A cor da camisa e o medo do comunismo: símbolos, afetos e alienações
Nesta semana, um tema inusitado movimentou as redes sociais, a imprensa e os espaços sociais no Brasil: a divulgação de uma possível camisa vermelha para a Seleção Brasileira de futebol.
Mais do que uma simples escolha estética, o episódio provocou uma avalanche de interpretações políticas, mostrando como o futebol continua sendo um campo simbólico poderoso no imaginário nacional. Proponho, aqui, uma reflexão crítica e prática sobre esse fenômeno.
É inegável que a camisa amarela da Seleção Brasileira se tornou, nas últimas décadas, um símbolo de grande valor afetivo e nacional. Contudo, há elementos importantes que merecem ser analisados à luz do contexto atual e das perspectivas futuras.
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), apesar de ser uma entidade privada, exerce profunda influência no cenário esportivo e cultural do país. Ao longo de sua história, esteve envolvida em diversos escândalos e questionamentos legais — desde desvios de recursos até denúncias de assédio sexual, espionagem, interferência em redações jornalísticas e falta de ações efetivas contra o racismo e em prol da igualdade no futebol feminino. Tais aspectos deveriam nos levar a questionar: será mesmo que a camisa representa a “alma da nação brasileira”?
É fato que muitos brasileiros sentem orgulho ao vestir a “amarelinha”. A paixão pelo futebol é uma das maiores expressões culturais do país. Mas agora, surge uma polêmica sobre uma possível camisa vermelha — proposta para ser o segundo uniforme na Copa de 2026. A ideia, segundo especulações, surgiu da Nike, patrocinadora da seleção, como uma tentativa de alinhar o uniforme às tendências do mercado estadunidense, especialmente à marca Jordan Brend, com forte apelo comercial.
No entanto, o que chamou a atenção foi a reação de determinados grupos que associaram a cor vermelha a uma suposta adesão ao comunismo ou à esquerda política. Para muitos, vermelho virou sinônimo de ameaça ideológica. Eis o ponto central da discussão: será que a camisa da seleção representa mesmo o Brasil enquanto nação? E, mais profundamente, de onde vem o medo do comunismo?
As cores da bandeira brasileira têm raízes históricas, de herança ainda da monarquia: o verde representa a Casa de Bragança (Dom Pedro I), e o amarelo, a Casa de Habsburgo (Imperatriz Leopoldina). Já a versão republicana da bandeira inseriu novas interpretações símbólicas, como o céu do Rio de Janeiro e o lema positivista "Ordem e Progresso".
A camisa amarela da Seleção só surgiu em 1954, após concurso promovido pela então CBD (atual CBF), vencido pelo jovem Aldyr Garcia Schlee. Até então, o Brasil já havia utilizado camisas brancas, azuis e até mesmo vermelhas.
Curiosamente, essa não seria a primeira vez que a seleção usaria vermelho, tampouco uma cor "não tradicional". Em 1917 e 1936, quando por sorteio, usou o vermelho em jogos contra Uruguai, Chile e Peru, e neste ultimo emprestando camisas do Independiente), Em 2023, utilizou uma camisa preta como protesto contra o racismo.
Portanto, o debate em torno da camisa revela menos sobre o uniforme em si e mais sobre os significados atribuídos aos símbolos. É nesse ponto que a semiótica, ciência que estuda os signos e seus significados, nos ajuda a entender como uma simples cor pode se tornar carregada de sentidos ideológicos.
Quanto ao medo do comunismo, trata-se de um sentimento antigo, alimentado por traumas históricos e disputas ideológicas. O comunismo, como teoria desenvolvida por Karl Marx e Friedrich Engels, propõe uma sociedade sem classes, com propriedade coletiva dos meios de produção. Em sua aplicação prática, no entanto, muitos regimes que se declararam comunistas resultaram em governos autoritários, o que reforçou estigmas negativos, especialmente em sociedades capitalistas.
Hoje, poucos países se declaram comunistas — e mesmo entre esses, como China e Vietnã, predominam modelos de capitalismo de Estado. No Brasil, o comunismo virou um espantalho político, utilizado por grupos conservadores como forma de deslegitimar qualquer política pública de viés progressista.
A camisa vermelha da Seleção nunca foi pensada como uma ferramenta de propaganda política. Mas, como símbolo, tornou-se alvo de um debate profundamente ideológico. Paradoxalmente, a marca que propõe a mudança — a Nike — representa o capitalismo global em sua forma mais agressiva: explora trabalho precarizado, lucra com o consumo simbólico e está distante de qualquer compromisso social com o Brasil.
É preciso, portanto, questionar não apenas o uso das cores, mas os interesses por trás da manipulação simbólica. O medo do comunismo, como se vê, tem muito mais a ver com desinformação, alienação e exploração política do que com qualquer ameaça real.
Encerro com um convite à reflexão: até que ponto estamos nos deixando conduzir por símbolos esvaziados de sentido, usados como ferramenta de manipulação emocional e ideológica? Que possamos, como sociedade, avançar no debate público com mais profundidade, menos medo e mais consciência.
(*) Thiago Godoy, formado em Filosofia, Teologia, Pedagogia e Mídias Digitais. Curioso sobre temas populares e defensor dos Direitos Humanos.
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