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O legado de Getúlio

Por Benedicto Ismael Camargo Dutra (*) | 24/05/2014 08:07

O filme de João Jardim, com Toni Ramos interpretando o presidente Getúlio Vargas, e que apresenta as últimas semanas do seu governo, poderia ter se aprofundado um pouco mais se tivesse mostrado as razões e as circunstâncias que levaram o governante a impulsionar a indústria e a implantar o monopólio petrolífero do Estado num Brasil que vinha se arrastando na dormência desde a sua descoberta. Uma história passada há 60 anos, difícil de ser contada, principalmente porque do lado oculto, onde se planejou a deposição, não houve transparência por estarem envolvidos o petróleo e outras riquezas.

A mídia pressionava de todos os lados. Getúlio queria saber quem eram os mandantes de fato que articulavam a trama para a derrubada do governo. Mas ninguém ficou sabendo disso com exatidão. A morte do presidente e sua carta-testamento provocaram grande comoção que perdurou durante anos, influenciando jovens e idosos.

Inconscientemente, a população pressentia que algo não estava certo. Os jovens, em particular, ansiavam por mudanças. No entanto, desconheciam a vida e seu significado; queriam encontrar culpados, eram direcionados para atribuir o mal à estrutura capitalista, quando na realidade o mal residia na sintonização errada dos seres humanos, que ao se prenderem unilateralmente ao materialismo, não se esforçam em compreender a Criação e suas leis, ficando longe do sentido da vida humana.

O jornalista suíço Albert Béguin, diretor da "Esprit", revista da esquerda intelectual católica, chegou a dizer que ao convocar as massas a participar ativamente da existência nacional, o suicídio de Getúlio tinha feito o Brasil entrar no século 20. Acertou ao prever que as eleições daquele ano mostrariam que a carta conseguira levantar as massas. O problema, indagava ele, era quem seria capaz de educá-las. Aliás, esse se tornou um problema global cuja solução encontrada foi a moldagem através da propaganda e da interferência na cultura e na arte.

O suicídio é uma medida extrema, e com certeza é contrário às leis naturais da Criação. Muitos estudiosos acreditam que a morte retardou um golpe, permitindo a continuidade da Constituição vigente e o processo eletivo que colocou Juscelino Kubitschek no poder - o homem que levou a capital do país para Brasília, impulsionando a ocupação do território nacional, como o legítimo presidente que sucedeu Vargas.

Na sequência, como herdeiro político de Getúlio, João (Jango) Goulart foi eleito presidente. Nos anos 1960, uma forte ansiedade movia a juventude universitária para a busca de mudanças profundas contrárias aos interesses dominantes, culminando por fim no golpe de 1964 para pôr um basta definitivo às pretensões de reformas sociais. Havia na época duas correntes em confronto e se Jango tivesse seguido os caminhos do socialismo, provavelmente hoje estaríamos numa situação tão crítica como Cuba, Venezuela ou os países africanos em atraso.

Será que o filme não quer fazer um paralelo, construindo uma ponte para o Brasil atual onde os problemas continuam os mesmos? Vemos que na raiz do mal, a desigualdade de direitos e deveres entre os humanos criou animosidades por todos os lados, embora muitas vezes atuasse como sentimento inconsciente de insatisfação e revolta, transformando-se em ódio e violência. Felizmente o Brasil não se tornou uma Nigéria dividida e perigosa; no entanto ainda paira sobre nós o risco de prosseguirmos na rota da decadência geral, aumento da violência, caos e desordem.

Com o golpe ficamos atrelados ao capitalismo, porém não evoluímos o tanto quanto poderíamos e deveríamos. Ao contrário, a população foi induzida e acolheu bem todas as técnicas alienantes que foram aplicadas. Hoje a população do Brasil é uma das que tem menos preparo para a vida; mas para o nosso bem, o sistema ainda permite a liberdade, pois sem ela nenhuma melhora é possível.

Estaríamos no Juízo Final? Essa sensação decorre do que nos é dado a ver nos jornais e mais ainda nos telejornais: um país afundando no caos. Será que estamos colhendo os resultados da indolência geral e do egoísmo, em que cada um pensa só em si e nos seus interesses de forma injusta?

Estamos num complicado período eleitoral, muito emotivo, sem objetividade nem clareza. Ninguém sabe o que fará o próximo presidente do país. Os rumos do Brasil ainda são confusos. Não há uma visão clara de futuro próspero e independente. Das inúmeras fragilidades a pior é o despreparo da população para a vida.

Os grandes empresários poderiam contribuir efetivamente para um Brasil melhor, bem conduzido, independente, com população bem preparada para a vida, inclusive para o futebol, pois é inadmissível o comportamento de violência das torcidas, que mostram nosso baixo nível de civilidade e consideração humana.

Somos todos responsáveis. É muito importante examinar e compreender como chegamos a atual situação. A construção de um futuro melhor está em nossas mãos, de nosso querer e atuação sem esmorecimento.

(*) Benedicto Ismael Camargo Dutra é graduado pela Faculdade de Economia e Administração da USP, e associado ao Rotary Club São Paulo. Realiza palestras sobre temas ligados à qualidade de vida. É também coordenador dos sites www.vidaeaprendizado.com.br e www.library.com.br, e autor dos livros “ Conversando com o homem sábio”, “Nola – o manuscrito que abalou o mundo”, “O segredo de Darwin”, e “2012...e depois?”. E-mail: bicdutra@library.com.br; Twitter: @bidutra7

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