A culpa é sempre do porteiro. Será mesmo?
Quando ocorre um problema de segurança ou acesso indevido em um condomínio, a frase mais ouvida é: "A culpa é do porteiro". Mas será que é mesmo? Ou será que a responsabilidade vai muito além da guarita?
O controle de acesso é um dos pilares da segurança condominial. No entanto, na prática, é comum vermos regras que não funcionam, procedimentos mal definidos e, principalmente, moradores que insistem em burlar as normas. Resultado: quando algo dá errado, o porteiro é o primeiro a ser apontado como culpado — ainda que ele seja apenas o elo mais visível de uma cadeia de responsabilidades que começa na gestão e passa por todos os moradores.
Uma das principais falhas está na ausência de protocolos claros. Muitos condomínios não possuem manuais, fluxogramas de procedimentos ou treinamentos periódicos para a equipe de portaria. O porteiro, muitas vezes, age por bom senso — e o bom senso de um pode ser o erro grave para outro. Sem um roteiro de conduta definido, decisões críticas ficam ao sabor de interpretações pessoais, e isso pode custar caro em situações de risco real.
Outro ponto crítico é a falta de investimento em tecnologia. Sistemas de controle de acesso desatualizados, câmeras mal posicionadas ou sem manutenção e ausência de registros dificultam a atuação correta do profissional. Enquanto alguns prédios já contam com biometria, QR Codes temporários e aplicativos para gestão de visitantes, outros ainda operam como há 20 anos, com cadernos de anotações e interfones sobrecarregados — uma defasagem que compromete a segurança.
É comum vermos condôminos que exigem segurança máxima, mas que, no dia a dia, flexibilizam as regras. Autorizam a entrada de prestadores de serviço sem cadastro, pedem para “liberar rapidinho” amigos que chegam de surpresa, ou deixam portões abertos enquanto conversam com vizinhos. Há ainda a famosa “carona”: o portão veicular é aberto para um morador, e outro veículo aproveita para entrar sem se identificar. Isso não só coloca em risco a segurança como aumenta a chance de acidentes, como o fechamento do portão em um veículo. São pequenos atos, muitas vezes vistos como “inofensivos”, mas que fragilizam todo o sistema e tornam inútil qualquer investimento feito em segurança.
A função do porteiro, em muitas ocasiões, vai além da sua competência original — que deveria se restringir ao controle de acesso de pessoas e veículos, recepção e direcionamento de visitantes, fiscalização da movimentação no prédio e comunicação com moradores e funcionários. Na prática, ele é sobrecarregado com tarefas que não são suas: distribuição de encomendas, limpeza de espaços e até vigilância improvisada de crianças desacompanhadas nas áreas comuns.
A segurança é um trabalho coletivo. Cabe à gestão criar regras claras, treinar a equipe, fiscalizar procedimentos e investir em recursos adequados. Cabe aos moradores respeitarem as normas que ajudaram a aprovar em assembleia. E cabe ao porteiro cumpri-las, sem ser colocado na posição de “vilão” ou “herói solitário”.
O foco deve estar na prevenção e não na punição. Revisões periódicas de procedimentos, simulações de situações de risco, atualização tecnológica e comunicação constante com todos os moradores reduzem a margem de erro. Um condomínio que investe em cultura de segurança — e não apenas em equipamentos — cria um ambiente mais protegido e harmonioso para todos.
No fim, culpar o porteiro é fácil. Difícil — mas necessário — é assumir que segurança em condomínio começa na cultura de todos que vivem e trabalham nele. É mudar hábitos, respeitar regras e compreender que segurança não é função de uma pessoa, mas de uma comunidade inteira.
(*) Alex Garcez, advogado especialista em Direito Condominial
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