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Política

Planos de governo mesclam propaganda, book de candidato e ideias genéricas

Justiça Eleitoral exige registro de documento, mas sem regra de forma ou conteúdo

Aline dos Santos | 19/08/2022 13:00
Campo Grande News - Conteúdo de Verdade
Fim de votação em 2018, a última que colocou em prova os planos para governo estadual. (Foto: Arquivo)
Fim de votação em 2018, a última que colocou em prova os planos para governo estadual. (Foto: Arquivo)

Registrados na Justiça Eleitoral para nortear a gestão de Mato Grosso do Sul até 2026, os planos de governo surgem como híbrido de propaganda política, book de candidatos e depositários de ideias mais genéricas do que assertivas.

Quem ler as propostas dos oito candidatos não saberá, por exemplo, qual alíquota de IPVA (Imposto sobre Propriedades de Veículos Automotores), aquele infalível boleto que chega para os donos de veículos, será adotada pelo gestor. Na última década, Mato Grosso do Sul já teve alíquota de 2,5%, a 3,5%, percentuais que refletem diretamente no bolso do sul-mato-grossense.

A Justiça Eleitoral exige o registro do plano de governo dos candidatos a presidente, governador e prefeito desde 2009. Porém, a regra é não ter regra. Não há obrigações sobre formato ou conteúdo. A Lei 9.504 prevê somente que o pedido de registro deve ser instruído com “propostas defendidas pelo candidato a Prefeito, a Governador de Estado e a Presidente da República”.

Para o cientista político Tito Machado, professor na UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) e na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), os planos de governo seguem sem ampliar o debate, calcado em palavra chavão.

"O que é muito triste. É um documento que deveria ser escrito de forma didática”, afirma. De acordo com ele, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) poderia exigir temas categorizados, para facilitar que o eleitor faça comparativo de propostas.

Doutor em Ciência Política e professor na UFMS, Daniel Estevão Ramos afirma que o plano de governo é apresentado para cumprir a exigência da Justiça Eleitoral, mas, por outro lado, cumpre o papel de propaganda política, com forte influência do marketing.

O pesquisador destaca que, em geral, a população não faz a leitura do documento registrado no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e tem acesso às propostas por meio da propaganda eleitoral na TV e rádio ou nas redes sociais.

Contudo, o documento é bastante citado pelos candidatos quando vão para mesa de debate com grupos segmentados, como agronegócio, comércio. Nestes ambientes, conta ponto a favor da credibilidade do político dizer que assumiu compromisso com determinadas pautas conforme registrado em seu plano de governo.

“O plano de governo se torna muito importante numa negociação, passa o ar de compromisso, que não é uma proposta da boca para fora. As pessoas acreditam que o compromisso que você está fazendo é crível”, destaca o professor.

Após a leitura dos planos de governo apresentado pelos oito candidatos ao governo de Mato Grosso do Sul, Daniel Estevão avalia que partidos menores, como PCO e Psol, optaram por divulgar as propostas nacionais das siglas.

Já os candidatos do PT e do PRTB tendem à nacionalização da campanha. O Partido dos Trabalhadores faz menções a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tenta o terceiro mandato de presidente. O PRTB adere ao verde e amarelo característico das ações de Jair Bolsonaro (PL), com destaque para a pauta anticorrupção.

O professor aponta que os candidatos do MDB, PSD, PSDB e União Brasil apresentaram dados mais regionalizados. Ele destaca que o PSD traz uma estratégia interessante de comunicação, com propostas por cada região de MS.

Os atuais tempos em que planos de governo podem se resumir a sete páginas conflitam com a década de 90, quando o documento não era exigido por lei, mas era apresentado à sociedade pelos políticos mais comprometidos. O documento era registrado em cartório.

O trabalho era realizado por equipe técnica (com especialistas em temas como saúde, educação, saneamento, transporte), num trabalho independente à estratégia de marketing, e se alongava por três meses. O resultado era 200 páginas de plano de gestão.

O ex-governador Pedro Pedrossian anotou em seu plano a aplicação de compensação financeira pela utilização de recursos hídricos. Após negociação com o governo paulista, então proprietário da Cesp (Companhia Energética de São Paulo), surgiu uma nova Porto XV de Novembro, distrito de Bataguassu, com a realocação da população para área planejada pela empresa, após enchimento do reservatório da usina de Porto Primavera.

Para acessar o plano de governo, é preciso acessar o DivulgaCand (clique aqui), selecionar Centro-Oeste, governador e acessar o documento no alto do lado direito.



As propostas - O Campo Grande News verificou os planos de governados levado ao Tribunal Regional Eleitoral pelos oito concorrentes ao governo de Mato Grosso do Sul, que serão citados em ordem alfabética.

As propostas de Adonis Marcos (Psol) foram elencadas em 11 páginas, com 12 pontos. Seis páginas trazem pautas nacionais, como “avançar na regulamentação dos usos medicinal e recreativo da cannabis a fim de conter o tráfico” ou lutar contra a opressão.

Especificamente sobre o Estado, ele promete revogar a reforma previdenciária de Mato Grosso do Sul e lembrou assassinatos de lideranças indígenas, como Marçal de Souza.

Em busca de terceiro mandato de governador, André Puccinelli (MDB) apresentou documento com 32 páginas, preto e branco, contendo tabelas, mapas e gráficos sobre Mato Grosso do Sul.

O plano de governo se alonga em diagnósticos como a desaceleração do crescimento populacional no comparativo desde 1991. Década a década, houve aumento populacional, mas com taxas decrescentes. As propostas para o período de 2023 a 2026 tem seis eixos.

Desta vez, o candidato não apostou nas 15 metas, comum em outras eleições para reforçar o número na urna. Mas, nas eleições de 2010, por exemplo, tinha propostas mais diretas, como atender 50 mil famílias com a casa própria. Em dado divulgado em série do Campo Grande News para os candidatos, Puccinelli informou ter entregado 74 mil casas em oito anos de mandato.

Deputado estadual, Capitão Contar (PRTB) trouxe o maior plano de governo em quantidade de páginas: 62. No documento, se espalham nove fotos do candidato. Tanto no computador como no celular, o documento tem baixa resolução, que interfere na nitidez.

Sustentado em 15 pontos, há temas genéricos, como a “glocalização” (pensar globalmente e agir localmente). Apesar de ser sua principal plataforma eleitoral, o Fundesul é tratado de forma rápida, com menção a “rever a política”.

Sem detalhes, o candidato promete o programa “ICMS Azul” para bons pagadores. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços é maior fonte de arrecadação da receita estadual. Na Saúde, o candidato promete levantar um censo sobre número de leitos, contudo, há estatísticas disponíveis no site do Ministério da Saúde e no Mapa de Leitos, publicado em Diário Oficial.

Ex-secretário de Governo e de Infraestrutura, Eduardo Riedel (PSDB) registrou plano de governo com 38 páginas, incluindo sete fotos do candidato. O projeto de gestão se estrutura sobre quatro eixos.

O documento vai de pautas genéricas, como os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas), à proposta bem delimitada: reajustar o benefício do Mais Social de R$ 300 para R$ 450.

Sobre servidores e educação, por exemplo, há dados genéricos. Como “ampliar escolar em tempo integral” e “manter diálogo permanente com todas as categorias de servidores”.

Candidata do PT, Giselle Marques trouxe 13 propostas, o mesmo número da legenda, distribuídas por 15 páginas. A proposta é enfática sobre equiparar salários de professores no Estado. Uma meta é “corrigir as diferenças salariais entre professores convocados e concursados (atualmente 32%)”.

Mas genérica sobre déficit habitacional de 71.966 moradias em Mato Grosso do Sul, conforme estimativa feita pela Fundação João Pinheiro/IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Sobre o tema, a candidata somente promete “enfrentar o déficit habitacional com a implantação de metas ousadas de habitação, promovendo o acesso à moradia como um direito universal, com foco nos segmentos populacionais mais vulnerabilizados, onde concentra a maior demanda”.

Magno Souza (PCO) apresentou plano de governo de sete páginas, mas recheado de pautas nacionais, com propostas compatíveis de candidato a presidente da República.

O documento discorre sobre a necessidade de “salário mínimo vital suficiente para atender às necessidades do trabalhador e de sua família (que hoje não poderia ser menor que R$7.500), deliberado pelas organizações operárias”.

Além de nacionalização do petróleo e fim do STF (Supremo Tribunal Federal). “Por um governo das organizações operárias e populares, sem patrões e sem golpistas”.

Ex-prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD) repetiu o formato das eleições 2020, com a apresentação de plano de governo sustentado por 55 propostas, o mesmo número do candidato na urna eletrônica. O documento tem 46 páginas, sendo 20 destinadas às propostas, e nove fotos de Marquinhos.

Com mapas, o plano de governo divide Mato Grosso do Sul por regiões e traz cinco eixos temáticos. Uma das propostas é retomar a vinculação do ICMS para o financiamento e custeio da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul). O texto não detalha o índice.

“Outra mazela que muito nos entristece é saber que mais de 80.000 famílias sul-mato-grossenses não têm, nesse momento, um teto digno para viver”, informa o plano de governo, que não detalha quantos imóveis a gestão pretende entregar aos sul-mato-grossenses.

Deputada federal, Rose Modesto (União Brasil) registrou 50 páginas, com nove fotos das candidatas. O plano de governo se estrutura em oito eixos. O tom é genérico, como a promessa de criar o “Banco da Mulher”,  mas sem maiores detalhes.

A proposta inclui passagens como “aperfeiçoar o sistema fiscal, para a diminuição da desigualdade social e regional e para a construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária”, mas sem especificar como.

Noutro ponto, como “promover a melhoria dos índices de resposta ao público dos serviços emergenciais tridígitos”, a tendência é que o eleitor tenha que “dar um Google” e esclarecer que são os telefones com três dígitos, como 190 e 193.

Nas eleições 2022, Mato Grosso do Sul tem oito candidatos ao governo do Estado. (Foto: Cleber Gellio)
Nas eleições 2022, Mato Grosso do Sul tem oito candidatos ao governo do Estado. (Foto: Cleber Gellio)

Orçamento – Fora do plano do governo, documento oficial e registrado no Tribunal Regional Eleitoral, os candidatos se mostram mais à vontade em fazer promessas para a população.

Contudo, cabe lembra que os recursos são limitados. O dinheiro vem de fontes da arrecadação estadual, principalmente o ICMS, e transferências do governo federal de parte da arrecadação de tributos.

Outras possibilidades são emendas parlamentares e empréstimo. “Mas as emendas parlamentares não entram como receita por não ter previsão de quando vai acontecer, qual o valor total e vem para determinados fins e municípios”, afirma o economista Wagner Bertoli.

Já empréstimo fica condicionado à capacidade de endividamento do Estado.

“É um assunto que deveria ser muito sério, mas não é levado tão a sério. Prometem o que não tem como cumprir pela previsão orçamentária, mas aí depende muito de nós sabermos avaliar quem é quem. A fala política depende muito da pretensão do público presente. Se o que mais quer é asfalto, fala que vai asfaltar, mas cumprir é outra coisa", reforça o economista.

Para 2023, a previsão é orçamento de R$ 22,03 bilhões, representando 19,24% a mais sobre os R$ 18,4 bilhões orçados deste ano. O orçamento com recursos pormenorizados deve ser encaminhado à Assembleia Legislativa em outubro. Mas há dinheiro carimbado como 12% da receita para a Saúde, 25% para educação e 25% do ICMS para os municípios.

No orçamento vigente em 2022, por exemplo, o valor total é de R$ 18.475.534.800. Educação fica com R$ 2.470.054.700, Saúde com R$ 1.753.003.600 e Segurança Pública com R$ 1.289.861.800.

Para os poderes, é a seguinte distribuição: Assembleia Legislativa (R$ 353 milhões), Tribunal de Contas (R$ 334 milhões), Ministério Público (R$ 493 milhões) e Tribunal de Justiça (R$ 1 bilhão).

No caso da Agesul (Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos), por exemplo, o orçamento 2022  reservou R$ 283,9 milhões. Porém, do total, R$ 113 milhões vão para pessoal, encargos e outras despesas correntes. Ficam R$ 170,6 milhões para investimentos.

"Quem está fazendo campanha não estuda as limitações orçamentárias, foge dessa compreensão técnica  e só pensa em apresentar soluções para todos os problemas do Estado”, alerta Bertoli.

Para o próximo ano, o primeiro do novo governador, a previsão é orçamento de R$ 22,03 bilhões. (Foto: Fernando Antunes/Arquivo)
Para o próximo ano, o primeiro do novo governador, a previsão é orçamento de R$ 22,03 bilhões. (Foto: Fernando Antunes/Arquivo)


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