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2021 e o ano letivo contínuo

Júlio Furtado | 13/11/2020 13:18

Tenho ouvido, frequentemente, pessoas dizerem que não veem a hora de 2020 ficar para trás como uma forma simbólica de acreditar que, junto com o ano, ficará para trás a pandemia e todas as imposições e consequências. Isso tem me lembrado uma tirinha inesquecível da Mafalda em que ela ouve alguém dizer que as pessoas sempre esperam que o ano que vem seja melhor e em resposta, diz, reflexiva: “Eu acho que o ano que vem é que espera que as pessoas sejam melhores!”.

Estudando neurociência, descobri que o cérebro não gosta de dúvidas e incertezas. Ele funciona melhor diante de certezas, mesmo que sejam ilusórias. Penso que nosso cérebro nunca teve tanta dificuldade de funcionar como está tendo em 2020, visto que certezas é o produto mais escasso da temporada. É, de certa forma, “normal” imaginarmos que na virada de ano, tudo o que foi vivido no ano anterior ficará para trás.

Talvez o comportamento negacionista que observamos em várias pessoas também seja consequência de o cérebro estar de farto de tanta incerteza por tanto tempo. Na área da Educação, tenho percebido esse mesmo fenômeno, provocado pela incerteza que vivemos ao longo desse ano e pela vontade de vivenciarmos uma escola “normal”, com alunos, recreio e todas as aglomerações que a realidade escolar
apresenta.

Sabemos, pois, que essa normalidade como desejamos não chegará com a simples virada do ano e que em 2021 viveremos um ano contínuo em que daremos continuidade aos esforços para manter a relação ensino-aprendizagem viva num contexto remoto. Pensar 2021 como um ano letivo contínuo, conforme propõe a legislação mais recente será um grande desafio para nós educadores.

A escola sempre foi escrava do tempo, dividida em períodos, bimestres, trimestres e anos letivos e a aprendizagem sempre foi submetida a essa divisão. Acho que pela primeira vez, terminaremos um ano letivo com a sensação de que ele não aconteceu. Com ou sem resultado final de aprovado/reprovado, sentiremos a sensação de que esse ano não foi “pra valer” e teremos que encarar 2021 como continuação de um ano que não acabou.

A pandemia está nos obrigando a enfrentar nossos dilemas e um deles é que todos os anos letivos devem ser contínuos a medida em que encaramos a aprendizagem como um processo que não pode estar a serviço dos tempos da escola. O ano letivo contínuo nos coloca diante da realidade de que um novo ano pode renovar nossas esperanças, mas não muda a realidade. Mafalda tem razão, é o ano novo que espera por
pessoas melhores.


(*) Júlio Furtado é consultor educacional e doutor em Ciências da Educação

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