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Cidades

Acordo mediado pelo STF pode pagar bilhões a fazendeiros por terras da união

Anteprojeto abre unidades protegidas a atividades econômicas e muda relação do Estado com povos originários

Por Vasconcelo Quadros | 26/06/2025 16:33
Acordo mediado pelo STF pode pagar bilhões a fazendeiros por terras da união
Parâmetro vem de Antônio João, que envolveu o pagamento de R$ 146 milhões aos fazendeiros pela terra nua e benfeitorias na TI Ñanderu Marangatu (Foto: Famasul)

Mesmo que o marco temporal seja derrubado, como quer o governo federal, o ruralismo capitaneado pelas forças do agro de Mato Grosso do Sul foi o grande vencedor da batalha travada no Supremo Tribunal Federal nos 12 meses de debates sobre a Lei 14.701/2023, arranjo jurídico do Congresso que fomentou os conflitos nas disputas por terras reivindicadas pelos indígenas.

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A proposta mediada pelo STF para resolver conflitos por terras indígenas pode resultar em gastos bilionários para o governo federal. O parâmetro utilizado é o acordo de Antônio João (MS), que custou R$ 146 milhões aos cofres públicos para indenizar fazendeiros pela terra nua e benfeitorias na TI Ñanderu Marangatu. As negociações, conduzidas pelo ministro Gilmar Mendes, preveem indenizações em dinheiro, títulos da dívida ativa ou precatórios, fora do teto de gastos. A medida, embora controversa, beneficia produtores rurais que podem ser compensados a preço de mercado por áreas que, originalmente, pertenciam à União.

A mudança em curso, que envolve negociações entre o ministro Gilmar Mendes e o presidente Lula, pode mudar o entendimento Constitucional sobre o regime das terras indígenas, mas é, acima de tudo, benéfico aos produtores rurais, que podem ser indenizados com ativos a preço de mercado por áreas rurais que, a rigor, comprados de boa-fé ou não, pertenciam a União.

“As indenizações poderão ser feitas em dinheiro, TDA (títulos da dívida ativa da União) ou precatórios. E a proposta do Gilmar não é só os precatórios. Foi para dizer que (o pagamento das indenizações ou compra de terras) tem que ser extra conta do governo, fora do teto de gastos. O precatório já tinha sido usado para pagar a área de Antônio João, então não é nada novo”, esclareceu o presidente da Federação da Agricultura de Mato Grosso do Sul (Famasul), Marcelo Bertoni, que participou de todos os debates também como representante da Confederação Nacional da Agricultura.

Acordo mediado pelo STF pode pagar bilhões a fazendeiros por terras da união
Presidente da Famasul, Marcelo Bertoni, durante fala no STF (Foto: Reprodução/Zomm)

De Campo Grande, pela internet, o governador Eduardo Riedel acompanhou atento a elaboração do texto final da ata da última das 23 audiências da câmara de conciliação que, entre os cerca de 40 participantes de diferentes órgãos públicos, foi tratada como Comissão Especial de Autocomposição.

Quem falou pelo estado foi a procuradora-geral de Justiça, Ana Carolina Ali Garcia, destacando que o foco de todo o debate “foi o compromisso com o diálogo federativo e a construção de soluções seguras e viáveis do ponto de vista jurídico, técnico e financeiro”, embora várias propostas tenham sido descartadas por falta de consenso.

A principal delas, frisa Garcia, foi “a existência ou não de marco temporal, que desde o início das audiências foi estabelecido pelo Min. Gilmar Mendes e juízes condutores que não seria objeto de debate, mas, sim, a busca de soluções para a temática e de um sentido estabilizador para as normas”.

 O consenso sobre sugestões foi mediado por dois juízes do gabinete de Mendes, Diego Viegas Véras e Lucas Faber de Almeida Rosa, que listaram os itens que farão parte do anteprojeto que o plenário do STF ainda discutirá.

O explosivo marco é hoje a principal arma do ruralismo que STF e o governo Lula 3 são contra, mas não deram sinais ainda de que estejam dispostos a enfrentar. Lula teme mais desgaste à popularidade. Já o STF optou por uma postura dúbia. Ao atender algo em torno de 80% do que está na Lei 14.701, Mendes sinaliza que pode fazer a retirada de data para demarcações, mas embora possa muito, também não pode tudo: é o plenário do STF que pode mudar a lei ou voltar atrás e anular sua própria decisão sobre a inconstitucionalidade do marco.

O que mais interessa aos ruralistas está sendo providenciado. O governo estuda um novo Plano de Regularização de Terras Indígenas sugerido por Mendes, no qual serão definidos os critérios compensação financeira aos produtores. Um dos parâmetros é o acordo com os fazendeiros de Antônio João, que envolve o pagamento de R$ 146 milhões aos fazendeiros pela terra nua e benfeitorias na TI Ñanderu Marangatu, uma gleba de 9.300 hectares, localizada numa faixa de segurança nacional, na fronteira com o Paraguai, que pertence à União.

Acordo mediado pelo STF pode pagar bilhões a fazendeiros por terras da união
Indígenas acompanham sessão no STF que tratou do marco temporal. (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil)

O problema desse acordo é o precedente e a falta de caixa do governo, que teria de abrir um orçamento suplementar que, só para pacificar os conflitos em Mato Grosso do Sul, cerca de uma centena de pendências, consumiria mais do que o governo queria arrecadar com o decreto do IOF derrubado na quarta-feira pelo Congresso.

As mudanças propostas mudariam as relações entre Estado e indígenas. Por elas, qualquer medida legislativa ou administrativa deve ser antecedida por consulta aos indígenas, mas inclui nas negociações a participação obrigatória de estados, municípios e o acesso público aos processos de demarcação, até aqui uma prerrogativa técnica da Funai. Inclui como áreas protegidas terras adquiridas legalmente por indígenas e prevê autonomia de gestão econômica sobre uso das terras, garantindo às etnias a liberdade para parcerias com a iniciativa privada, inclusive para mineração ou turismo, embora crie compensações financeiras por serviços ambientais. As instituições financeiras ficariam proibidas de exigir garantias para concessão de empréstimos de investimento.

Bertoni afirma que o setor do agro conseguiu aprovar na comissão 40 das 96 propostas de Gilmar e a manutenção de 80% dos artigos da Lei 14.701, que criou de define o marco temporal. “Os procedimentos da Funai terão de ser abertos, estados e municípios vão participar e em relação ao pagamento da terra, o produtor permanece na área pelo período da negociação, podendo produzir. Tem vários tipos de ganhos aí. Uma das coisas ruins é ter tirado a reintegração de posse (que ele pediu por falta de consenso) em, no máximo 30[U1]  dias de áreas invadidas pelos indígenas. Eu acho que isso é uma coisa que nós vamos trabalhar no Congresso para colocar de volta”.

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Maurício Terena é advogado em defesa dos povos indígenas. (Foto: arquivo pessoal)

O advogado indígena Maurício Terena, que acompanhou a debandada da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) logo no início dos debates, considera as propostas ruins. “Os consensos giram em torno das demarcações e promovem uma mudança radical nas questões envolvendo terras indígenas. Abrem mais para questionamentos de particulares e terceiros interessados, criando morosidade ou inviabilizando as demarcações. Mudam o regime criado pelos constituintes de 1988, que diferenciou o conceito de terra indígena de posse civil ou privada.

O Supremo mexe nessa lógica”, alerta o advogado, preocupado com o que pode vir pela frente. “Além de abrir de maneira radical as terras indígenas para exploração econômica, a proposta chega numa conjuntura de fragilidade quanto ao desfecho do que foi proposto na câmara de conciliação. A gente sabe que vai ser ruim”. Ele acredita que o plenário do STF, que é quem decidirá, não permita retrocesso aos direitos indígenas.


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