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A insatisfação nas ruas: os manifestantes ainda não viram tudo

Por Guido Bilharinho (*) | 10/07/2013 09:33

O Brasil foi tomado no mês de junho último por manifestações de insatisfação, protesto e reivindicações de proporções inéditas até então.

A palavra chave do fenômeno é insatisfação. Insatisfação generalizada contra o estado das coisas no país. Se há (e há) progressos, instalações e condições inimagináveis até mesmo há trinta ou quarenta anos atrás (imagine-se antes!), os desmandos, a incompetência, a desonestidade, o oportunismo, a falta de caráter, a carga tributária, a burocracia, a violência e a insegurança também multiplicaram-se, permeando e afetando o tecido social.

Os manifestantes que foram às ruas para expor essa legítima insatisfação, além de merecerem todos os elogios, exceto, obviamente, os baderneiros, os vândalos e os meliantes, nem sentiram ainda, pela idade da maioria, a tragédia de um país injusto e engessado.

Se percebem que, com exceção de poucas e sofridas entidades culturais e assistenciais privadas, a maioria absoluta das organizações partidárias, sindicais e ongs de diversas matizes pautam-se por interesses particulares de seus dirigentes, ou, quando menos, por ideologia, não representando senão a si mesmas, ainda não enfrentaram as angustiantes filas dos atendimentos públicos. Se acham absurdos os gastos com estádios, futuros elefantes brancos a darem só despesas (mas, contraditoriamente, muitos são contra seu arrendamento a particulares), não tiveram de amargar meses para simples averbação em registro público e nem pagar taxas exorbitantes só para registrar mera ata de eleição de diretoria de entidade cultural absolutamente destituída de finalidade lucrativa.

Se, com sobeja razão, repudiam a maioria dos candidatos e dos eleitos pela sociedade (e não políticos, que são outra coisa, rara no Brasil atual) para os executivos e legislativos, nunca atentaram que eles têm de gastar fortunas nas campanhas eleitorais (talvez, em média, uns três milhões de reais para deputado federal), ainda correndo o risco (certo para a maioria) de não serem eleitos. Então, como candidamente pretender que só idealistas se candidatem e como exigir que quem paga ou tem de obter meios de custear os gastos de sua eleição vá representar o “povo”? Sobre isso, aliás, ninguém fala! Por quê? Como também pouco se fala e se escreve contra os excrescentes fundo partidário e imposto sindical.

Ao contrário, investem até contra o fundo público eleitoral, que deverá ser gerido e aplicado pela Justiça Eleitoral e não pelos partidos, proibidas totalmente outras fontes de custeio e outros gastos, oriundos até mesmo dos próprios candidatos, com o que, e só assim, haverá a decantada democracia no país, possibilitando a candidatura de todo cidadão no gozo de seus direitos e a ser exercitada em campanhas eleitorais regulamentadas.

Se os manifestantes externam legítima insatisfação contra a corrupção, o sobrefaturamento e os desvios de recursos em obras públicas e contra os gastos estatais com a Copa, não atentaram, ainda, para os permanentes, inconstitucionais e fabulosos gastos publicitários das administrações e dos legislativos federais, estaduais e municipais em rádios, TVs, internet, jornais, folhetos e catálogos para se autoelogiarem.

Essa juventude tão justamente insatisfeita nem ainda enfrentou o engessamento do país em todas as áreas, com multiplicidade de exigências formais e burocráticas de toda ordem e espécie, como, por exemplo, em relação ao meio ambiente, a respeito do qual o Brasil tem a legislação mais draconiana do mundo, com imposições cerceadoras que nenhuma outra nação tem, desequilibrando os índices de custos e produtividade e enfraquecendo o país na competição internacional, quando o correto e cientifico é se ter legislação uniforme para todos os países, visto que a questão ambiental é planetária.

Além de tantos outros descabimentos, distorções e deturpações, essa juventude ainda nem enfrentou o confisco representado pela alta carga de impostos do país, a ponto de um profissional autônomo pagar, só do soi-disant imposto “de renda” e sofismaticamente “outros proventos”, praticamente um terço de seu ganho bruto, nem atentou, também, para a imensa injustiça tributária que obriga o assalariado do mínimo pagar, de imposto de consumo, a mesma percentagem de um milionário.

E, ainda, nem conhece a sangria a que é submetido o país com a absurda remessa às matrizes das multinacionais de lucros, royalties, dividendos e rendimentos diversos. Como demonstrado pelo departamento (ministério) de Comércio dos E.E.U.U., de 1990 a2000 a América Latina enviou para aquele país a esses títulos nada menos de UM TRILHÃO DE DÓLARES (Folha de S. Paulo, de 10/02/2003), fora o que remeteu para a Europa, Coreia do Sul e Japão.

Nada há, no momento, mais autêntica, legítima e motivada do que a insatisfação generalizada no país com o estado (geral e particular) das coisas (de todas as coisas), como, por exemplo, o aposentado pelo INSS não poder auferir mais do que R$4.150,00 (que é o teto fixado), enquanto os servidores públicos aposentam-se com vencimentos integrais, de R$ 12.000,00, R$ 15.000,00 ou mais de R$ 20.000,00, havendo, pois, defasagem absurda entre esses regimes de aposentadoria, que alguns querem uniformizar, mas, para baixo, já que necessário sobrar recursos para as mordomias oficiais, os palácios luxuosos, as viagens, nacionais e internacionais, constantes e caríssimas, a maioria delas, notadamente de congressistas, meras (não inúteis, mas, nocivas) vilegiaturas turísticas, enquanto o povo aufere o mínimo (e é o mínimo mesmo) e rala nos ônibus precários e nos metrôs e trens suburbanos superlotados das grandes cidades.

Por isso e por muito mais, o Brasil necessita ser passado a limpo, reorganizado de cima a baixo, para que suas instituições públicas (e as privadas também) passem efetivamente a contribuir para o progresso e bem-estar dos brasileiros e não sejam entraves à boa administração e ao desenvolvimento do país, como o é o caótico sistema político organizado, dirigido e mantido por grandes conglomerados empresariais, diretamente ou por meio de representantes.

Por fim, é de se observar e atentar que a causa maior, se não a única, de toda a precariedade (e ponha precariedade nisso) das instituições públicas e privadas brasileiras decorre, fundamental e principalmente, da permanente abstenção da sociedade, de sua não participação, de sua carência de espírito crítico, combativo, organizacional e, em decorrência, de sua falta de exigência, de seu alheamento, descaso, comodismo e abulia.

Por isso, alvíçaras para as manifestações. Mas que não se fique só nelas e que tenham, sempre, espírito crítico e combativo, mas, construtivo, escoimados das manifestações os recalques, as invejas e as abomináveis unilateralidades ideológicas, sempre obnubiladoras da mente e limitadoras do raciocínio e da percepção da realidade.

(*) Guido Bilharinho é advogado.

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