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O duplo estigma vivenciado por alunos negros com deficiência

Danielle Scholz (*) | 20/07/2021 12:49

Diante da diversidade que habita a escola, faz-se importante voltar o olhar para as relações sociais que permeiam esse espaço. Esse apontamento está embasado em uma perspectiva de Educação que supera prescrições pedagógicas conteudistas e se organiza com vistas à aprendizagem como produção de cidadania, pois a escola propicia a afirmação da vida e das diferenças. Partindo desses pressupostos, ao analisar a produção de estigma em alunos negros e com deficiência, o racismo e o capacitismo se interpõem de modo estrutural, tal como nas relações sociais da sociedade brasileira reproduzidas no microcosmo do espaço escolar.

A população negra é atravessada por experiências históricas de racismo e discriminação racial construídas no processo de escravização, colonização e vertentes hierarquizantes do racismo científico e do processo que constitui o mito da democracia racial. O Movimento Social Negro é central nas lutas dessa parcela da população, assim como na elaboração de políticas públicas educacionais para as relações étnico-raciais na educação, como, por exemplo, a Lei Federal n.º 10.639 de 2003.

No que tange às pessoas com deficiência, é possível reconhecer a exclusão vivenciada por meio de preconceitos evidenciados principalmente pelo capacitismo, retratando, no decorrer da história, uma sociedade construída com importantes disparidades acerca da garantia de direitos da população. O Movimento Político das Pessoas com Deficiência trouxe para o cenário de lutas sociais o protagonismo dessa parcela da população, sendo que a disputa principal está centrada no direito à cidadania. No campo das políticas públicas educacionais, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva é importante marco da luta pela inclusão formal das pessoas com deficiência.

Dentre as políticas públicas educacionais citadas, é visível a interlocução de intenso movimento no campo das Ações Afirmativas, cuja perspectiva reparatória proposta nos fazeres pedagógicos caminha na direção da equidade, rompendo modelos históricos de exclusão para com essa parcela da população. Ainda são grandes, entretanto, os desafios de operar de forma efetiva frente a atos capacitistas e de racismo, compreendidos como barreiras à perspectiva de inclusão e transformação social na Educação.

Em face a essa conjuntura, a partir de um fazer como pesquisadora durante o Mestrado em Educação no Programa de Pós-graduação em Educação da UFRGS, na linha de pesquisa Educação Especial e Processos Inclusivos, vinculada ao Núcleo de Estudos em Políticas de Inclusão Escolar (NEPIE), mergulho na análise de produções teóricas acerca do tema e me encontro com narrativas de professoras e gestoras de escolas públicas da região metropolitana da capital gaúcha.

Essa produção contou com uma fundamentação acerca do conceito de estigma e de conceitos correlatos, os quais acabam por compor o conceito de duplo estigma, cunhado pelo pesquisador Carlos Vinicius Gomes Melo. É na micropolítica dos encontros que emergem discursos de visibilidade das vivências de alunos negros e com deficiência assujeitados na escola aos constantes olhares estigmatizantes arraigados em estereótipos depreciativos.

Essas características estruturais discriminatórias e produtivistas deste país colocam as pessoas com deficiência cotidianamente diante de barreiras para alcançar oportunidades para o seu desenvolvimento e as pessoas negras como alvos constantes de um ideal de branqueamento e branquitude. Os alunos negros com deficiência, portanto, vivenciam o duplo estigma no espaço escolar: uma construção da sociedade que adentra a escola por meio de relações estabelecidas e os coloca em posições estigmatizadas.

A duplicidade de estigmas na qual esses sujeitos estão inscritos, explícita por parte de professoras e gestoras, demonstra os efeitos deletérios para a autoestima e o processo de aprendizagem desses alunos, salientando a complexidade de relações que se estabelecem a partir dessas vivências no espaço escolar.

Esses apontamentos demonstram a relevância de esse tema ser problematizado e explorado no campo da Educação, pois é reflexo das complexas relações de exclusão e enfrentamento oriundas da dupla estigmatização e da consequente produção de desigualdades sociais no espaço escolar e no cotidiano das vidas dos sujeitos negros com deficiência.

(*) Danielle Scholz é enfermeira, mestre em Educação e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS. Atua nos estudos vinculados às relações étnico-raciais nas áreas de Educação e Saúde, em especial na Saúde Mental Coletiva e no campo das deficiências, principalmente na Educação Especial na Perspectiva Inclusiva.

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