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“A educação é a arma mais poderosa...” mas para quem?

Por Janaína Spolidorio (*) | 03/10/2019 14:17

Tudo o que se cria ou se ensina no mundo tem dois lados. Geralmente as intenções são boas e as pessoas as tornam ruins.

Quando penso em inversão de valores, um conto de Ray Bradbury me vem à mente. Este famoso escritor conta em sua história “The Flying Machine” (A máquina voadora) sobre um homem simples que, em um império asiático, inventa uma máquina voadora, quando ainda nem se sonhava o homem voar.

Ao apresentá-la para o imperador, se entusiasma pelas possibilidades de conhecer outros lugares que ela oferece. Assombrado, o imperador lhe pede para esquecer a ideia e não mostrar a máquina a ninguém. O motivo? Sim, a máquina seria fantástica, mas em pouco tempo homens começariam a usá-la para a guerra.

Se você buscar na internet frases sobre a educação, uma delas se destaca entre as demais. Nelson Mandela certa vez declarou que “a educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.”

No momento queria inspirar as pessoas e conseguiu! A frase se tornou um ícone mundial e é atualmente traduzida para diversos idiomas. A sabedoria embutida nela é fantástica, mas infelizmente também está sujeita a uma inversão nada agradável.

Certamente a intenção original é dizer que podemos usar a educação para o bem. Ter o conhecimento pode nos ajudar a ter um mundo melhor. Pode ser uma arma extremamente expressiva e muitos educadores no mundo tentam mostrar o quanto ela pode facilitar e mudar as coisas.

São eles que aparecem quando o assunto é educação, mas não se engane! A educação é sim uma grande arma, mas como tudo, precisamos estar atentos a quem a utiliza desta forma e com qual intenção.

Assim como podemos usá-la para desenvolvimento pessoal e para melhorar um país, as pessoas que estão no poder também podem usá-la a seu favor, de modo estratégico... e é aqui que reside a diferença, na palavra estratégia.

Enquanto grandes grupos de profissionais da educação gritam aos quatro ventos que são importantes e podem mudar o país, se você refletir, eles pertencem, de um modo geral, a pessoas que receberam uma formação deficitária e lacunada, proveniente de décadas de mau gerenciamento educacional, tanto no setor público quanto no privado.

A educação do país sofre modificações constantes e pouco estruturadas e parece que nada dá certo por muito tempo aqui no Brasil. Prova do fato é o péssimo desempenho que temos quase sempre em avaliações que envolvem a comparação com outros países ou mesmo a parca proeminência de figuras brasileiras como ícones em um cenário mais mundial.

Ter cidadãos que pensam de modo limitado e que sejam facilmente manipulados pode também ser um resultado da educação. Pessoas assim não possuem visão estratégica e sem ela não conseguem alcançar as melhorias que tanto buscam, inclusive do ponto de vista de valorização pessoal.

Países com bom desempenho e valorização profissional do professor estabelecem limites de dificuldade para a educação. O aluno precisa merecer passar, precisa sentir a dificuldade para poder se tornar melhor. Nesses países, uma pessoa com diploma de ensino superior ou até com uma especialização, são muito valorizadas.

No Brasil, ter diploma virou comércio. Faculdades “laçam” alunos nos vestibulares, passar de ano no ensino regular não requer grandes feitos e estabelece-se o mínimo de parâmetros para considerar alguém escolado. O bonito é ter um montão de diplomas para então se descobrir que você tem tantas qualificações, que será difícil encontrar um emprego que pague tudo o que você estudou.

Assim ocorre a desvalorização, pela facilidade, pela falta de base sólida. Não se ensina a usar a educação de modo certo e nem sei se nosso país sabe o que isso significa, do ponto de vista da profissão professor. A única explicação é que a arma da educação aqui é usada de modo inverso ao que propunha Mandela.

O pior de tudo é que não conseguimos saber se é proposital ou se realmente se pensa que estamos fazendo bem à população. Depois de tantas décadas de péssimos exemplos e fracasso na área, no que diz respeito ao geral, pode até ser que não seja de propósito que tenhamos virado o que somos hoje no que diz respeito à formação acadêmica.

Algo é fato, contudo. Utiliza-se a educação para moldar de alguma forma a população para o que se deseja. Podemos educar para tornar as pessoas limitadas, engajadas, críticas, passivas... o que desejarmos. Não é difícil, para quem entende e tem estratégia, modificar as pessoas.

Em contraponto, não basta entender o conceito e ter a vontade de fazer a diferença para conseguir. É preciso ir além do que nos é mostrado na escola, é preciso aprender a enxergar as entrelinhas e perceber nuances que infelizmente nem sempre conseguimos aprender de modo acadêmico.

Para conseguir modificar algo é preciso saber como funciona. Se não soubermos, como profissionais dedicados, éticos e bem informados, como a educação funciona, não conseguiremos usá-la para mudar o mundo. Será o sistema que irá mudá-lo!

A partir deste artigo, pretendo ampliar seus horizontes, como leitor e parte de uma sociedade. Comece a refletir sobre a razão de certas mudanças nos sistemas de educação que temos, não somente os de hoje, mas também os que nos foram impostos há décadas.

Reflita sobre quem se favorece com a mudança e por qual motivo. Procure sempre encontrar consequências para quem impõe e para quem recebe. Somente desta forma é possível ter consciência o suficiente para fazer parte dos que utilizam a educação como uma arma para deixar o mundo realmente melhor.

(*) Janaína Spolidorio é especialista em educação, formada em Letras, com pós-graduação em consciência fonológica e tecnologias aplicadas à educação e MBA em Marketing Digital. 

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