Congelar o aluguel não constrói moradia
A vitória de Zohran Mamdani nas primárias democratas em Nova York, com a promessa de expandir o congelamento de aluguéis, reacendeu um desejo recorrente em grandes cidades: o de conter a alta dos preços por decreto.
A proposta tem apelo imediato, especialmente onde aluguéis sobem mais rápido do que salários. Mas, como mostram décadas de pesquisa econômica, não há mágica que sustente um teto de preços em um mercado marcado pela escassez. A intenção é legítima. O efeito, quase sempre, não atende a esses anseios.
Políticas de congelamento reduzem a oferta de moradias, desestimulam a manutenção dos imóveis e transferem a pressão para bairros e unidades não reguladas, o que agrava desigualdades urbanas. Em São Francisco, por exemplo, uma expansão do controle nos anos 90 foi analisada por Diamond, McQuade e Qian. Houve queda de 15% na oferta de imóveis de aluguel após a medida, além de aumento nos preços do mercado não controlado e uma gentrificação acelerada. Famílias com maior renda passaram a ocupar os bairros onde o congelamento existia, já que os antigos inquilinos foram sendo deslocados com os proprietários mudando o uso das unidades para evitar a medida.
Além dos efeitos sobre a oferta e a qualidade, o congelamento também compromete a alocação eficiente da moradia. Glaeser e Luttmer mostram que o controle de aluguéis tende a gerar uma distribuição ineficiente dos imóveis: famílias pequenas ocupando apartamentos grandes, idosos sozinhos em grandes unidades, jovens e migrantes dividindo espaços apertados em bairros distantes. Como nesse cenário os incentivos não seguem a lógica de uso, mas de permanência no benefício, o resultado é que as moradias não vão para quem mais precisa ou mais as valorizaria.
Esse diagnóstico, contudo, não quer dizer que nada pode ser feito. Contudo, há alternativas melhores. Em 2016, Auckland, na Nova Zelândia, acabou com o zoneamento exclusivamente unifamiliar em grande parte da cidade. A medida levou à construção de 20 mil unidades adicionais em apenas cinco anos e ajudou a conter a alta dos aluguéis, segundo Greenaway-McGrevy e Phillips. Em vez de medidas pontuais, a cidade alterou a estrutura da escassez ao permitir mais pessoas vivendo onde já havia infraestrutura. Os maiores ganhos foram entre os inquilinos de menor renda.
Portland e Minneapolis também adotaram reformas de zoneamento que permitiram pequenas construções (3 andares) em bairros antes exclusivamente residenciais. Em Portland, segundo dados da prefeitura, os "middle housing units" já superam o número de casas unifamiliares construídas nas zonas antes restritas. No Brasil, São Paulo alterou seu zoneamento em 2014. Anagol, Ferreira e Rexer mostram que isso aumentou significativamente a construção de moradias nas quadras beneficiadas. E, diferentemente do temor comum, os preços médios caíram ligeiramente, mesmo em um mercado altamente pressionado.
A disputa entre inquilinos e proprietários é, no fundo, uma disputa sobre o futuro das cidades. O proprietário se beneficia da escassez, o inquilino precisa de mais oferta. Eu também adoraria um jeito simples de pagar menos aluguel. Mas não existe. O que existe é trabalho, decisão política e um acúmulo de evidências mostrando que congelamentos não resolvem. Se queremos cidades mais acessíveis, precisamos construir mais moradias.
Nada disso implica abandonar a política habitacional. Mas é preciso ir além da proteção dos contratos existentes e criar novas possibilidades de moradia. Habitação de interesse social bem localizada, fiscalizada e integrada é parte da solução, mas só funciona onde há terreno disponível e permissão para construir. Congelamentos de preços travam os dois.
(*) Deborah Bizarria, economista e especialista em gestão pública no Insper, através da Folha de S. Paulo
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