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Químico falando da Matemática

Por Adilson Roberto Gonçalves (*) | 13/11/2017 07:09

A matemática foi o bom tema, com o perdão do trocadilho, da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia deste ano. Aproveitando que se vive o biênio da matemática e que no próximo ano ocorrerá o congresso internacional da área no Brasil, foram propostas em todos os cantos e recantos atividades de diversos aspectos; lúdicos, profundos, interessantes, relevantes.

O Instituto Federal de São Paulo – IFSP, campus Hortolândia, promoveu suas atividades na penúltima semana de outubro e fui convidado para apresentar meu livro “Transformações na Terra das Goiabeiras” e discorrer sobre divulgação científica e matemática para os alunos dos cursos técnicos daquela instituição. O livro continua disponível a R$30 (envie e-mail para priadi@uol.com.br).

Das centenas de crônicas do livro selecionei aquelas que dissessem a matemática de forma explícita. Em uma sobre letras e números discorri sobre a correlação de aprendizados, o formal e o do dia-a-dia. Relatei o cálculo de troco por feirantes, feito por caminhos nem sempre rígidos, como os vistos nas salas de aula. Despertou interesse, mas quando o assunto foi a mudança da moeda ocorrida no Brasil, os adolescentes não sabiam do que eu falava e lembrei-me que essa geração não passou – pelo menos ainda – por todas as agruras de alta inflação, corte de zeros nas cédulas e troca de moeda a cada miraculoso plano econômico.

O acaso, da música dos Titãs, diz respeito a probabilidade e estatística, que alunos dos cursos técnicos já passam a dominar para lidar com o tratamento de dados de laboratórios. Em tempos nos quais se espremem valores para que contem a história que queremos, é importante discutir com os jovens sobre os limites e abrangência da informação numérica experimental. Na mesma linha, lembrei a eles o filme “O Homem que Copiava”, no qual ocorre um sorteio da Megasena com seis números sequenciais. A geometria também está presente no livro. Medir o mundo e as coisas foi a origem desse ramo da matemática.

O significado de números negativos é algo corriqueiro, especialmente em estudos técnicos, mas a menção ao tempo negativo pode ser falsamente entendida como subsídio para a viagem no tempo, para o passado. Curioso também foi que escrevi uma crônica intitulada “Mais verdadeiro que nota de 3”, mas os alunos pouco sabem de como são os valores de face de moedas de outros países, além de ser uma geração que também não conhece o ditado de ser “mais falso que uma nota de 3”, porque inexistente nas sistemas monetários mundo afora. No caso do texto, argumentei que poderiam ser as potências de 3 nos valores para ser usado um número menor de cédulas.

Um pouco fora do tema, expliquei a eles um pouco sobre a constituição do livro, cujo nome é uma brincadeira com um dos significados de Guaypacaré (goiabeira) e a palavra “transformação”, que tem de aparecer em um livro de um químico. Como fazia nas colunas muitas referências a textos anteriores, mostrei como as citações foram incluídas como notas de rodapé e a necessidade de dar consistência ao livro, pelo menos dentro da minha visão.

Por fim, lamentei que ainda haja medo da matemática. Uma série de investigação chamada NUMB3RS (com o 3 no lugar do E) usava matemática na solução de crimes, mas os estudantes ali presentes não a conheciam. Veículos de divulgação científica estão deixando de existir, como a revista Ciência Hoje, que mantém apenas o acervo digital das revistas anteriores, mas desde o final de 2016 não mais publica edições novas. Restam publicações eletrônicas de qualidade, como a ComCiência, do LabJor da Unicamp (www.comciencia.br). O país precisa manter seu sistema de ciência, tecnologia e educação, que já não era dos melhores e, agora, está à míngua. A depender do interesse dos alunos do IFSP e de sua disposição em colaborar na organização dos eventos de divulgação científica, ainda temos forte esperança de que possamos contribuir para os saltos de qualidade de que a sociedade necessita. Basta fazermos as contas certas.

(*) Adilson Roberto Gonçalves, doutor em química pela Unicamp, livre-docente pela USP e pesquisador da Unesp em Rio Claro (SP).

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