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Gamificação no ensino superior: o erro como ferramenta de aprendizado

Hugo Tourinho Filho (*) | 21/10/2020 10:32

Num momento em que somos desafiados a nos (re)inventar como docentes e as atividades remotas de ensino passaram a ser nossa nova rotina, a possibilidade do uso de metodologias ativas tornou-se uma estratégia muito interessante, na medida em que busca tornar o processo ensino-aprendizagem mais atrativo em tempos de isolamento social.

Metodologia ativa é um conceito amplo, que pode englobar diferentes práticas em sala de aula. Em comum, todas têm o objetivo de tornar o aluno protagonista dentro do processo, participando ativamente de sua jornada educativa.

A ideia é estimular uma maior responsabilidade do estudante pela construção do próprio saber em instituições de ensino. Assim, ele se envolve no processo de aprendizado de maneira ativa, superando a noção de aulas expositivas e com pouca interação no processo de ensinar.

Dentro desta lógica, que busca trazer o aluno como centro do processo, participando ativamente da construção do conhecimento, encontra-se a gamificação como estratégia de ensino no século XXI.

A discussão sobre o processo de gamificação cresce em diferentes espaços com destaque para os cenários acadêmicos, de marketing e/ou profissionais e já vem influenciando práticas das quais se destacam as educacionais.

O termo gamificação compreende a aplicação de elementos de jogos em atividades de não jogos. A gamificação parte do conceito de estímulo ao pensamento sistematicamente como em um jogo, com o intuito de se resolver problemas, melhorar produtos, processos, objetos e ambientes com foco na motivação e no engajamento de um público determinado.

Dentro desta linha de raciocínio, a literatura tem sinalizado para o fato de que o nível de engajamento das pessoas é fundamental para o sucesso em gamificação.

O foco da gamificação é envolver emocionalmente o indivíduo dentro de uma gama de tarefas realizadas. Para isso se utiliza de mecanismos provenientes de jogos que são percebidos pelos sujeitos como elementos prazerosos e desafiadores, favorecendo a criação de um ambiente propício ao engajamento do indivíduo.

As pessoas envolvidas nas dinâmicas propostas pela gamificação são desafiadas o suficiente para que assim possam atingir o estado de Flow. A teoria do Flow aponta características que as pessoas apresentam ao desenvolver uma atividade prazerosa, resultando na felicidade e bem-estar e, dessa forma, a gamificação surge como uma das tendências que levam o usuário a esta sensação de satisfação.

Os três pilares para qualquer processo de gamificação ter sucesso são: aprender com o erro, protagonismo e engajamento:

Aprender com o erro: é o conceito de que o jogador não deve ser punido por não conseguir acertar de primeira. No processo de gamificação, o erro deve ser visto como uma oportunidade de aprendizado. A pergunta a ser feita é “Você consegue encontrar uma maneira de solucionar este problema?”, ao invés de “Você sabe a resposta certa?”.

Protagonismo: é a sensação percebida pelo jogador de que as suas ações influenciam diretamente no resultado final. O entendimento de que ele está no controle e de que é capaz de alterar o rumo de sua vida futura, mudar seus hábitos e decisões atuais. A percepção de que seu presente molda o seu futuro.

Engajamento: definido como a não obrigatoriedade na participação de um processo. Base da espontaneidade de engajamento em qualquer atividade. Nenhum jogo/processo gamificado alcançará o sucesso se os seus jogadores não quiserem participar/jogar voluntariamente.

Em síntese, a gamificação se constitui na utilização da mecânica dos games em cenários não games, criando espaços de aprendizagem mediados pelo desafio, pelo prazer e entretenimento.

Dentro dessa lógica, o game KTNE (Keep Talking and Nobody Explodes) pode ser um exemplo de instrumento (gamificação) a ser utilizado para permitir uma série de reflexões sobre a atividade docente no ensino superior.

Neste jogo, um jogador deve desarmar as bombas (desarmador) com a ajuda de outros jogadores que possuem um manual de desarmes da bomba (especialistas). O desarmador não pode ver o manual, apenas pode contar com as instruções dos especialistas; do outro lado, os especialistas não podem ver a bomba e dependem apenas das descrições dadas pelo desarmador sobre a bomba. Toda bomba tem um contador que, se chegar ao zero, fará com que exploda. A bomba também tem um número máximo de faltas que são causadas ao errar no desarmamento de algum módulo. A bomba também explodirá se o limite de faltas for atingido.

Capacidade de comunicação, capacidade de liderança, organização, capacidade de tomada de decisão sob pressão e capacidade de trabalhar em equipe são alguns dos requisitos para a obtenção de sucesso neste jogo e o fator principal – a capacidade de aprender com os erros cometidos nas tentativas anteriores. Baseado em toda esta dinâmica proposta pelo KTNE é possível desenvolver uma série de discussões sobre a atividade docente no ensino superior e levar à reflexão sobre possíveis ferramentas que possibilitam um ambiente menos hostil e mais propício à inovação dentro de uma sala de aula.

Durante todo o ano de 2019, esta dinâmica foi utilizada em uma das ações promovidas pela Pró-Reitoria de Graduação, por meio de oficinas realizadas nos campi da instituição que buscaram promover reflexões com os docentes sobre as suas atividades de ensino dentro da USP.

Num mundo sacudido por um vírus, nunca foi tão importante o papel das instituições de ensino superior como local de referência para o enfrentamento desta pandemia e, dentre estes desafios, encontra-se a oportunidade de repensarmos nossas ações de ensino procurando, mais do que nunca, formar líderes para um mundo de incertezas.


(*) Hugo Tourinho Filho é professor da Escola de Educação Física e Esporte da USP

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