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Carta de Apoio a Eduardo Moreira

Pedro Kemp(*) | 24/05/2021 15:04

“Tem pão velho?

Não, criança, tem sua fome travestida de trapos nas calçadas, que tragam

seus pezinhos de anjo faminto e frágil, pedindo pão velho pela vida. Temos

luzes sem alma pelas avenidas. Temos índias suicidas, mas não temos pão.”

Emannuel Marinho (Genocíndio)


Prezado Eduardo Moreira


O ilustre poeta douradense Emmanuel Marinho é uma das vozes que há anos vem denunciando e alertando, com sua poesia-profecia, a escandalosa situação a que estão submetidos os índios em Mato Grosso do Sul. A exemplo dele, vários ativistas e pesquisadores, ligados a organizações de defesa dos direitos humanos, entidades indigenistas, professores universitários, ao lado de algumas autoridades do Ministério PúblicoFederal, das Defensorias Públicas Estadual e Federal e de uns poucos parlamentares, têm se posicionado em defesa dos seus direitos e garantias constitucionais.

Todos estes se fazem solidários com o movimento indígena, que muitas vezes paga com a vida de suas lideranças o preço de lutar e resistir pela demarcação de suas terras tradicionais e pelo direito a uma vida digna em seus territórios.


Este Estado, que já foi terra da erva-mate, passou a ser a do boi e da soja, depois, da cana-de-açúcar para alimentar as usinas de álcool, e agora, que vem se preparando para ser a terra do eucalipto, e se tornar o maior produtor de celulose em todo o mundo, abriga a segunda maior população indígena do país, com oito etnias diferentes, e faz questão de tornar esta população invisível e silenciosa, para não atrapalhar as atividades econômicas do agronegócio. Aqui há muito preconceito e discriminação contra os índios,  que muitas vezes são vistos como invasores de terras e como gente que não  produz.


Grande parte da população sul-mato-grossense não conhece os povos indígenas que vivem no estado, sua história, sua cultura e a verdadeira realidade das suas aldeias. Para muitos, demarcar terras indígenas é tirar terra produtiva de quem “sabe produzir” e passar para quem não produz.


O estado, no passado, expropriou as terras tradicionais dos povos indígenas e as titulou a terceiros, deixando comunidades confinadas em pequenas reservas, à beira de estradas ou em acampamentos improvisados.

Com uma população de 80.500 índios, vivendo em 56 comunidades, apenas 2,28% de seu território é considerado terra indígena.

O confinamento em pequenas áreas, a deficiência nas políticas públicas de saúde e educação, a falta de investimentos na autossustentabilidade das aldeias e os conflitos agrários têm gerado situações de extrema pobreza e de muitas formas de violência. Dentre as etnias do estado, a que está mais exposta a situações de vulnerabilidade social é a dos Guarani-kaiowá, uma das mais numerosas e com menor proporção de terras demarcadas.


 Em suas áreas, chamam a atenção os barracos precários onde moram as famílias, a falta de água potável, a fome crônica, a desnutrição infantil, o alcoolismo, os conflitos internos, os casos elevados de suicídio e as perseguições às lideranças das comunidades.

A reserva indígena de Dourados tem a maior concentração de população indígena do país, cerca de 15 mil habitantes, vivendo numa área de 3.500 ha, e uma elevadíssima taxa de homicídios (101,18 por cem mil habitantes).


Na condição de deputado estadual e de militante do movimento dos direitos humanos, sempre me posicionei para denunciar as violências sofridas pelos povos indígenas de nosso estado, cobrando providências do governo federal quanto à demarcação dos seus territórios, garantida pela Constituição de 1988, que estabeleceu um prazo de 5 anos para tal, e reivindicando o atendimento adequado do poder público às comunidades com políticas públicas na área da saúde, com atendimento médico e medicamentos, na educação escolar indígena, específica e diferenciada, no investimentos na produção agrícola de subsistência e na valorização dos elementos da sua cultura tradicional.


Porém, esta luta não tem sido fácil. Ainda são poucos os aliados desta causa. Foram mais derrotas do que avanços nos últimos anos: processos demarcatórios paralisados, judicializações, despejos de comunidades, assassinatos de lideranças, aumento da miséria e da fome nas comunidades.


Caro Eduardo Moreira, sobre suas recentes declarações numa entrevista à Leda Nagle, retratando a situação dramática da comunidade indígena que vive na periferia da cidade de Dourados, quero manifestar meu total e irrestrito apoio e solidariedade às suas preocupações, que deveriam ser de todos aqueles que desejam uma sociedade mais justa e fraterna, especialmente das autoridades do meu estado. Causa-nos indignação a posição daqueles que se preocupam mais com a imagem da cidade e do estado do que com a situação em que vivem os índios, querendo esconder a miséria e a fome para debaixo do tapete da hipocrisia.


O reconhecimento dos nossos graves problemas é o primeiro passo para nos mover na direção busca de soluções e providências. Neste sentido, você somente disse o que tem que ser dito e lembrado, retratou a triste realidade dos fatos, não só de Dourados, mas de muitas outras cidades do Mato Grosso do Sul, e nos chamou a atenção mais uma vez para um problema que diz respeito a todos nós, e que é de responsabilidade primeira do poder público, que detêm os meios e instrumentos para a garantia dos direitos dos povos indígenas.


Quando uma voz como a sua se levanta para dizer ao País como vivem nossos irmãos indígenas nesta terra do agronegócio e de tantas belezas naturais, somos tomados pelo sentimento de gratidão e de esperança.


Gratidão, por não deixar a humanidade se acostumar com as violências sofridas por essas pessoas, feitas invisíveis e marginalizadas pela sociedade, e considerar como normais situações de fome e de indigência a que estão submetidas. Esperança, por nos fazer acreditar que uma outra realidade para os povos indígenas é possível, a começar pela valorização da sua luta e da sua resistência.


A luta é pelo fim do “genocíndio”! Essa luta é sua, é dos povos indígenas, é nossa.

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