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Cidades

Com prisão de companheiros, "Damas do Crime" assumem lideranças no PCC em MS

Operação Regresso levou à denúncia de 86 pessoas, sendo 24 mulheres, muitas, tidas como "imprescindíveis" nas ações dos grupos

Silvia Frias | 10/10/2020 09:42
Mulheres denunciadas pelo MPMS como integrantes do PCC no Estado, a maioria, companheiras de líderes presos (Foto/Reprodução)
Mulheres denunciadas pelo MPMS como integrantes do PCC no Estado, a maioria, companheiras de líderes presos (Foto/Reprodução)

Em conversa telefônica, Valkíria Silva Honorato, 36 anos, adverte a filha da seriedade de se “fechar com a família” e de que isso “não é brincadeira”. O compromisso tratado pela mulher é com o PCC (Primeiro Comando da Capital), do qual é integrante há 10 anos, segundo uma das dez denúncias oferecidas pelo MPMS (Ministério Público de MS) contra 86 membros da facção criminosa.

Valkíria integra o grupo de 24 mulheres listadas por diferentes crimes nas 10 denúncias oferecidas à 5ª Vara Criminal de Campo Grande, em setembro, como associação ao tráfico e tráfico de drogas, conforme nível de participação.

As denúncias foram divididas por grupo, conforme área de atuação e proximidade. Chama a atenção o protagonismo assumido por elas, a maioria, por força das circunstâncias, decorrente da prisão dos companheiros que exercem papel de liderança no PCC.

MNI (Mulher Não Identificada) seria Valkíria Honorato, há 10 anos no PCC (Foto/Reprodução)
MNI (Mulher Não Identificada) seria Valkíria Honorato, há 10 anos no PCC (Foto/Reprodução)

As denúncias oferecidas entre os dias 10 e 14 de setembro são consequência da Operação Regresso, deflagrada no dia 28 de agosto em Campo Grande, Dourados, Corumbá e Três Lagoas, para cumprimento de 35 mandados de prisão, grande parte, de internos dos presídios do Estado.

O 87º denunciado aparece na lista, mas foi morto em confronto, sendo Cleyton de Jesus Medeiros, o "G7".

A investigação começou em fevereiro de 2018, sob responsabilidade do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado). Os grupos foram identificados a partir das escutas telefônicas, trabalho de campo e vigilância.

Os grupos investigados pelo Gaeco atuavam em vários bairros de Campo Grande, como Vila Nhanhá, Aero Rancho, Tijuca, Caiobá, Coophasul, Vila Nasser, Moreninhas

Participação - A mudança na organização do PCC já havia sido observada pelo setor de Inteligência em Alagoas que, em julho deste ano, desencadeou a operação “Damas do Crime”, o núcleo feminino que exerce função de liderança, sendo extremamente ativo na tomada de decisões, como nas execuções dos traidores e integrantes do CV (Comando Vermelho).

Em Mato Grosso do Sul, as mulheres apontadas nas denúncias atuam principalmente no setor conhecido como Geral do Progresso, núcleo responsável pelo tráfico de drogas e coordenação da venda de drogas e controle de armamentos da facção (paiol). Embora nao tenha o mesmo caráter de liderança das "irmãs" do Nordeste, assumiram funções de importância na facção.

Controle feito por Rosimeire Sampaio, a "Irmã Laura" (Foto/Reprodução)
Controle feito por Rosimeire Sampaio, a "Irmã Laura" (Foto/Reprodução)

Um dos exemplos mais evidentes é Rosimeire Sampaio Dias, 49 anos, a “Irmã Laura” ou “Cleópatra”. Natural de Corumbá, “exerce função de liderança”, atuando na Geral do Estado do Espírito Santo, fiscalizando e controlando integrantes da facção, situação evidente a partir da apreensão de relatórios do PCC, encontrados em sua casa.

Neles, Rosimeire faz o controle das “irmãs dentro do sistema”, ou seja, das faccionadas detidas no que eles chamam de cara-crachá. Neles, a geral do Estado do Espírito Santo aparece como “Irmão (sic) Laura”.

A denúncia do MP não explica o motivo do alcance do PCC de MS naquele estado, mas há trecho que trata da estruturação a facção: os assuntos relacionados ao Mato Grosso, Goiás e o Distrito Federal estão sob responsabilidade das lideranças de MS.

Dentro da Geral do Progresso, “Irmã Laura” ou “Cleópatra” também atua no Setor da Pureza, ou seja, na venda de cocaína, controle feito por ela de dentro do presídio Irmã Irma Zorzi, em Campo Grande. O MPMS relata que a traficante mantém “várias biqueiras”. Em 2018, a detenta queria expandir o negócio e as interceptações telefônicas mostram negociação com traficante do Setor do Óleo (pasta base de cocaína), com divisão dos lucros.

As escutas também revelam confissão de “Irmã Laura”: a de que teria ordenado a execução de José Ribeiro Gomes, morto a tiros no dia 5 de julho 2018, na rua 14 de Julho. Rosimeire ainda pretendia “acertar as contas” com Magaiver do Nascimento Garcia, que teria contado à polícia que ela era a mandante do crime.

Dados de uma das faccionados do PCC, conforme lista de "Irmã Laura" (Foto/Divulgação)
Dados de uma das faccionados do PCC, conforme lista de "Irmã Laura" (Foto/Divulgação)

“Meteu um 16” – As 24 mulheres listadas nas denúncias são esposas, namoradas e até ex-companheiras de integrantes do PCC que exercem principalmente a função de Geral do Estado. Quando presos, elas assumem as responsabilidades do cargo e, mesmo recorrendo a eles dentro dos presídios, demonstram segurança e autonomia nas atividades.

Neste perfil, está Renata de Oliveira Lima, 27 anos, a “Sierra Fox”. Além de companheira de Antônio Marcos dos Anjos Silva, o “Daleste”, também foi apadrinhada por José Pereira da Silva, o “Zé da Morte”. Ambos são do núcleo Geral do Estado. O padrinho ainda é do Setor de Ferramentas, que trata da compra de armamento.

Droga apreendida com Dayanni Aguilera, em 2018 (Foto/Reprodução)
Droga apreendida com Dayanni Aguilera, em 2018 (Foto/Reprodução)

“Sierra Fox” auxilia o padrinho no tráfico de pasta-base de cocaína e tem autonomia na venda de maconha. Também trata de questões disciplinares, a exemplo de reclamação feita sobre a conduta de faccionado, que “meteu um 16”, na linguagem do crime, desrespeitou a alta cúpula do PCC. O MPMS identificou que Renata recrutava traficantes de maconha, coordenava e distribuía a droga para outros estados.

Laura Jane Schuman Kanuf, a “Vivi” ou “Amara”, foi presa em Corumbá, investigada pela participação nos núcleos Geral do Sistema e Geral da Rua, ocupando papel de liderança sobre faccionados presos e em liberdade, de acordo com MP.

O companheiro dela, Marco Antônio Ferreira, o “Sombra”, é da Disciplina Regional Oeste (controle dos faccionados) e foi preso por agredi-la, em 2018. Para se vingar, Laura Jane tentou jogá-lo contra os “irmãos” do PCC, dizendo que ele era do Comando Vermelho. A intenção é que ele fosse morto por traição, de acordo com escutas captadas pelo Gaeco.

Dayanni Cristina Aguilera, 39 anos, assumiu o transporte de droga depois que o ex-marido, Yuri Cezar Guillermet Liamazales Coca passou a ser investigado. Ela levava drogas para estado de São Paulo e foi presa em março de 2018, com 142 quilos de cocaína.

Em um dos grupos denunciados, a movimentação da venda de droga (Foto/Reprodução)
Em um dos grupos denunciados, a movimentação da venda de droga (Foto/Reprodução)

De Aline Luiz Pereira Viegas, a “Arlequina”, partiu a informação sobre a traição que culminou na prisão de integrante do PCC. O resultado foi o sequestro de Alexandre Fernandes Martins, o Mascote, 34 anos, o homem que teria delatado o "irmão". Ele escapou do Tribunal da Morte com ferimentos a golpe de facão.

No caso de Mayara Rodrigues da Cruz , 27 anos, recaiu a responsabilidade de tocar a venda de drogas depois da prisão do marido, Thiago Coutinho Barbosa, da Geral das Regionais. O casal, segundo Gaeco, usava loja de roupas como fachada, na Vila Nhanhá. Ela também participava das conversações com a cúpula (Sintonia), já que o marido era do núcleo Geral da Regional, que organiza a facção no território estadual.

Na lista, ainda constam Jucicléia de Siqueira Carvalho, Paula Gonçalves, Natiela Aparecida Souza, Daniela Jesus de Souza, Carla Galdino Fernandes, Érika de Oliveira, Nataly Faria Leite, Luma Mayara Oliveira Leite, Jéssica Demétrio, Crislene Vera Neta Campos, Kalinka Garbeline Prado, Leida Maria da Silva Pereira, Patrícia de Souza Gonçalves, Isadora Piazza, Ana Maria Deluque de Araújo, Aline Luiza Pereira Viegas e Gabriela dos Santos Silva.

As denúncias estão tramitando na 5ª Vara Criminal de Campo Grande. Os acusados pelo MPMS teriam dez dias, a partir da notificação, para apresentar defesa prévia. O último andamento, de 7 de outubro, mostra que os autos foram remetidos pelo Ministério Público.

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