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Política

Especialista diz que extremismo desafia a busca de Reinaldo por longa hegemonia

Migração do PSDB para o PL foi motivada por dinheiro para campanha, vitrine e peso de articulação nacional

Por Vasconcelo Quadros, de Brasília | 07/10/2025 18:34
Especialista diz que extremismo desafia a busca de Reinaldo por longa hegemonia
Ex-governador Reinaldo Azambuja durante votação nas eleições de 2024 (Foto: Marcos Maluf/Arquivo)

A migração do grupo político de Reinaldo Azambuja para o PL, após anos de hegemonia no PSDB, representa, segundo o cientista político Daniel Miranda, da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), “um passo praticamente inevitável” para garantir a manutenção do poder e o acesso aos fundos partidário e eleitoral. O movimento, porém, ocorre num momento em que o campo conservador se torna mais disputado e pode colocar em risco a unidade da direita sul-mato-grossense.

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A migração do grupo político de Reinaldo Azambuja para o PL representa uma estratégia para manter o poder e garantir acesso aos fundos partidário e eleitoral, segundo o cientista político Daniel Miranda. O movimento ocorre em um momento de maior disputa no campo conservador, podendo afetar a unidade da direita sul-mato-grossense. O grupo enfrenta desafios com a possível resistência do núcleo mais radical da direita local, influenciado por Eduardo Bolsonaro, que mantém relação próxima com o deputado Marcos Pollon. A união entre Pollon, Renan Contar e João Henrique Catan poderia formar uma frente ultraconservadora, representando uma ameaça aos planos de reeleição de Eduardo Riedel.

“O PSDB representava apenas uma porta de saída. Continuar nele complicaria muito a situação do grupo. O PL oferece recursos, visibilidade e capacidade de articulação nacional que o PSDB e outros partidos menores já não têm mais”, explica Miranda.

O cientista observa que o cálculo é tanto ideológico quanto pragmático:

“Mesmo que o grupo de Azambuja e Riedel seja de uma direita mais moderada, eles querem estar em partidos que pautem o debate nacional e se alinhem, em certa medida, com o bolsonarismo. O PL e a federação União Brasil–PP são grandes, nacionais e articulados. Então a escolha faz sentido.”

A estratégia, no entanto, carrega o risco de provocar fragmentação política. O grupo liderado pelo ex-governador, em aliança com seu afilhado político (o atual governador Eduardo Riedel) e com a senadora Tereza Cristina (PP), exerce controle sobre o Executivo e o Legislativo estadual, além de ter influência na prefeitura de Campo Grande. Mesmo assim, pode enfrentar resistência caso o setor mais radical da direita local seja mobilizado pelo chamado “fator Eduardo Bolsonaro”. O deputado federal Marcos Pollon (PL), o mais votado do Estado, mantém relação próxima com o filho “Zero Três” do ex-presidente Jair Bolsonaro, que atuou diretamente em sua campanha de 2022.

A ameaça real para o grupo dominante, segundo Miranda, seria uma improvável união de Pollon com o Capitão Renan Contar (PRTB), o ex-candidato ao governo que chegou ao segundo turno à frente de Riedel, e o deputado estadual João Henrique Catan (PL), que poderiam formar um núcleo duro da direita ultraconservadora.

“Pollon, Catan e Contar têm afinidades ideológicas e eleitorado fiel. Se atuarem como grupo dentro do PL, podem criar desconforto à estratégia de Azambuja e atrapalhar planos de reeleição de Riedel”, avalia Miranda. Ele pondera, no entanto, que a experiência e o controle institucional de Azambuja funcionam como antídoto:

“O ex-governador trabalha com pesquisas qualitativas e quantitativas o tempo todo. Ele tem instrumentos para conter eventuais focos de insatisfação e manter o grupo unido.”

Especialista diz que extremismo desafia a busca de Reinaldo por longa hegemonia
Aliados: governador Eduardo Riedel (PP), senador Tereza Cristina (PP) e Reinaldo Azambuja durante filiação do ex-governador ao PL (Foto: Marcos Maluf)

A estratégia de Reinaldo Azambuja busca blindar o poder regional e nacionalizar sua influência. Com a migração para o PL e o reforço de alianças com o PP e o União Brasil, o ex-governador reconstruiu um eixo de poder que vai do governo do Estado à prefeitura de Campo Grande, algo inédito desde o domínio peemedebista dos anos 1990. O que ele busca agora, como líder e candidato ao Senado no ano que vem, é a hegemonia regional com um pé no cenário nacional.

A prefeita Adriane Lopes (PP) e o governador Eduardo Riedel (PL) orbitam politicamente em torno do mesmo núcleo, que se move de forma coordenada. Essa engenharia partidária e financeira é sustentada por uma estrutura de arrecadação pública robusta, que Miranda estima ultrapassar R$ 20 milhões somando PL, União Brasil e PP, valor suficiente para garantir hegemonia nas eleições de 2026.

“O grupo de Azambuja e Riedel transformou o PL num abrigo político e financeiro de longo prazo. Ele garante ao ex-governador o comando das engrenagens do poder, mesmo sem cargo eletivo”, explica o cientista político.

O cálculo é pragmático: com o PT enfraquecido e sem nome competitivo, e a direita radical ainda desorganizada, a reeleição de Riedel é considerada provável. O único ponto de tensão poderá vir na disputa ao Senado, caso Contar ou Pollon tentem consolidar uma candidatura bolsonarista independente.

O fator Eduardo Bolsonaro - Miranda identifica em Eduardo Bolsonaro o vetor mais imprevisível do tabuleiro. O deputado paulista ainda exerce influência sobre núcleos do eleitorado mais ideológico e mantém trânsito com lideranças armamentistas como Pollon, o que pode reativar a divisão da direita em Mato Grosso do Sul.

Segundo o cientista político, o problema não está apenas na retórica conservadora, mas nas pautas econômicas e institucionais associadas ao entorno do deputado:

“Eduardo se tornou um símbolo de um bolsonarismo mais ideológico, que defende pautas como o armamento civil irrestrito, mas também se associa a medidas impopulares como o tarifaço, o alinhamento cego a sanções contra autoridades e o discurso antissistema. Ele atua no exterior tentando se vender como representante da direita global, mas isso tem pouco reflexo positivo no eleitorado local.”

Miranda observa que o impacto dessas medidas é pequeno em Mato Grosso do Sul, onde a economia tem características próprias:

“O tarifaço e as sanções contra autoridades geraram ruído, mas o efeito foi limitado. A base econômica do Estado é o agronegócio exportador, e esse setor continua em expansão. As exportações de proteína animal e de grãos seguem majoritariamente para a China — o que mantém o mercado aquecido mesmo com oscilações políticas. E a tendência é de intensificação desse comércio com a construção da rota bioceânica, que vai conectar o Estado aos portos do Pacífico.”

Com isso, a população sente menos os impactos diretos de políticas federais impopulares e tende a priorizar estabilidade e previsibilidade política.

“O eleitor sul-mato-grossense é conservador, mas pragmático. Ele apoia valores de direita, mas não gosta de instabilidade nem de radicalismo. A estabilidade econômica pesa mais do que as polêmicas de Brasília”, avalia o cientista.

Na leitura de Miranda, o nome de Eduardo Bolsonaro tem apelo simbólico, mas influência limitada.

Para o analista, um eventual rompimento de Eduardo Bolsonaro com o PL, hipótese discutida em Brasília, favoreceria diretamente Reinaldo Azambuja, que consolidaria o partido como pilar de uma direita governista, estável e financeiramente forte.

“Sem Eduardo, o PL se torna um partido menos conflitivo, mais institucional e perfeitamente adaptado ao estilo de gestão de Azambuja e Riedel”, resume Miranda.

Conservadorismo e estabilidade - Questionado sobre uma possível desconexão entre o eleitorado e o grupo dominante, já que o PL abriga articuladores do “tarifaço” e de medidas impopulares, Miranda considera o risco muito limitado.

“O eleitorado sul-mato-grossense é conservador e tende a permanecer fiel ao grupo que oferece estabilidade, estrutura e resultados. Mesmo que haja ruído ideológico, a base não costuma abandonar quem detém o poder e entrega obras ou investimentos.”

Na avaliação dele, Eduardo Bolsonaro e Pollon representam mais um incômodo simbólico do que uma ameaça real. A máquina do Estado, somada à estrutura partidária e ao ambiente econômico favorável, confere ao grupo  uma vantagem difícil de ser revertida.

“A força da máquina e a previsibilidade do eleitor conservador são os pilares da hegemonia de Azambuja. Ele joga com a estabilidade do sistema político local”, conclui Miranda.

Entre o pragmatismo e o ruído - Na prática, o maior desafio de Azambuja está dentro do próprio campo ideológico que o sustenta. O discurso armamentista e antipolítica que impulsionou as urnas de 2022 ainda ecoa em segmentos fiéis a Pollon, Contar e Catan, um eleitorado que se vê traído por arranjos partidários e alianças com políticos tradicionais.

O ex-governador aposta na força da máquina, na previsibilidade do conservadorismo e no controle institucional do PL para neutralizar a insatisfação dos radicais. É o mesmo pragmatismo que o mantém no comando, mas também o obriga a lidar, passo a passo, com uma direita que fala mais alto e se organiza nas frestas do poder.