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A consciência negra do Brasil

Por Luiz Martins da Silva (*) | 23/11/2012 08:01

Que haja no Brasil um Dia da Consciência Negra é uma tremenda redundância, mas ainda necessária. O paradoxo se deve ao fato de se ter que promover identidade afra num país que, como gosta de ostentar a diplomacia brasileira, é a segunda maior nação negra do mundo, logo após a Nigéria. Faz sentido, no entanto, a intenção afirmativa desse tipo de conscientização, por estarem os negros brasileiros em desvantagens historicamente acumuladas, a ponto de se justificarem as cotas raciais. Apesar de polêmicas, elas fazem parte das políticas compensatórias, criação neoliberal advinda do pensamento de John Rawls (Teoria da Justiça) e não da lavra ‘tupiniquim’, como creem muitos.

Outra contradição étnica brasileira refere-se à necessidade de ações inclusivas para os negros, uma tautologia. Senão, vejamos: o Brasil tem um Rei, Pelé. A padroeira nacional, Nossa Senhora Aparecida, é negra. E o prato nacional, a feijoada, veio da criatividade dos escravos, no aproveitamento dos rejeitos da Casa Grande. A presença do negro na vida brasileira perpassa o âmago da índole cultural e civilizatória que se desenvolveu nesta parte dos trópicos, compreensão expressa por expoentes do chamado pensamento social brasileiro, a exemplo de Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Paulo Prado.

Mas o Brasil não é só negro. Na verdade, híbrido: “as três raças tristes que deram o Carnaval”: o branco, com a sua saudade; o negro, com o seu banzo; e o índio, depressivo ante o trabalho imposto. Esse tempero étnico explicaria as simpáticas hipóteses de que por aqui soubemos criar o “homem cordial” e a “democracia racial”. Será? Muitos duvidam, aqueles que se adiantam na denúncia de que o racismo brasileiro é disfarçado, embora seja crime inafiançável. Vinícius de Moraes não teve dúvida: “Eu sou o branco mais preto do Brasil”. Consciência negra, portanto, não depende de pigmentação, nem da cor dos olhos, os de Vinícius eram verdes.

O racismo, porém, na sua manifestação mais imediata é uma patologia, revestida de discriminação, segregação e intolerância. Ocioso dizer que o racismo e a escravidão já existiam na África muito antes do “achamento” do Brasil. Imperioso reconhecer, no entanto, que em longo prazo foi sendo implantado no Brasil um apartheid indolente e quase invisível, a não ser que as mentes e corações sejam despertados para uma forma de consciência, aquela que precisa mais das estatísticas do que do nosso langoroso jeitinho de amar o próximos, mas contando piadinhas racistas.

Mas essas mesmas estatísticas estão mudando, para melhor e rapidamente. E uma nova consciência desponta no horizonte, a de que no Brasil existe, sim, um aparteísmo social mais amplo, em relação aos pobres, de qualquer cor.

(*) Luiz Martins da Silva é jornalista e professor da Faculdade de Comunicação, da Universidade de Brasília. Mestre em Comunicação pela UnB e doutor em Sociologia pela Universidade Nova de Lisboa. Coordena o projeto SOS Imprensa da FAC/UnB. Como jornalista, atuou no Jornal de Brasília, no O Globo e na revista Veja, entre outros.

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