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O Supremo e os embargos infringentes

Por Lucas Rosa (*) | 24/09/2013 13:40

Vivemos numa democracia. Diante disso, em qualquer tipo de acusação, não pode ser imposto ao réu o dever de provar a própria inocência. Quem acusa tem a obrigação de demonstrar a culpa, e não o contrário. Esse modelo de processo é próprio da democracia constitucional e não podemos abrir mão dele, sob pena de admitirmos a ditadura ou até mesmo o totalitarismo.

Outra premissa advinda da democracia é que todos têm o direito de ver seus processos judiciais serem julgados ao menos duas vezes (como autor ou réu), para que a primeira decisão possa ser confirmada ou revista pelo próprio Poder Judiciário. A ideia aqui é a de que o julgador é pessoa falível e pode errar. Assim, normalmente, as ações iniciam-se nos juízos de primeiro grau, nas conhecidas Varas Criminais (primeira instância). Depois disso, condenados ou absolvidos os réus, cabe recurso ao Tribunal (segunda instância).

Decidindo o Tribunal, caberá novo recurso, do réu ou da acusação, a dois Tribunais Superiores, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Somente depois de ultrapassadas todas essas etapas é que uma pessoa poderá ser considerada culpada, se mantida a condenação pelos últimos órgãos jurisdicionais.

Ninguém pode ter mais ou menos direitos que os outros. Para garantir a igualdade, é obrigatória a possibilidade de saber antecipadamente tudo o que poderá ocorrer no processo. Ou seja, é garantido o direito de conhecer previamente os atos que serão praticados no procedimento mediante o qual seremos acusados, isto é, ter a segurança e a certeza de quais são os recursos dos quais poderemos dispor para a defesa, quais os recursos poderemos utilizar para impugnar eventual decisão que imponha uma condenação. A palavra aqui é previsibilidade: isso garante que o Estado tratará a todos com igualdade, quando acusados.

No caso julgado pelo STF, discutiu-se a possibilidade de os acusados da Ação Penal 470 (Mensalão) utilizarem o recurso denominado embargos infringentes. Este recurso possibilita que aquelas questões sobre os quais os Ministros do Tribunal divergiram sejam analisadas novamente, isto é, faz-se um novo julgamento, mas apenas quanto às condenações das quais ao menos quatro Ministros discordaram. Significa que a matéria será totalmente reanalisada, todavia, apenas nas questões sobre a quais os Ministros tiveram conclusões diferentes e, mesmo assim, em número mínimo de quatro Ministros.

Aqui a premissa é de que no Brasil (e no resto do mundo) a regra é que a todos é garantido, no mínimo, aquilo que o mundo jurídico chama de “duplo grau de jurisdição”, ou seja, o direito de ver seu processo judicial ser julgado ao menos duas vezes. Ocorre que para algumas situações a nossa legislação determina que o processo seja iniciado já nos Tribunais. No STF, considerando que não há nenhum outro órgão superior a ele, haverá apenas um julgamento, o acusado não terá o direito a dois, como normalmente todos têm.

Em razão disso, a legislação previu e determinou para esses casos – já que o processo será julgado apenas uma vez, e tendo em vista que as condenações criminais causam graves consequências – que, se houver divergência de quatro Ministros quanto à condenação ou a qualquer outro aspecto do processo, o acusado terá o direito de ser julgado novamente.

A questão debatida no julgamento e que causou grande discussão na sociedade brasileira era a seguinte: esse recurso pode ser utilizado pelos réus que são processados nas ações penais originárias do Supremo? Prevaleceu a tese que entendeu cabíveis os embargos infringentes. Apesar de a votação ter sido apertada – seis contra cinco – a admissão do recurso levou em consideração inúmeras razões e motivos jurídicos, sobretudo o fato de que já estava estabelecido previamente na lei brasileira e que todas as pessoas podem utilizá-lo, desde que sejam acusadas em ação penal originária perante o STF.

O mais importante de tudo: o Supremo apenas admitiu a utilização do recurso de embargos infringentes, pois ainda não analisou o mérito das razões, isto é, ainda não fez o novo julgamento. Uma coisa é aceitar o uso de um recurso, outra coisa é acolher os argumentos que foram levantados nele. O STF, naquele julgamento, apenas considerou ser possível aos réus apresentarem os embargos infringentes.

Objetivamente, até agora, apenas um réu apresentou. Os outros farão isso na próxima oportunidade, isto é, depois que a decisão (acórdão) do último julgamento, que envolveu também outras questões, for publicada. Isso deverá acontecer no final deste ano, início do próximo. Aí então, quando os outros réus recorrerem (e poucos poderão), o Supremo irá acolher ou não seus argumentos.

Em outras palavras, o STF disse que poderá julgar novamente (se os réus recorrerem), mas isso não significa que concordará com os argumentos apresentados. Assim, as condenações e as questões a respeito das quais houve divergência entre os Ministros poderão ser mantidas, como poderão também ser modificadas. De toda sorte, o que decidiu o Supremo aplica-se a todos nós, cidadãos brasileiros, não apenas aos réus do Mensalão. Não é privilégio deles ou de alguns, mas sim direito de todos. No mais, se eles recorrerem, toda a nação poderá acompanhar novamente a atuação do STF.

(*) Lucas Rosa é advogado, presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MS e membro Consultor da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB.

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