os oito deputados federais, Dagoberto Nogueira (PSDB), com R$ 116,4 milhões entre 2018 e 2024, e Vander Loubet (PT), com 102,1 milhões, entre 2016 a 2024, são os que mais receberam recursos ao longo da década em que as emendas passaram por transformações.

Luiz Ovando (PP) e Beto Pereira (PSDB), entre 2020 e 2024, receberam, respectivamente, R$ 93,5 milhões e R$ 82,7 milhões. O caso que mostra a vertiginosa curva ascendente dos recursos é o do deputado Geraldo Resende (PSDB) que viu o valor de suas emendas saírem de R$ 1,4 milhão em 2016 para R$ 34,7 milhões em 2024, totalizando R$ 46, 3 milhões entre 2016 e 2024 durante quatro anos em que exerceu os mandatos.

Os parlamentares que menos recursos receberam de emendas individuais foram, por valores decrescentes, Marcos Pollon e Rodolfo Nogueira (PL), com R$ 28, 2 milhões e R$ 26, 7 milhões; e, Camila Jara (PT), R$ 22,8 milhões. Mais de 99% foram liberados em 2024.

Os valores apontados pela Transparência Brasil são a parte líquida do montante aprovado pelo Congresso. Estatística do Siga Brasil, Painel Emendas, plataforma do Senado, mostra que até esta sexta-feira, 04 de julho, o volume total pago nos últimos dez anos, juntando todas as modalidades de emendas, chegou a R$ 186,8 bilhões, dos quais, apenas R$ 44 milhões foram liberados em 2015, enquanto no ano passado o gasto foi para estratosféricos R$ 40, 02 bilhões. O montante previsto para este ano em emendas é de R$ 50, 38 bilhões e, em 2026, cerca de R$ 53 bilhões.

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Dagoberto Nogueira (PSDB) e Vander Loubet (PT) são recordistas em emendas (Foto: arquivo)

Conflito à vista entre os poderes

No plano federal não há dúvidas de que a retirada desses recursos desloca o eixo da política para o Congresso e esvazia o papel presidencial, tornando o Executivo brasileiro tão decorativo quanto as monarquias _ uma inversão das prerrogativas dos poderes pouco notado pela população. Mesmo com toda a legitimidade para buscar os recursos, o dinheiro gerido pelos congressistas, cujos gabinetes foram adaptados para monitorar a emenda até a execução das obras, não passa pelos limites de gastos e rigores fiscais que a lei impõe ao governo.

A 15 meses da eleição, nenhum especialista ousa antecipar quem vencerá essa guerra, mas ninguém discorda que a entrada de movimentos de esquerda na contenda com uma enxurrada de postagens jamais vista, pôs o Congresso na roda e, de quebra, amplificou a luta de classes, pobres contra ricos na distribuição de tributos, despertando velhos sentimentos que estavam latentes na sociedade e na frágil coalizão que ampara o Lula 3. O PDT já havia deixado o governo na fritura do ex-ministro da Previdência, Carlos Lupi, defenestrado com a descoberta da roubalheira no INSS.

O PP deve ser o próximo, seguido por União Brasil e PSD. O MDB, que tem Renan Filho (AL) no ministério dos Transportes, Jader Filho (PA), em Cidades, e a ministra Simone Tebet (MS) no Planejamento, deve permanecer com Lula, deixando o deputado Baleia Rossi (SP), presidente da legenda, praticamente sozinho na articulação da federação com o Republicanos. O ministro Sylvio Costa Filho (Republicanos-PE) também deve ficar no governo. É mais leal a Lula do que ao governador paulista Tarcísio de Freitas. As mudanças ministeriais antecederão a rediscussão sobre o orçamento, os dois principais temas do conflito no momento.

O primeiro a sentir o golpe foi o presidente da Câmara, Hugo Motta que, atacado pela esquerda por “trair” os mais pobres ao impedir a tributação dos mais ricos foi pedir ajuda a seu principal avalista, o ex-presidente da Casa, Arthur Lira.

Para surpresa, quem saiu em sua defesa foi a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, que condenou o que chamou de “ataques pessoais” um vídeo com imagem gerada por inteligência artificial colocando o presidente da Câmara em cima de uma mesa entornando uma garrafa de whisky em meio a comemoração com empresários.

Gleisi, que é incendiária quando está no legislativo, mas bombeiro e dura com os correligionários quando no Executivo (ela foi assim como secretaria de Reestruturação no governo Zeca do PT, no início de sua carreira, entre 1999 e 2000) preferiu confrontar a militância de esquerda a entrar em atrito com os caciques do centrão. Adaptou ao cargo um espírito de conciliação que se choca com o de seu companheiro, o deputado Lindbergh Faria (RJ), líder do PT na Câmara, o que mais tem atacado o centrão e os desvios legislativos.

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Com o joelho no pescoço

Para mexer no orçamento Lula terá de se desfazer de boa parte do centrão e se aproximar mais do STF, que já é criticado pela “tabelinha” com o governo desde o início do terceiro mandato. O presidente do STF, Luiz Roberto Barroso, o decano da Corte, Gilmar Mendes e o ministro Flávio Dino, têm pedido que os políticos negociem, mas alertam que, provocado, o plenário vai decidir sobre IOF e emendas.

O deputado Geraldo Resende também faz um apelo à negociação: “Poderíamos sentar em volta da mesa e verificar outras formas de enfrentar essa questão sem ter que taxar os já combalidos setores da economia. É necessário discutir também os gastos do governo e cortar em setores privilegiados que abocanham recursos importantes do orçamento”.

Resgatar o orçamento entregue ao Congresso por seu antecessor foi uma promessa de campanha de Lula, tarefa a que se dedica tardiamente, mas que também divide os especialistas. Num post pelas redes sociais, o cientista político Christian Lynch fez uma análise lapidar sobre o desequilíbrio entre os poderes: "O governo não tem alternativa para não afundar.

Com as emendas e o fundo partidário com financiamento público, os congressistas compram sua reeleição. Não precisam mais nem da sociedade, nem do governo. Viraram uma oligarquia. Se não gostarem do governo, este não tem o que fazer. Não há incentivos para promover a governabilidade. Realizou-se o sonho de Eduardo Cunha: um Congresso autônomo, comprando a própria reeleição, com o governo debaixo do joelho”.

O orçamento impositivo foi uma jogada fisiológica “de mestre” imposta pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), relator da Emenda 86, em 2015, durante o governo da petista Dilma Rousseff, que além de não resistir a corrosão do mandato, seria derrubada por um impeachment justamente por influência do próprio ex-deputado carioca, de quem Hugo Motta foi seguidor como atuante integrante da tropa de choque.

Em 2019, com medo de também ser derrubado por um golpe parlamentar, o ex-presidente Jair Bolsonaro escancarou os cofres, permitindo que além das emendas individuais, as de bancada também se tornassem impositivas por força da Emenda Constitucional 100. Como se vê, o orçamento impositivo virou uma sucuri que asfixia e vai engolindo aos poucos o Executivo.

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