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O uso indiscriminado do incidente de sanidade mental

Por Luiz Carlos Saldanha Rodrigues Junior (*) | 24/09/2012 16:28

A aplicação da medida de segurança no processo penal tem sido objeto de estudo e de reflexão por parte de inúmeros juristas que, em maior ou menor grau, concordam com a sua permanência no sistema penal brasileiro.

A medida de segurança é adotada nos casos em que o delinquente é comprovadamente portador de doença mental que o torne perigoso para a sociedade e que, por causa desta doença, era inteiramente incapaz de compreender o caráter ilícito de sua conduta.

O caráter ilícito de uma conduta é a compreensão de que a ação praticada por qualquer pessoa é descrita como crime, contravenção ou ato infracional pelas leis brasileiras. E cabe exclusivamente ao legislador estabelecer quais condutas serão considerados ilícitos penais.

Na prática, diante de um homicídio, por exemplo, é deflagrada uma série de consequências jurídicas que envolvem diversos setores da segurança pública, que vão desde a investigação pela polícia judiciária até a participação dos auxiliares do Poder Judiciário, como os peritos e intérpretes.

A autoridade policial, quando instaura um procedimento, o inquérito, não pode arquivar as investigações por vontade própria, ainda que não tenha certeza absoluta sobre a autoria do fato investigado. Deve, ele, recorrer ao Ministério Público e, por meio de sólidas argumentações, aduzir sobre o arquivamento, sendo a opinião daquele órgão o MP, a que deve prevalecer, conforme se lê no art. 28 do Código de Processo Penal (CPP).

A inteligência das leis processuais é tal, que mesmo sem uma autoria certa é possível iniciar a ação penal contra aquele que, supostamente, é o autor, desde que esteja prova a existência de um ilícito penal. Eis ai o que se conhece como justa causa nos meios jurídicos.

A justa causa é um conjunto de elementos de convicção que leva o órgão acusador a oferecer uma denúncia contra alguém.

Denúncia é a peça inaugural de qualquer ação penal pública e contém, dentre outros requisitos, a descrição da conduta e seus detalhes, assim como a indicação de quem é ou pode ser o autor do ilícito, nos termos do artigo 41 do CPP.

No entanto, quando o investigado ou denunciado é portador de doença mental, como deve agir o Estado para certificar-se desta condição e como preservar a garantia de uma correta reprimenda nestes casos?

A lei processual indica a necessidade de submeter o réu a procedimento conhecido como incidente de sanidade mental, que é um processo paralelo e que interrompe o curso da ação penal enquanto existir esta dúvida a cerca da sanidade do réu. É oportuno afirmar que o procedimento incidente tem sido usado como ferramenta de defesa nos casos onde a crueldade do agente se mostrou acima do tolerável e que, por isto mesmo, é passível de abuso, já que nem sempre o acusado é, realmente, portador de doença mental.

De fato, a primeira vista, não importa que o ilícito seja considerado impune, ou que esse seja o sentimento generalizado diante da impossibilidade de se punir algum transgressor, devido sua condição mental. No entanto, aquele que é portador de doença mental, nos termos da lei brasileira, não pode ser considerado criminoso, mas doente e é dever do Estado tratar compulsoriamente, sendo esta a única solução.

Veja que estou a afirmar que o tratamento deve ser compulsório e, portanto, não basta ministrar medicamentos controlados ao réu-doente, ou deixá-lo em algum ambulatório, ou casa de saúde, ou em algum local destinado aos incapacitados mentalmente, mas deve-se possibilitar a assistência médica integral.

Os portadores de algumas doenças mentais, como a esquizofrenia, segundo a literatura médica especializada, não tem chances de cura, mas se aplicado corretamente os protocolos clínicos para esta condição especial de saúde, os pacientes respondem favoravelmente e seu retorno ao convívio social é ou pode ser abreviado, sem representar riscos maiores para a população.

Neste ponto é preciso que se diga que o tratamento clínico não é a regra, ou seja, há situações em que o grau de severidade da doença não permite que o doente seja liberado em tempo equivalente aos dos presos comuns, que obtém a progressão de regime com um sexto da pena, por exemplo. Mas é preciso considerar que o doente representa um sério risco para a sociedade e, portanto, o que se estuda no processo incidente é basicamente a sua periculosidade.

É estranho e pode parecer mesmo impunidade o Juiz absolver um delinquente por ser portador de doença mental e recomendá-lo ao tratamento médico-psiquiátrico compulsório, além de determinar que sua soltura seja condicionada a prova científica de que cessou a periculosidade. E, de fato, e pode parecer cruel para o internado que somente deixará o ambulatório médico, se provar que não é mais perigoso.

Em outras linhas, tanto réu-doente, quanto a sociedade ficam dependo da avaliação posterior sobre as condições de saúde do internado e, com isto, não há certeza sobre quando aquele delinquente será capaz de retornar ao convívio social, não a princípio.

Todavia, o profissional que pode dar estas respostas não deveria ser chamado apenas no incidente e mais, o processo avaliativo deveria ocorrer no prazo mínimo de 45 dias e não como se lê no artigo 150 do CPP que prevê até 45 dias.

Qual a preocupação com a questão do prazo de avaliação? A correta interpretação da condição de saúde do investigado seja ele, portador ou não de doença mental, o que importa é a certeza de que não se estará descartando um tratamento de saúde para quem necessite de tal.

Em outras linhas, o perito deve emitir sua opinião sem pressa e após um convívio mínimo com o investigado, dando oportunidade para a observação de comportamentos mais ou menos indicativos de alguma patologia mental e, assim, entregar seu estudo ao magistrado que, com sólidos argumentos, poderá ou não aplicar a medida de segurança, afastando o fantasma da impunidade permanentemente.

Fica aqui uma advertência para o uso indiscriminado do incidente de sanidade mental que, em casos bem documentados, tem abrandado as consequências do delito, já que o autor não pode ser responsabilizado.

(*) Luiz Carlos Saldanha Rodrigues Junior é presidente da Comissão de Advogados Criminalistas da OAB/MS e professor universitário.

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