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Dionísio e a falta que sobra em todos nós

Por Gillianno Mazzetto (*) | 13/09/2017 13:09

Vocês já ouviram falar de Dionísio, um deus grego que cuidava das festas e dos divertimentos? Pois é, esse senhor que lá na Grécia antiga animava as festas nas quais as pessoas davam vazão às suas vontades reprimidas e saíam da rotina parece estar voltando cada vez mais em nossos dias sob a roupagem de um consumo de tudo aquilo que se pode, inclusive da vida.

As festas dionisíacas, sejam elas as urbanas ou as rurais, eram espaços nos quais as pessoas faziam experiências de catarses, isto é, de evasão. Usando a alegoria desse deus grego gostaria de ilustrar e pensar alguns aspectos da contemporaneidade. Um deles é o da evasão. Mas como podemos notar isso?

A busca da evasão, da catarse pode ser notada na contemporaneidade naqueles momentos em que as pessoas, de maneira particular os jovens, rompem a rotina, a normalidade. Essa evasão caracterizar-se-ia pelo processo mediante o qual se pode viver intensamente a vida, seja por meio de uma festa, da busca por esportes radicais, ou por situações inusitadas que possam dar um pouco de adrenalina aos participantes. É preciso testar os limites, seja do corpo ou da mente para se sentir vivo e, paradoxalmente, poder acabar morrendo por isso. São as contradições de Dionísio.

Na sociedade movida por Dionísio, tudo se torna espaço do espetáculo e da “mostração”, inclusive a falta, seja ela de sentido, de oportunidade ou de horizonte. De fato, como anunciava o Teatro Mágico: “Sobra tanta falta” que tem levado a algumas posturas muito radicais, inclusive o abrir mão da própria vida.

Se na modernidade a compreensão e a razão foram as faculdades humanas mais valorizadas, na pós-modernidade a dimensão sinestésica, isto é, senciente está sendo colocada em evidência. Por isso as pessoas de nossa época buscam experiências: elas querem sentir e desejam fazer isso de maneira intensa. As pessoas, de maneira particular os jovens, fazem das relações, do trabalho, do lazer, da religião uma experiência de estar no mundo com os outros sentindo a si mesmo e aos outros. Mas o que isso implica?

Implica uma valorização do presente, do instante, no qual se sente como único espaço para a possibilidade de ser, muitas vezes sem se pensar nas consequências. Implica que a lógica do penso logo sou, daquele cara chamado Descartes passa a ser a do sinto, logo existo. Jargões como o “se faz sentir, faz sentido” nunca encontraram tanto espaço como entre as pessoas de nossa época. É buscando sentir, cada vez mais e com maior intensidade, que é possível entender algumas das práticas das pessoas como a busca pela evasão que em muito casos, por não medirem as conseguências podem ter fins ou trágicos ou inesperados, afinal Dionísio é o deus da festa e não do que vem antes ou depois dela.

Pensar a contemporaneidade à luz de Dionísio nos ajuda a perceber que a ideia de um futuro organizado, projetual, que deveria ser construído de maneira gradual e sistemática está sendo substituído por um presente que deve ser vivido de maneira intensa, como se existisse uma sede que nunca tem fim, uma falta que nunca deixa de ser. A alegoria de Dionísio é uma das figuras que nos permitem entender certas disritmias da contemporaneidade e aqui é preciso resgatar o alerta feito por José Saramago no Ensaio sobre a cegueira: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara!”

(*) Gillianno Mazzetto é professor de filosofia da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).

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