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Cotas universitárias, debates e perguntas

Bruno Peron (*) | 09/09/2012 08:26

Em 29 de agosto de 2012, a presidente brasileira Dilma Rousseff sancionou o Projeto de Lei Nº 73, que a deputada federal Nice Lobão propôs em 1999. A Lei, que já havia sido aprovada pelo Senado no início do mesmo mês, ficou conhecida como "Lei das Cotas" e garante 50% das vagas das 59 universidades federais a estudantes egressos do Ensino Médio de escolas públicas.

Todas as universidades federais têm o prazo de 4 anos para adequar-se à Lei das Cotas, que prevê sua própria revisão de conteúdo depois de 10 anos de aprovação. Trata-se de uma abertura de portas da universidade com critérios de renda e etnia por políticas de ação afirmativa, ou seja, políticas de inclusão sócio-educativa por cotas sociais e cotas raciais.

A sanção presidencial ocorreu após a alteração do segundo artigo, que estabelecia que a admissão dos estudantes seria pela média das notas no Ensino Médio (o projeto anterior da Lei previa que as notas teriam "como base o Coeficiente de Rendimento - CR, obtido através de média aritmética das notas ou menções obtidas no período"). Optou-se, no lugar deste método de seleção, pelas notas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que fará a seleção dos estudantes que aspiram a vagas nas universidades federais pelo sistema de cotas.

Metade das vagas cotistas (ou 25% do total das vagas) será preenchida a partir do critério de auto-atribuição étnica (a qual grupo étnico o candidato diz que pertence) e de renda familiar (que deverá ser de até um salário mínimo e meio por membro da família) por estudantes que também passem por escolas da rede pública de ensino. Censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dividirão as vagas destes 25% proporcionalmente entre a quantidade de negros, pardos e índios que habitam cada unidade federativa.

Enquanto se efetiva a Lei das Cotas, propõe-se a discussão de que estudantes cotistas com deficiência educativa recebam tutoria para nivelar-se aos colegas não-cotistas e manter, assim, a "excelência acadêmica" destas instituições. Este é o outro lado da moeda deste tipo de ação afirmativa porque a tutoria requer investimento noutro segmento de servidores públicos até então desnecessário pela seleção estudantil niveladora pelo vestibular e imporá novo empecilho à questão do mérito de que o sistema de cotas descuida.

Mais de 80% dos estudantes brasileiros do Ensino Médio estão em escolas públicas, porém uma minoria deles ingressa nas universidades financiadas pelo governo. A Lei das Cotas reanima o debate político sobre as desigualdades em qualidade de ensino entre as escolas privadas e as públicas. É antigo o dilema, porém, sobre se educação deve ser assunto de Estado ou objeto de negócios. Soma-se ao dilema o interesse dos promotores da educação privada de que a qualidade da educação pública mantenha-se num nível insatisfatório.

Não aprovo completamente o sistema de cotas para acesso à universidade pública, mas reconheço que um dos benefícios da Lei das Cotas é o de chamar atenção das elites e tomadores de decisão para o problema da deterioração gradual da qualidade do ensino público no Brasil. A preocupação com a qualidade dos universitários exigirá que eles tenham boa formação no Ensino Médio onde quer que o façam. Uma política puxa outra, embora não nos devamos distrair de que o ensino básico brasileiro tem que melhorar para que os jovens deem pulos mais altos quando cheguem à véspera de escolher uma carreira. Portanto a Lei das Cotas não resolve o problema da educação com políticas para o Ensino Superior.

A Lei das Cotas é uma estratégia de longo prazo para redução de desigualdades econômicas via políticas que consideram critérios de renda e etnia no acesso à educação superior. Primeiro se inclui pelo meio educativo onde há predomínio de estudantes de escolas privadas; logo se espera que a inclusão se faça pela renda. Mas esta segunda etapa é apenas uma projeção de política pública para daqui a muitos anos. O debate transborda de um campo que tradicionalmente lhe pertence a outro alheio com que aparentemente não há ligação. Os defensores das cotas costumam argumentar a seu favor como medida corretiva e provisória.

Proponho perguntas inadiáveis sobre um tema educacional que leva décadas sem resolução: Como ficará a situação dos cursinhos pré-vestibulares, que treinarão os candidatos a vagas ainda mais concorridas? Que se espera dos investimentos em aumento do número de vagas em universidades públicas para os interessados de uma população que já se aproxima dos 194 milhões, segundo dados últimos do IBGE? A resolução de dívidas de gerações anteriores se faz sacrificando o mérito das atuais, cujos filhos nascem evidentemente sem ter culpa do que fizeram seus tataravós? Que atributos se buscam num candidato apto a uma vaga universitária num país que não pode mais adiar seus investimentos em ciência e tecnologia?

(*) Bruno Peron é mestre em Estudos Latino-americanos por Filos/ UNAM (Universidad Nacional Autónoma de México)

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