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Cidades

Conexões entre negócios e tráfico consolidam Mato Grosso do Sul como base do PCC

Cartel da cocaína estruturado na fronteira deu à facção lastro em rede empresarial em Campo Grande e Iguatemi

Por Vasconcelo Quadros, de Brasília | 03/09/2025 06:31
Conexões entre negócios e tráfico consolidam Mato Grosso do Sul como base do PCC
Equipe da polícia e da Receita Federal durante Operação Carbono Oculto (Foto: Divulgação)

As investigações da Polícia Federal que resultaram na maior operação da história contra o crime organizado apontam Mato Grosso do Sul como uma das bases mais sólidas do PCC (Primeiro Comando da Capital), pela proximidade com a Bolívia, origem da cocaína, e com o Paraguai, entreposto dos negócios ilegais, e pela rede de lavagem de dinheiro estruturada no Estado.

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O Mato Grosso do Sul se consolidou como uma das bases mais importantes do PCC devido à sua localização estratégica próxima à Bolívia e ao Paraguai, além de uma sofisticada rede de lavagem de dinheiro. Entre 2020 e 2021, a facção estabeleceu conexões em Campo Grande, Iguatemi e Dourados, utilizando empresas de combustíveis como fachada para operações ilegais.Em Iguatemi, oito empresas do setor de combustíveis operavam no mesmo endereço, com capital total de R$ 36 milhões. O esquema envolvia tráfico de cocaína para Europa e Estados Unidos, operações de fachada e lavagem de dinheiro através de fintechs em São Paulo, movimentando mais de R$ 8 bilhões.

Entre 2020 e 2021, a facção chefiada por Mohamad Houssein Mourad e Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Loko, estabeleceu conexões com Campo Grande, Iguatemi e Dourados. Na capital, em endereços nobres, o grupo estruturou seu esquema de lavagem de dinheiro. Em Iguatemi, num único endereço, a rede de combustíveis e derivados contava com oito empresas em funcionamento, com capital total de cerca de R$ 36 milhões.

As empresas mais importantes para os negócios ilegais do grupo estavam em Campo Grande. As filiais da Copape Produtos de Petróleo Ltda. funcionavam na Avenida Afonso Pena; a Gasp Participações e Investimentos S.A., no Centro; e a Control Participações Ltda., no Jardim dos Estados. Todas estavam conectadas ao braço operacional em Iguatemi por meio da Safra Distribuidora de Petróleo S.A., presidida por Armando Hussein Ali Mourad, irmão de Mohamad.

Conexões entre negócios e tráfico consolidam Mato Grosso do Sul como base do PCC
Beto Loko e Mohamad Hussein Mourad, conhecido como "Primo" (Foto: Reprodução)

No mesmo endereço funcionavam ainda Orizona Combustíveis S.A., Maximus Distribuidora de Combustíveis Ltda., Alpes Distribuidora de Petróleo Ltda., Império Comércio de Petróleo S.A., Star Petróleo S.A., Arka Distribuidora de Combustíveis Ltda. e Duvale Distribuidora de Petróleo e Álcool Ltda. Esta última era dirigida por Daniel Dias Lopes, traficante condenado e foragido incluído na lista da Interpol. Ele é apontado como elo entre a lavagem de dinheiro por meio de negócios de fachada e o tráfico internacional e aparece também como sócio oculto da Arka.

Na ação cautelar apresentada pelo Ministério Público de São Paulo, há outro elo entre o braço criminoso paulista e Mato Grosso do Sul. O policial civil João Chaves Melchior é citado como provável dono de um imóvel rural em Iguatemi usado para ocultação de bens e possível lavagem de ativos. O documento não detalha o imóvel.

Melchior, um dos primeiros alvos da Operação Carbono Oculto, foi preso na semana passada em Paulínia (SP), centro de distribuição de combustíveis, suspeito de fraude fiscal, lavagem de dinheiro e adulteração de combustíveis, supostamente operadas pelo PCC. Embora tenha recebido moção de congratulações da Câmara Municipal de Paulínia, consta em seu histórico um processo administrativo disciplinar publicado em março de 2024 pela Corregedoria da Polícia Civil de Campinas. Investigadores suspeitam que ele tenha tido atuação estratégica na estrutura de Iguatemi, usada para dar lastro às transações da rede de Daniel Lopes.

Segundo a PF (Polícia Federal) e o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), a coincidência de endereços, a abertura simultânea e o capital social padronizado em Iguatemi indicam um "condomínio de distribuidoras" usado para movimentar grandes volumes de dinheiro e combustíveis. Iguatemi, pela proximidade com o Paraguai, reforça a suspeita de uso estratégico da cidade em operações ligadas ao tráfico e ao contrabando. O PCC mantém forte presença na região.

De acordo com as investigações, o esquema em Mato Grosso do Sul funcionava como ciclo completo: tráfico de cocaína para a Europa e os Estados Unidos, operações de fachada em Iguatemi e lavagem sofisticada por meio de fintechs localizadas na Avenida Faria Lima, em São Paulo.

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Dourados na rota do metanol

Decisão da Justiça de São Paulo mostra que Dourados entrou no radar de investigação sobre adulteração de combustíveis. A cidade não foi palco de crime, mas aparecia em rotas fiscais que deveriam ser seguidas por caminhões carregados de metanol importado.

O produto químico, autorizado pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) em até 0,5% da gasolina, era usado ilegalmente em até 50%. A carga saía de Paranaguá (PR) com destino declarado a Primavera do Leste (MT), com duas rotas previstas: BR-163 (1.689 km) e BR-487 (1.784 km), passando por Dourados. Na prática, os caminhões desviavam para São Paulo, descarregando em postos como o Auto Posto Bixiga, no bairro Bela Vista.

A fraude, sustentada por notas fiscais frias, resultou no desvio de mais de 10 milhões de litros de metanol, usados na adulteração de combustíveis, com dinheiro ocultado em distribuidoras de fachada e instituições de pagamento.

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Telefones, armas e joias apreendidos durante operação (Foto: Divulgação)

Mapa das distribuidoras

Outro processo da Justiça de São Paulo cita Iguatemi entre cidades onde empresas suspeitas mantinham matrizes e filiais, junto com Guarulhos (SP), Senador Canedo (GO) e Osasco (SP). A Justiça descreve as distribuidoras como fachadas para fraudes fiscais, lavagem de dinheiro e adulteração de combustíveis.

As duas decisões integram investigações do Gaeco e da Polícia Federal que apontam uma rede que movimenta mais de R$ 8 bilhões. Não há registros de operações policiais diretas em Mato Grosso do Sul até agora, embora Dourados e Iguatemi apareçam nos documentos e façam parte da engrenagem logística e societária do esquema.

Autoridades federais e estaduais avaliam que, após a operação da semana passada, será inevitável ampliar a compreensão sobre a dimensão do PCC, que, além de controlar o tráfico internacional, se infiltrou na economia formal com conexões em mercados financeiros, redes de postos, combustíveis e mercado imobiliário. A facção também investe na corrupção de agentes públicos, estratégia considerada peça-chave para manter a cadeia de negócios em áreas de fronteira e nos grandes centros, especialmente São Paulo, sua principal base.